Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Octopus (Parte 1)

Os acontecimentos transcritos a seguir foram retirados das informações contidas num gravador recuperado dos arquivos da Biblioteca Nacional Franco-Italiana após o mesmo incêndio criminoso que ocorreu na noite de 29 de Abril de 2010.
O gravador continha uma única fita com a duração de aproximadamente 120 minutos, preenchidos pela voz roufenha do ex-repórter e Antropólogo Christopher Umbrella, o que torna seu conteúdo de imediato parte do dossiê de investigação à vida deste misterioso homem.



Há muita coisa que ocultei nos acontecimentos narrados em meu relato da viagem às remotas selvas da América do Sul, detalhes importantes do nosso regresso ao porto de Nova Iorque que foram omitidos por motivos pessoais e em respeito à minha imagem pós-morte. Ora, nenhum homem de respeito jamais desejaria ser tido como louco após passar desta para uma melhor, isto é mais do que o óbvio. Todos querem a medalha de cidadão são e ciente de seus ditos, de suas palavras. Mas há coisas que ainda preciso contar, mesmo que tenham de ficar escondidas para toda a eternidade numa fita de um gravador qualquer, perdida nos infinitos arquivos da biblioteca nacional deste país que decidi servir há pouco tempo.
O que vocês precisam saber é que nosso retorno não foi tão simples e tranquilo o quanto esperávamos que fosse. Paramos em muitos portos ainda antes de retornar, visitamos arquipélagos, baías, ilhéus e costas de países sulistas distantes e quentes. Estivemos no Brasil, na Argentina, na África e na Índia, aproximadamente um ano em alto-mar, conhecendo pessoas, absorvendo conhecimento, presenciando acontecimentos. Aprendendo. Aos poucos nos tornamos muito mais do que conhecidos, nos tornamos praticamente irmãos.
Acabei tomando a menina que se disfarçara de marujo – “Augusta Montgomery Decomté” como apresentou-se posteriormente – por minha responsabilidade. Comprei-lhe roupas, compartilhei conhecimentos e intimidades, mais tarde descobri que ela não era tão jovem quanto aparentava. Tinha quase a minha idade e a de Pietro, fazendo aniversário em Agosto, vejam só, Augusta em Agosto! Ela era uma garota admirável e cheia de opinião, fazia gracinhas o tempo inteiro e em menos de um mês após o nosso embarque de carona naquele navio mercante, ela já estava íntima do capitão e de seus homens; era a mascote e ao mesmo tempo a líder dos homens, a representante feminina astuciosa da tripulação, sempre dando palpites e opiniões nisso e naquilo. Ela costumava ajudar os homens a descarregar a mercadoria e a lançar o carvão na fornalha do navio à vapor, tinha prazer em ajudar na cozinha – assim como Ray Ann também o fazia – e lavar o convés quando lhe convinha.
Outra peça era Ray Ann: ao anoitecer, passava horas no convés em companhia de seu irmão (ou primo, até hoje nunca soube distinguir o grau parentesco entre esses dois) Don Hills. Ambos na companhia de telescópios potentes adquiridos nos portos pelos quais passamos, observando às constelações do hemisfério sul, catalogando-as em seus caderninhos, rindo alto, bebendo vinho e cantando. Eu costumava me juntar a eles quase toda noite depois que o jantar era servido.
O jantar! Sempre frutos do mar! Quando serviam alguma comida “de terra”, vaca ou frango, frito ou cozido, a festa era grande e a disputa por pedaços, maior ainda! Era difícil disputar comida com aqueles marinheiros parrudos, eles eram realmente violentos quando se tratava da alimentação, comiam como animais, eram tão grandes quanto eu e Pietro – que nunca fomos magros, diga-se de passagem – mas tinham os braços fortes e musculosos capazes de esmagar as nossas cabeças com um simples estalar de dedos. Um peteleco daqueles gigantes e nós estávamos fritos! Mas com aquele pisão no dedão do pé e aquela cotovelada certeira, sempre conseguíamos o nosso comer.
No mais, comíamos peixe, camarão, ostras, lulas e alguns monstros marinhos desconhecidos de carne saborosa. Tive o prazer de acordar pela manhã e dar de cara com um enorme crocodilo de água salgada estendido na mesa da cozinha. Era o nosso almoço e nosso jantar da semana inteira. O pior de tudo era quando o carvão acabava e o fogo não era capaz de alimentar a fornalha para botar o barco em movimento: era hora de içar as velas, todos no convés, ao trabalho! Pietro era de grande serventia nessas horas, ele e Augusta, ambos eram os mais úteis quando se tratava de força nos braços. Pietro tornou-se grande amigo do nosso capitão em poucas semanas, viviam de prosa gargalhando alto e discutindo sobre os mais variados assuntos. O capitão era um homem inteligente de nome Grendel, era alemão e costumava ensinar um pouco sobre o funcionamento e a pilotagem de embarcações à Pietro quando estava de bom humor.
E tinha Fábia... Fábia Paola! Ah! Fábia e seus traços orientais! Fábia e seus enormes seios fartos, deixando os marinheiros loucos. Por mais violento que o mar estivesse, Fábia continuava a nos surpreender com um sorriso de orelha a orelha e doces palavras de acalento e paz, sua gargalhada era contagiante. Distribuía abraços e era muito prestativa, dava palpites em quase tudo na tripulação, talvez o único que não fizesse nada de muito útil durante os meses em que passamos no mar era eu! Sim, eu mesmo! Ficava o dia inteiro de papo pro ar quando alguém não me dava atenção ou não me pedia uma mãozinha. Pegava folhas, penas e tinteiro para escrever e passava horas inteiras no gabinete de negócios, só escrevendo e fuçando os livros, documentos e artefatos guardados naquele pequeno mundinho de luxo e decoração sofisticada comparada ao resto do rude barco.
Assim passamos os longos meses que se seguiram, adaptando-se ao cotidiano de marinheiro, trabalhando, conversando, criando laços de amizade, narrando nossas histórias nas fitas intermináveis de Pietro ou nos gravadores de Don Hills. Em pouco tempo éramos uma grande família, de risos, choros, brigas e abraços.
Ah, e antes que eu me esqueça, tinha a Rose, Rose Nilde ou algo parecido. Aquela que havíamos encontrado na costa do continente perdido, do qual eu não gosto nem de lembrar. Aquela que num dia era cacique e no outro acordou como oferenda à besta alada com asas de morcego e genitália de anatomia alienígena, assim como nós. Agora era um vegetal: sempre no porão da embarcação, só vivia para comer e dormir, não proferia uma única palavra e à noite costumava uivar até que um dos marinheiros (o tio Bob como eu o chamava) irritado com o barulho fosse lá meter o pé na porta e mandá-la calar a boca. Ela gania como um filhote.
Bem, chegou um tempo em que estávamos morenos por causa do sol, havíamos perdido todo o ar da cidade grande e o costume das mordomias. Apesar do fantasma daquela viagem maldita à cidade perdida sempre nos assombrar, éramos sempre muito cheios de vida e disposição, tínhamos uma nova vida agora, havíamos nascido de novo como a tripulação daquele navio mercante, e não os curiosos nova-iorquinos que embarcaram numa aventura rumo às florestas assustadoras da América do Sul.
Tudo estava indo muito bem até que no último porto antes do grande retorno à Nova Iorque, o capitão decidiu de última hora assinar contrato com uma empresa transportadora de índole duvidosa. Eles nos fizeram embarcar gaiolas e caixotes contendo casais de aves exóticas em um porto africano clandestino com destino à Flórida. O dinheiro era compensável e não se podia deixar escapar tal oferta. Por causa disso perdemos uma semana naquele porto aguardando a assinatura de documentos e toda aquela burocracia para embarcar os animais, e tivemos de tomar uma rota diferente para chegarmos mais rápido, pegar uma corrente marítima tida como perigosa, mas que adiantaria nossa viagem em cinco dias.
Os marujos, é claro, estavam perturbados pela ideia de pegar aquela rota, diziam que era morte certa: tempestades constantes, mar bravo e – acredite se quiser – monstros marinhos. Não duvidamos da existência de tais feras aquáticas, afinal de contas, vimos de perto muito mais do que queríamos ver quando visitamos a América do Sul. Então tentamos fazer o capitão declinar da decisão, mas ele manteve-se firme na sua rota e com uma bronca pôs cada um em seu devido lugar. Ele não poderia perder o prazo de entrega da mercadoria que já estava embarcada, ou então sairia num prejuízo tamanho que iria à falência, ainda mais com toda essa nova moda de viajar e transportar em zepelins, o mercado não estava favorável.
Assim, encontramos o rumo de mais uma de nossas estranhas aventuras, para dar de cara com o desconhecido e presenciar coisas estranhas que nenhum outro homem jamais viu. Mas dessa vez, estávamos preparados! Para o que der e vier!


A Aventura só está começando...

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