Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

Easteregg - Especial de Aniversário


Era uma vez uma bela rainha, dona de longos e lisos cabelos escuros, negros como a noite. Seu rosto era uma obra de arte em porcelana, e seus lábios, naturalmente vermelhos e macios, doces como uma maçã, de onde só saíam palavras agradáveis e reconfortantes que acalmavam até mesmo o coração do homem mais triste do mundo. Houve um tempo em que a rainha sentiu-se muito solitária e fatigada, com o peso do reino inteiro sobre as suas costas, e precisou se casar.

Em pouco tempo, o casamento foi arranjado com o filho de um duque, dono de terras muito distantes, ele era um homem tão doce quanto a própria rainha, e sua beleza era algo surreal, como se retirada de sonhos calmos e profundos onde anjos flutuam e sereias cantam ao sabor dos ventos e das ondas, ele tinha os olhos azuis como o mar, e o cabelo cacheado era de um castanho queimado pelo sol das praias do reino de onde ele viera. Demorou um pouco para ele se acostumar às terras frias do norte, mas logo que se apaixonou pela rainha, pouco ligou para as baixas temperaturas.

O casamento foi realizado com muita pompa, e a festa durou quase um mês inteiro, compareceram ao
grande evento pessoas dos reinos de todo o mundo: as princesas orientais vieram montadas em elefantes e dragões, os príncipes ocidentais vieram dentro de suas máquinas voadoras e vaporosas, sua chegada foi anunciada com fogos e trombetas. A festa foi relembrada por aqueles que viveram por muitos e muitos anos, e as histórias foram contadas de pai para filho ao longo das eras, e a cada vez que era contada, a história se renovava e se tornava algo grandioso cheio de ouro, incenso e mirra.


O resultado desse mês inteiro de festa foi a gravidez da rainha. A última festa oferecida pela corte foi em homenagem ao novo príncipe (ou princesa) que viria, e após o fim do banquete, os príncipes e princesas que vieram prestigiar o grande evento despediram-se e subiram em suas montarias, partindo para seus reinos distantes.

Foram nove meses de grande silêncio e ansiedade, complementados por um inverno longo e rigoroso, com muita neve e tempestade. Nas raras noites em que o céu estava limpo, as estrelas brilhavam como nunca, porque naquele mundo, o cosmo era muito mais próximo da terra, de modo que os planetas e as estrelas pareciam grandes pedras raras expostas numa grande colcha de veludo negro. E isso ficava mais visível nas noites de inverno.

Quando o primeiro pessegueiro floresceu, e os copos de leite desabrocharam na beira do lago, as dores de parto vieram, e a criança nasceu numa tarde de pouco sol, com a aurora boreal dançando no céu, formando círculos e rios coloridos. As bordas das cortinas que separavam aquele mundo de muitos outros. Os magos e feiticeiros do reino juram de pés juntos que as luzes do norte formaram um coração nos céus do reino naquela tarde, o que na linguagem da magia significava o maior e mais poderoso de todos os bons presságios: a criança que viria àquele mundo era abençoada pelos deuses e pelos três grandes ancestrais: Solaris, o Sol, Yoon, a Lua e Aletho, o Universo.

O pequeno menino que nascera naquela tarde fria e iluminada traria a luz, o amor e a revolução, profetizaram os magos, mudaria o rumo da história do reino para sempre. Eles estavam certíssimos.

O pequeno príncipe foi batizado de Aureliano, em homenagem ao primeiro rei de todos os tempos, ele foi recebido com muitos presentes e muita música. A orquestra de sinos de cristal do reino tocou em sua homenagem a Canção da Aurora, que ecoou de norte à sul naquelas terras geladas, anunciando a chegada do herdeiro do trono. Uma revoada de pombas brancas no pátio do palácio anunciou para a vila que o reizinho havia nascido, e isso trouxe felicidade a toda a gente humilde e de bom coração que ali morava.

Na manhã seguinte ao seu nascimento, todos os jardineiros do reino foram convocados para a construção do maior de todos os presentes: um grande jardim seria erguido para que num futuro próximo, quando Aureliano fosse um pouquinho mais velho, pudesse passear nas tardes de primavera ao sabor da brisa. Flores, arbustos, moitas e frondosas árvores foram trazidas de todos os cantos do mundo, três grandes lagos e duas fontes foram montadas numa grande planície verde logo atrás do palácio. Nas fontes foram colocadas carpas japonesas coloridas, e nos lagos famílias de cisnes vieram da Europa para morar. E por fim, circundando e serpenteando por entre tudo isso, foi erguido um muro de sebe, que formou um enorme e verdejante labirinto, enfim. Era o mais belo e mais colorido labirinto do mundo todo, e após um tempo era comum ver perdizes, coelhos, veados e raposas passeando por entre as árvores e as moitas, um grande parque no meio da planície do reino.

Aureliano cresceu rodeado de uma superatenção, por parte dos seus pais supercuidadosos e dos criados do palácio real que o bajulavam dia e noite, desde seu primeiro dia na terra. Seu quarto era o mais belo de todos: o grande salão de bailes do castelo foi fechado para comportar todos os pertences da criança. Ursos de pelúcia, carrosséis, trenzinhos, castelinhos, casinhas, bonecos de todos os tipos, caixinhas de músicas e artefatos trazidos dos mais longínquos países (e mundos também). O papel de parede era feito de ouro, incrustado de belos rubis em formato de prisma. Miniaturas das máquinas vaporosas ocidentais voavam em seu automatismo entre as réplicas de dragões orientais e as bolhas de sabão cuspidas por uma enorme baleia num canto distante do salão, dentro de uma piscina de bolinhas. Ali naquele ambiente, Aureliano se fez gente.


Com quatro anos de idade, já fazia de tudo, mas pouco conhecia do mundo lá fora. O que sabia vinha de livros e revistas que lia, dos filmes em preto e branco que assistia. Passava grande parte de seu dia admirando as vastas planícies do reino através das colossais janelas-porta do seu salão de brinquedos. Seu quarto, seu mundinho. E imaginem que grande felicidade eram as suas tardes de primavera, onde ele, seu pai e sua mãe faziam passeios diários pelos jardins ocultos pelo labirinto de sebe! Aquilo era mágico! Sempre havia alguma coisa nova a se descobrir e bichos novos para desenhar e escrever a respeito. E o melhor de tudo: sempre havia um doce no final do dia.

No verão, ele ia visitar a família do pai, num país litorâneo onde as praias e as areias do deserto não tinham fim. No outono, ele fazia visitas à vila em sua liteira, e era recebido pelos camponeses com muita festa, e dos passeios sempre trazia curiosos presentes. A rainha e sua família sempre foram conhecidos por sua humildade, mas muito mais pela sua beleza sobrenatural, e Aureliano estava desenvolvendo seu corpinho muito rápido. Em poucos anos era uma miniatura de homenzinho, com a pele na cor dos pêssegos e as bochechas sempre vermelhas. Os olhos eram azuis como os do pai, e os cabelos escuros como os da mãe. Mas as madeixas eram cacheadas como as do pai, e seus lábios eram vermelhos com os da mãe. Que belo menino ele era. Ele tinha muitos primos, apesar de ser filho único, e adorava brincar com eles, suas visitas eram feitas muito raramente, mas recebidas com muita festa.

Houve um tempo que o reino entrou em guerra, e seu pai parava muito pouco em casa. As mesmas princesas orientais que um dia prestigiaram da hospitalidade da família real e comeram da comida daquelas terras agora queriam invadir o reino pelo leste, e isso era inadmissível! As guerras duraram anos e muitas nações se envolveram. Venceu-se a última batalha com a ajuda da última grande invenção do homem ocidental: o gigante de ferro. Uma máquina mortífera que ruge e solta fogo pelas ventas e vapor pelas orelhas. Todos os duques, príncipes e reis voltaram para as suas casas... O pai de Aureliano jamais voltou.

Mais uma vez, a rainha teve de tomar conta do reino sozinha, com muita dor e sofrimento, ela assumiu a administração das terras vastas mais uma vez na solidão, ansiando pelo retorno de seu marido. E quando percebeu-se que ele jamais voltaria, ela rezou para que seu único filho crescesse rápido para assumir sua posição como governante daquele reino tão grande para as costas de uma única mulher. Mas ela foi forte, e resistiu até onde pode, até onde seus cabelos tornaram-se brancos e seus ossos mais fracos.

Num desses invernos rigorosos, próximo ao aniversário do príncipe, a rainha abateu-se sob suspeita de gripe. A coisa era muito mais séria, e no primeiro dia de primavera, ela faleceu.

Aureliano ficou desolado, e isolou-se do mundo por um bom tempo. Parou de visitar os reinos vizinhos e as cidades dos arredores, abandonou as conferências e a vida social. Não havia um por que para sua existência agora. As duas pessoas que ele mais amava no mundo inteiro estavam mortas! Completou 20 anos numa cruel reclusão, e a esta altura, havia abandonado as visitas ao seu jardim também, de modo que aquele lugar tão grande tornou-se selvagem em pouco tempo, porque os jardineiros já não iam mais até lá. Ora, se o príncipe já não mais se interessava em prestigiar o seu primoroso trabalho, porque cuidar daquele lugar enorme para nada?


As árvores haviam crescido completamente desordenadas, e as trepadeiras haviam tomado conta das estátuas e das fontes. Cegonhas que vieram do sul devoraram todas as carpas, e os cisnes voaram para longe há anos atrás quando o rei parou de alimentá-los. Sobraram as raposas, os coelhos e os pássaros nativos da terra, que tomaram conta do lugar e o transformaram numa verdadeira selva. Um jardim completamente selvagem. Por conta própria, os criados fecharam os portões do jardim e obstruíram a entrada com tábuas, e assim ele permaneceu.

Então houve uma briga entre Aureliano e seus tios que faziam parte do conselho do reino: os velhacos cobravam dele uma atitude mais adulta, um pulso mais forte para que ele pudesse então assumir o trono, mas Aureliano não estava interessado em pegar o posto de sua querida mãe, não por enquanto, porque se sentia pouquíssimo preparado para tanta responsabilidade.

Ele fugiu da reunião bufando, soltando fogo pelas ventas, e muito alterado, procurando um lugar onde pudesse fugir de toda a realidade, arrebentou os portões do jardim com o próprio pé. Correu adentro como nunca antes havia corrido na vida, atravessando os corredores do labirinto selvagem de sebe e mato, até perder-se lá dentro, de modo que a certa altura ele já não sabia como voltar, pois há muito tempo não passeava por ali.

E como ele era um príncipe muito corajoso e persistente, procurou a saída por um tempo entre os arbustos e as moitas, mas não encontrou. Cansado, ele sentou-se num dos bancos à beira do lago, e ficou observando as garças e as cegonhas selvagens pescando o alimento. Foi quando algo chamou sua atenção.

Do outro lado do lago, debaixo de um salgueiro, havia uma figura sentada no chão, encostada na árvore, pernas esticadas e cabelos amendoados ao sabor do vento enquanto um livro descansava em seu colo. Sua cabeça pendia de lado sobre o ombro, seria uma cena cômica para qualquer um, mas para o príncipe era de uma beleza incrível. Era maravilhoso o modo como os raios de sol incidiam naquela pessoa em lâminas trespassando os ramos das árvores, presenteando-lhe com uma aura dourada. Era um rapaz, jovem ainda, um fidalgo, talvez da criadagem, ou talvez apenas um morador dos arredores do castelo.

O príncipe hesitou várias vezes, mas resolveu se aproximar, e ao se aproximar, despertou o rapaz de seu sono da tarde. Ele tinha uma barba muito bem feita e os cabelos ondulados, um rosto fino e elegante, olhos de um profundo violeta e um nariz aquilino com uma boca muito bem desenhada, cheirava a lavanda, e aquele cheiro deixava o príncipe desnorteado. O fidalgo cumprimentou o príncipe ainda grogue com nervosismo, e apresentou-se

Então Aureliano conheceu Frederico. Foi amor à primeira vista.

Os dois começaram como bons amigos, o rapaz mostrou-lhe o caminho de volta e explicou-lhe muita coisa. Frederico era um grão-duque distante, filho de um dos membros do conselho, viera como companhia de seu velho pai nesta viagem ao extremo norte e já estava morando no palácio há duas semanas, e Aureliano perguntou-se um milhão de vezes como ainda não o havia visto por ali antes. Frederico explicou-se como um rapaz arredio, preferia fazer suas refeições ou na cozinha com a criadagem ou em seus próprios aposentos, num quarto distante num dos últimos corredores do palácio, o único disponível em uma época do ano tão movimentada para a família real.


A partir dali, a vida recomeçou para o pequeno príncipe. Algo havia começado a arder em sua alma no momento em que ele encontrara Frederico pela primeira vez. Aureliano recuperou enfim o seu brilho no olhar, e seus gestos já perdidos de menino travesso, jovem faceiro e brincalhão. Desde aquela tarde, sempre no mesmo horário, os dois se encontravam no mesmo lugar, à beira do lago oculto pelo jardim secreto, embaixo do grande salgueiro. Juntos, os dois conversavam sobre tudo, riam juntos, cantavam juntos, liam poemas e trechos de livros, desenhavam, pintavam e ouviam às músicas no rádio.

Na companhia de Frederico, Aureliano redescobriu o jardim que havia sido erguido em sua homenagem, o qual ele não visitava havia muito tempo, e juntos exploraram cada pedacinho daquele parque oculto, cheio de segredos. Estátuas, fontes, poços e uma capela antiga onde habitava uma sábia coruja. Graças as aventuras dos dois jovens príncipes, uma ordem de limpeza foi dada para que o jardim fosse restaurado, assim o foi feito. O lugar selvagem teve seu mato aparado e suas árvores podadas, as estátuas limpas e as fontes, restauradas. No final, era o mesmo lugar arejado e pitoresco de antes, tão colorido e animado como era na infância do pequeno príncipe. Assim, tornou-se fácil o encontro diário dos dois à beira do lago embaixo do salgueiro, e agora outros membros da realeza também passeavam por ali à tarde, principalmente crianças. Era um lugar incrível!

Os encontros dos dois duraram três anos inteiros. Três anos de amizade e conhecimento mútuo, eles estavam tão unidos que já eram praticamente quase irmãos e faziam tudo juntos: estudavam as ciências e a magia, jogavam, praticavam esgrima, iam ao cinema e ao teatro, faziam compras com a criadagem e se exercitavam. Não havia uma coisa que um tinha que o outro não possuía igual, eram unha e carne, e muitas mulheres desejavam ambos. Muitas os possuíam também, se é o que querem saber. Em noites fortuitas, acontecia muitas vezes nos corredores do castelo, e em bailes era comum também.

Mas Aureliano tinha certeza de seus sentimentos para com o amigo, e num final de tarde, com as três grandes luas daquele mundo alinhadas no céu no solstício de inverno, ele abriu seu coração a respeito de seus sentimentos.

Frederico recebeu o fato com muita surpresa e um tantinho de excitação e felicidade. No final das contas, ele não sabia como reagir àquilo. Eram comuns naquele reino casais como eles dois, mas muito pouco na realeza. E Aureliano era um príncipe! Príncipes jamais se apaixonam!

Para provar o seu amor, Aureliano fabricou borboletas usando a luz do crepúsculo com seu fraco poder mágico, e quando o sol de pôs, embaixo do salgueiro, os dois lábios finalmente se encontraram, e Frederico então teve certeza do que sentia pelo príncipe daquele reino distante, tão longínquo.

Em uma semana, o grão-duque desposou o príncipe num jantar muito luxuoso, oferecido pela casa a todos os parentes distantes em especial para aquela ocasião. O noivado foi recebido com choque e surpresa pela família real, mas nunca ultraje. Não. Aquilo era comum naquele país, naquele mundo, mas nunca na realeza. Aquela era a primeira vez. A primeira vez em que havia a possibilidade da existência de dois reis;

Dois reis! O conselho precisava se reunir imediatamente!

E foi o que aconteceu. Na manhã seguinte, o conselho do reino se reuniu para discutir a questão, e muita coisa foi colocada em pauta. Era tal a situação que dois membros da corte, dois condes muito poderosos abdicaram de seus cargos quando o resto da assembleia, após muitos estudos e análises, viu que não havia nenhuma lei nem nada escrito que contrariasse, embargasse ou proibisse o casamento entre dois fidalgos na família real. Era possível sim, a existência de dois reis no governo de um único reino, e não havia nada no mundo que pudesse contrariar ou proibir tal situação, embora parecesse um tanto incomum e contraditória. Era incompreensível no momento, mas uma velha senhora que servia café nas reuniões oficiais pronunciou-se após tantos anos de mudez, e disse-lhes:


“O amor não escolhe cor, raça, classe social e muito menos sexo, senhores. Todos aqui possuem uma idade avançada, e acredito eu, tenham vivido o bastante para compreender coisas que nós, meros mortais, não podemos explicar com palavras. Deve pensar-se menos e sentir-se mais.”

E dizendo isso, saiu da assembleia em seu passo lento de tartaruga como sempre. Aquilo tocou o coração dos membros do conselho, e o que aconteceu a seguir trouxe felicidade ao mais novo casal da corte. O casamento dos dois rapazes foi permitido enfim, era possível a existência de dois reis governando um único reino.

O casamento aconteceu algumas semanas depois, e foi uma festança quase tão longa quanto a dos pais de Aureliano. Ao evento vieram pessoas e criaturas de todos os países daquele mundo, e de muitos outros mundos também. Dos céus vieram estranhas máquinas, umas vaporosas, outras não, e dragões e ninfas e harpias vieram para a festança também. Família inteiras de bruxas das florestas tropicais compareceram ao casamento real entre os dois futuros reis, e todas aquelas criaturas estavam presentes ali por um único motivo: o primeiro casamento real oficial entre dois homens. Dois futuros reis.

Durou menos dias do que a primeira festa, mas houve muito mais convidados. Na primeira noite, a união foi consumada à luz do luar, embaixo do salgueiro, longe dos olhos curiosos dos que haviam vindo àquele mundo para prestigiar o derrubar de antigas muralhas. Seus dois corações tornaram-se um só, os vagalumes da beira do lago nunca brilharam tanto, eram uma nuvem de pontos luminosos ao redor. Aves exóticas cantaram ao som do prazer dos dois, e dos corações unidos, naquele momento, surgiu uma força, um desejo. E desse desejo, surgiu uma vida.

Uma pequena garotinha surgiu quando os dois corações se uniram. A ela os dois reis deram o nome de Agnes, e ao final da festa apresentaram aquela que seria a futura rainha daquele reino distante dali há muitos anos.

Em prol da ocasião foi construído pelos ferreiros um trono especial, onde coubessem dois reis, e juntos, os dois governaram com lealdade e justiça. Não houve período de fartura tão grande naquele reino antes quanto no reinado dos dois reis. O Reinado dos Dois Sóis, assim o povo batizou o período de quase 100 anos em que os dois reis governaram juntos. Não houve guerra, não houve peste não houve morte durante um século inteiro! Os magos e feiticeiros haviam acertado em sua previsão, afinal.


A velhice dos dois atingiu então seu ponto extremo, e de mãos dadas, os dois partiram. No momento em que deixaram aquele mundo em direção a um plano superior, a aurora boreal desenhou um coração no céu, exatamente como no dia do nascimento de Aureliano. E quando ela se apagou, duas novas e grandes estrelas surgiram no cosmo. Daquele momento em diante, as duas estrelas sempre surgiam no mesmo ponto no céu, no finalzinho da tarde, exatamente sob o salgueiro.

Após a morte dos Dois Sóis, a Rainha Agnes governou com o mesmo senso de justiça de seus dois pais, e assim fez sua filha, e a filha de sua filha, e a filha da filha de sua filha. Os grandes magos e feiticeiros escreveram muitos livros a respeito daquilo que havia se tornado um grande mito, então. Todos eles chegavam à mesma conclusão.

Quando as luzes do norte desenhassem um coração nos céus gelados, dois sóis brilhariam. Dois reis governariam assentados de um único trono.

Isso é profético, isso é verdadeiro, isso é o amor.

Porque tudo está cheio de amor.


Antonio Fernandes
23 de Abril de 2011