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sábado, 19 de março de 2011

Capítulo III - Os Irmãos Mimieux e a Exploração do Local


Pela manhã, o estranho Frederico Mimieux percebeu que não mais precisava de óculos, e o deixou embaixo da cama branca, único móvel daquele quarto enorme e semi-vazio, exceto por uma pequena prateleira contendo discos antigos, livros e estatuetas de porcelana. Levantou-se, caminhou até a porta e abriu-a. Mia jogava Super Mario no computador enquanto o som de lenha sendo cortada vinha alto do lado de fora, do centro da clareira. Todas as janelas estavam abertas, desde as da cozinha até as dos quartos. As portas escancaradas para o sol cinzento da montanha, um sol que nunca chegava realmente àquela clareira estranha e silenciosa. Um almoço improvisado cozinhava a fogo alto.
Frederico foi para fora.
Para encarar a beleza etérea, muda e estranha daquela floresta de pinheiros silenciosa e apavorante. Agora que estava claro, era possível ver os raios dourados do sol atravessando em lâminas as folhagens espaças das árvores. O musgo reinava nas rochas maiores que rodeavam a clareira, trepadeiras famintas disputavam os troncos grossos para ver quem chegava primeiro ao topo da sua árvore. Pequenos insetos se faziam presentes agora, insetos quase imperceptíveis, como uma joaninha minúscula pousada numa flor amarela daquelas que florescem pela manhã e morrem ao meio-dia, uma borboleta cor de pão que cruzava o local solene e uma jacinta amarela descansando numa fina tira de capim. O cascalho reclamão gritou à pressão dos pés de Fred ao chão.
- Bom dia pai. – disse Fred, ainda sonolento, bocejando. Fazia muito frio lá fora.
- Bom dia Fred, já tomou o café? – uma pobre lenha foi cortada ao meio.
- Ainda não...
- Então é melhor tomar, vou aproveitar que estão aqui para levá-los a ver algumas coisas...
O pai dos Mimieux entrou no casebre, levou os garotos para a mesa do café e os fez engolir mais algumas bolachas, goles de achocolatado e sanduíches de patê e alface. Frederico tomou um banho dos pés à cabeça. A água ali era quentinha apesar do frio. O pai dos garotos não perdeu muito tempo explicando como a eletricidade chegava até ali sem cabos de cobre e outros postes condutores, nem perdeu muito tempo explicando de onde vinha a água. Segundo ele, escavou várias vezes ao redor e não encontrou encanamento algum.
Até a temperatura da água era um grande mistério.
Os três estavam cruzando a clareira agora, de moletons e casacos sobre seus corpos, protegendo-os do ar frio da montanha que ainda ensolarada, era glacial. Aproximando-se do declive da ladeira em curva, Amélia escorregou nos milhares de cascalhos soltos e desceu como se num tobogã até metade do caminho. Ao final da sua rápida descida, o coração estava acelerado, o susto havia lhe arrancado algumas lágrimas súbitas. Tudo ali era tão silencioso, e os dois homens que a ladeavam estavam em um silêncio de sepulcro que a deixava completamente distraída, perdida num mundo de pensamentos. Ela queria muito voltar pra casa, chegar depois da aula e almoçar com a mãe como sempre fazia todos os dias.
Os dois a levantaram, e segurando-a enquanto davam algumas gargalhadas que ecoavam pela floresta que ladeava a estrada de pedra, desceram o resto do declive e caminharam por talvez meia hora em silêncio, com poucos comentários realmente aproveitáveis. Eles estavam separados há dois anos, mas suas realidades e suas intimidades já eram tão distantes que talvez não fosse tão importante assim contar o que acontecerão então depois do desaparecimento do pai. Até porque grande coisa não mudou. A rotina em particular continuou a mesma, apenas a dor da sua falta acentuou-se mais com o passar dos meses.
- A paisagem não muda muito... – foi um dos comentários de Amélia.
- É disso que eu estou falando – disse o pai. – as mesmas árvores, a estranha segue em reta cortando o topo de uma cadeia de montanhas ao meio, e eu já confirmei isso, escalei um pico mais adiante... Mas não avistei a clareira de lá. Só um infinito cinza e verde.
- Onde diabos nós estamos?! – esbravejou Frederico chutando uma pedra com força. Ela rolou uma ribanceira mais adiante.
- Se eu soubesse, já teria saído daqui antes. – disse o pai, parando para tomar um gole de água do cantil.
- Escute... – fez Amélia – ainda acho que estamos mortos. – disse – não vejo insetos, não vejo animais, não sinto o vento, só ar gelado, ar parado e gelado.
- Não fale asneiras, Mia, não fale asneiras! – ruminou Fred.
- Acho que sua irmã tem razão, Frederico, não vejo outra explicação para esse lugar, não vejo. É tudo impossível, inexistente, é como se o tempo estivesse suspenso aqui!
Turbinas. Turbinas num som alto e muito familiar. Um avião vinha por aí.
- OH MEU DEUS! – exclamou o pai em regozijo instantâneo, puxou um sinalizador vermelho da mochila a tiracolo. A aeronave branca, um Airbus, despontou de uma das espaças nuvens acima das cabeças do trio, nuvens tão baixas que poderiam ser tocadas com a ponta do dedo mindinho, de modo que o avião parecia baixo demais, assustador demais, parecia estar caindo. O homem atirou para cima, um jato de luz vermelha cruzou o céu, extinguiu-se logo depois, e então o avião sumiu no horizonte outra vez. O Sr. Mimieux ainda tinha um sorriso esperançoso no rosto, um sorriso que tornou-se amarelado quinze minutos após a aeronave desaparecer.
Os seus filhos pouco ligaram para o incidente. Uma coisa era clara: se os aviões cruzavam aqueles céus, alguém deveria saber da existência daquele lugar. Amélia remexia nos arbustos atrás de morangos e amoras. Frederico, sentado no chão, atirava pedras para longe, ouvindo o eco delas atingir faminto ao seu ouvido.
- Nossa, o que é isso? – Mia resmungou de longe, há uns cinco metros de distâncias dos dois homens desesperançosos e silenciosos que se encaravam com desapontamento e frieza ao mesmo tempo. Um sentado e o outro de pé. O Sr. Mimieux foi o primeiro a olhar para a garota, que tornou a exclamar, agora em alto e bom som – Ei! Venham ver isso aqui!
Frederico levantou-se com a ajuda do pai e correram os dois para o local. Nas mãos de Mia havia uma estranha pedra em forma de mão, uma mão espalmada mostrando um olho, um globo ocular de pedra exatamente no centro.
- O que vocês acham que é isso? – perguntou a garota, passando o objeto ao pai, que o analisou minuciosamente. Era apenas algum tipo de artesanato, uma espécie de relicário, uma antiguidade perdida nas montanhas, remanescente de algum povo antigo que ali habitou antes do local tornar-se vazio e calado. Antes de toda a vida ali silenciar-se por toda a eternidade.
- É um artefato muito raro... A mão com o olho no centro... – o Sr. Mimieux parecia intrigado. Puxou uma lupa de um dos milhares de bolsos da sua mochila vermelha, para analisar melhor ao objeto – é feito de calcário como as pedras da estrada, e também parece ser bem antigo se prestarmos bem atenção no tom esverdeado do relevo... Onde o encontrou?
Amélia apontou para um monte de pedras empilhadas pouco antes da ribanceira. Uma pequena pirâmide construída ali por mãos desconhecidas, uma pirâmide que poderia estar ali há séculos. O Sr. Mimieux se aproximou.
- É perfeita, não há nenhuma falha em sua construção – disse ele. A pequena pirâmide estivera oculta por dois arbustos durante todos estes anos, e agora fora descoberta pela jovem Mia Mimieux, futura antropóloga. – alguém a planejou... Mas porque a construiria justamente aqui, na beira da estrada?
O velho ergueu sua cabeça e olhou em todas as direções. Estrada, montanhas e árvores. Só isso e mais nada. Em meio ao frio úmido. Adentrou nos arvoredos, em busca de algo parecido, nada encontrou ali, a não ser o começo de uma ribanceira que acabava numa vala profunda e coberta por mato, lugar aonde ele não iria se aventurar, sem saber o que ali havia, e muito menos tendo visto tudo o que viu por aquelas bandas.
O velho intrigava-se muito com aquilo, olhava constantemente da mão de pedra para a pirâmide de calcário, e revirava arbustos, quebrava arvoredos ao meio, arrancava trepadeiras de rochas que cresciam, procurando inscrições antigas, indícios de vida inteligente. Nada. Só aquilo. O intrigante Aquilo.
- Dê-me isto – pediu Frederico. A irmã lhe entregou de má vontade. E eis que aconteceu algo inexperado.
- Mas que porra... – a pedra descascou nas mãos do rapaz, e sua casca de cascalho que se desfazia em pó revelava aos poucos um objeto desconhecido e dourado, a mão de pedra estava se tornando uma mão de ouro.

Öldür onu
Öldür onu
Öldür onu
Öldür onu
Öldür onu
Öldür onu!!!

Arpões dourados cortaram o ar, vindos das paredes cinzas de pedra logo após o bosque que ladeava a estrada pelo lado esquerdo. Estavam bem distantes estas paredes, mas os projéteis que de lá vinham pareciam brotar do ar, da natureza, virem do além, o que fez Amélia soltar gritos hediondos de pavor antes de se atirar no matagal de arbustos e arvoredos, rolando para dentro da vala no fundo da ribanceira.




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