Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

terça-feira, 14 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Octopus (Parte 3)



(...) Alarme falso.

O “funil” de gelo que encontramos formava uma cratera ao redor de uma espécie de rochedo em formato de meia lua. Escalamos esse rochedo e tivemos uma visão ampla da imensidão de onde estávamos.

Eram duas enormes placas de gelo, divididas por uma espécie de canal, que fora aberto de forma misteriosa por talvez um terremoto, uma tempestade, ou a pressão da água contra a superfície. Nossa embarcação havia entrado pela lateral da placa que caminhava para o norte e chegado a este canal cercado por paredões de gelo dos dois lados. Ao leste não enxergávamos nada além do canal e de gelo cercando-o pelos dois lados, mas a oeste, a oeste a coisa ficava bem mais peculiar.

Na extremidade oeste daquele canal gigantesco (o que primeiramente havia me parecido o mar aberto) víamos uma ilha. Finalmente uma ilha de verdade, e não só um rochedo. Haviam vários outros rochedos pontiagudos sobressalentes acima da crosta branca e gelada das placas gigantescas de iceberg, mas aquilo que despontava no horizonte era bem mais do que isso, era colossal! Uma cadeia de montanhas pontiagudas que parecia estar circundando um vale: algo que estivera fora do alcance das nossas vistas por causa das nuvens que cobriam os picos gelados, nuvens estas que estavam sendo sopradas para longe pelo vento aos poucos, revelando um horizonte reluzente do oeste. O sol brilhava fraco por detrás daquelas montanhas, era a época do ano em que o polo sul tornava-se noite.

Escalamos a borda da “tigela” de gelo e voltamos para o barco. Agora com a ajuda do vento leste, as velas nos içavam para oeste, não gastamos nenhum carvão. Segundo um dos nossos navegadores profissionais, provavelmente haveria falhas no gelo ao redor das montanhas, paredes de gelo de um lado e paredes de pedra de outro. Daríamos a volta naquela ilha montanhosa e sairíamos no mar aberto, navegaríamos ao sabor dos ventos até a Argentina e abasteceríamos a nossa fornalha para seguir viagem rumo ao norte.

Demorou algumas horas para que chegássemos até aquele lugar. Duas ou três, não me recordo, mas jamais me esquecerei da observação feita por Don Hills pouco antes do acontecimento fatídico que mudou o rumo da nossa fuga das águas geladas:

“Você percebe?” ele me perguntou, olhando fixo para o horizonte, para a cordilheira que surgia diante dos nossos olhos.

“Percebo o que?” eu lhe respondi com outra pergunta.

“Veja como os picos parecem formar uma coroa no horizonte, há um vale depois deles... Veja como eles parecem circundar alguma coisa... Nem parece natural!”

“A natureza nos surpreende às vezes, meu caro” coloquei meus óculos de aviador para proteger meus olhos do vento gelado, ele fez o mesmo, e assim ficamos, na proa, nariz apontando para o infinito, cada vez mais próximos da parede de pedra inclinada.

E então aconteceu. Um solavanco me lançou para frente e por pouquíssimo uma verdadeira cambalhota não me jogou nas águas geladas da Antártida! Don e Fábia me puxaram de volta antes que eu caísse, e a correria recomeçou. Após uma análise minuciosa da situação, foi averiguado que a embarcação havia enganchado perfeitamente sobre a ponta de um rochedo oculto pelas águas. Ele entrou com tanta força que furou o casco na lateral, qualquer movimento da embarcação agora nos levaria ao naufrágio, pois a única coisa que impedia a água de entrar no porão era a ponta da rocha que havia entrado como uma farpa.

A rocha teria de ser “serrada” e uma placa de metal teria de ser soldada contra o casco pelo lado de fora, ou seja, alguém teria de mergulhar naquele frio lancinante. O trabalho levaria pelo menos um dia inteiro! Era algo minucioso e cuidadoso que deveria ser feito com calma, teríamos de subir nos botes e desembarcar, para a nossa própria segurança.

Foi o que foi feito. Nosso grupo e mais dois marujos ocuparam um único bote, o resto da tripulação ocupou o outro. O serviço iria começar, teríamos de ser fortes para aguentar aquele frio glacial, nos aquecendo como podíamos enquanto o outro bote consertava o casco do barco. Nas sombras do paredão de pedra tudo era breu, o vento sequer soprava ali, por isso me perguntei o porquê das estranhas ondulações na água. Apontei para aquilo com curiosidade e mostrei ao resto do grupo. Animais marinhos como golfinhos, baleias ou focas estariam nos circundando?

“Tubarões!” Fábia gritou e agarrou Pietro, sua agitação precipitada balançou o barco de tal maneira que os dois marujos que estavam de pé caíram sentados e a gritaria começou. Uns mandando calar a boca enquanto outros rezavam pelas suas vidas e pediam misericórdia, o barco não estava muito longe de nós, havia vinte metros de distância entre o nosso bote e o casco, mais à nossa frente o bote com os dois tripulantes que trabalhavam no rochedo pelo lado de fora continha apenas um deles, o outro havia mergulhado após o sinal segurando a aparelhagem e a placa para soldar a ferida na embarcação, já haviam quebrado a pedra pelo lado de dentro, e a nossa agitação atraiu a atenção daqueles que ainda estavam no convés. Isso fez com que os holofotes nos iluminassem de imediato, e se apagassem logo em seguida. Alguma coisa estava acontecendo no barco.

Os homens que haviam ficado no convés correram para dentro ao ouvirem um estalo. Nós ficamos em estado de alerta. O que aconteceu em seguida foi muito rápido. Ouvimos o grito do homem que estava no bote diante de nós e depois o som de alguma coisa caindo na água, houve outro estalo, mais alto e mais próximo de nós, o bote do conserto havia sido puxado para baixo por alguma coisa, isso eu vi e não pude negar, não sei muito bem o que o puxou para baixo mas vi o momento em que ele se partiu em dois e afundou de bico para cima numa velocidade absurda. E em seguida foi o barco.

Ao som dos nossos gritos, dos quais o que mais se destacava era o agudo de Fábia, o barco foi tragado por algo enorme que saiu da água serpenteando, lançando-se sobre o convés e fazendo força para baixo. Essa agitação na água quase virou o nosso bote, lutamos para manter o equilíbrio. “REMEM! REMEM PARA LONGE!” um dos marujos gritou. Apanhamos o remo e à toda força iniciamos a fuga rumo à costa da ilha logo às nossas costas. Mais duas daquelas coisas compridas saíram da água e se enroscaram no navio ao som dos gritos dos marujos que lá ficaram, eu vi a silhueta de Rose Nilde pouco antes do maior de todos os estalos, o que partiu o barco mercante em três pedaços e o afundou com a mesma velocidade absurda.

Quanto mais próximos da ilha ficávamos, mais eu podia ver aquelas estranhas ondulações na água, corcovas como as dos camelos, serpenteando acima da superfície e afundando como serpentes malignas, eu remava à toda força, a área do naufrágio estava cada vez mais distante, eu vi uma daquelas coisas, as maiores como as que afundaram o barco, serpenteando em nossa direção vinda do rochedo, eu urrei em desespero quando o bote chocou-se contra a praia de pedra e areia.

“PULEM! PULEM PARA FORA DO BOTE! CORRAM PARA LONGE DA ÁGUA!” eu urrava.

Houve tempo apenas para que eu, o último a descer do bote, colocasse meu pé direito no chão. Eu mal havia saído quando milhares daquelas coisas, mais finas e mais ligeiras, ágeis como chicotes, se entrelaçaram na madeira e puxaram o bote para a água. Após isto, a superfície do canal tornou-se calma outra vez, calma e serena como antes, refletindo as constelações do céu da Antártida. A última das coisas a afundar de vez ainda procurava por nós. Um arrepio me subiu do dedão do pé até a nuca. Virei-me para os meus companheiros. Ray Ann estava ajoelhada guinchando “não! De novo não!” enquanto Fábia orava em alto e bom som. Os outros apenas pareciam perdidos e desnorteados.

Atrás de nós, uma montanha, à nossa esquerda um paredão de gelo e á nossa direita uma muralha iceberg. Diante de nós, um largo canal contendo milhares de monstruosas minhocas marinhas, prontas para nos devorar. O pesadelo estava se repetindo, mais uma vez.





Fim da Parte Três!

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