Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

domingo, 28 de março de 2010

Stella



Na calçada, de maquiagem borrada, Stella pôs-se a pensar.


O sol já vinha nascendo atrás dos grandes monumentos de concreto, e os mais ricos iam para casa de limousine, levando hordas de prostitutas e gigolôs no banco de trás. Champagne, vinho e whisky por favor, ela ouviu o garoto dizer. Aquele rapaz deveria ter no mínimo 15 anos e já fazia parte daquilo tudo tanto quanto ela, mas Stella esta noite não tinha um alguém, nem um gigolô nem uma prostituta, Stella estava há quilometros de distância de casa e não havia como voltar. Sua saia estava rasgada logo na parte de trás, a alça da sua blusa já não existia, e sua jaqueta havia ficado em algum dos banheiros de todas as boates e bares que ela visitou naquela madrugada tão curta, mas ao mesmo tempo tão longa. Stella pensou. Stella espantou-se por estar pensando, julgava-se incapaz de pensar naquela situação. Ela teria de dormir na rua, ela sabia, e sabia que seria acordada por policiais que a levariam para uma daquelas celas provisórias de delegacia, e lá ela ficaria até seu avô dar as caras usando o costumeiro chapéu côco que já saiu de moda há séculos.


Stella, o que seria de Stella? Ela retirou a coroa de falsos brilhantes e atirou-a longe, ela atingiu um latão de lixo. Um rato enorme passou correndo ali próximo dela. Mas aquilo pouco importava agora.


Havia câmeras e flashes estalando do outro lado da rua. Alguma celebridade saía acompanhada de uma das boates. Não adianta, ninguém notaria Stella sentada ali.


-Vai um cigarro? - perguntou uma voz desconhecida, vinda de cima. Poderia ser Deus, mas não era, Deus não ofereceria cigarro e muito menos usaria sapatos Raphael Steffens, o que a fez pensar onde ela teria perdido o outro lado do par de Jimmy Choo's que ela usava naquela noite. A bolsa fora de carona no carro de Isabela, como uma bagagem que foi despachada primeiro que o seu proprietário. Isabela estava usando drogas naquela noite e estava descontrolada quando as garotas a carregaram feito uma porca abatida e a atiraram no fundo do carro, usando aqueles óculos Rayban Wayfarer e brincos dourados enormes reluzentes, calças de borracha apertadíssimas. Essas eram as amigas de Stella, e eram as amigas de Isabela também. Batom vermelho sangue, pó e sombra azul. Blush. Penteados exuberantes que naquela altura não representam mais do que um emaranhado de fios que mais parece um ninho.


- Tanto faz - respondeu Stella estendendo a mão. Ela pegou o cigarro e meteu na boca. O cara sentou-se ao seu lado e acendeu o bastão branco. Stella ainda não havia olhado diretamente no rosto dele, e agora virando-se, ela percebeu que ele era p0uca coisa de bonito, mas tinha bastante dinheiro, Dolce & Gabbana gritava isso do botão dourado da sua casaca.


Os dois fumaram juntos até que o sol iluminar toda a rua. Velhas senhoras desciam do seu apartamento para pegar o leite e o jornal, crianças de cara inchada metiam os rostos na janela e cachorros reviravam restos da noite passada, restos de comida e restos de pessoas. Havia uma garota dormindo calmamente num beco, ao lado de um contêiner de lixo.


- Bom, poderia ser pior, eu poderia ser ela - resmungou Stella.


- Tem razão, gata. - respondeu o estranho.


- Tudo bem, eu quero ir pra casa, estou ficando com odores desagradáveis embaixo dessa roupa...


- E onde a gata mora?


- Brooklyn... - gemeu Stella entre uma tossida e um suspiro.


- Tá de sacanagem né? Como veio parar pra cá?


- Amizades.


Fez-se silêncio.


- Agora vai me dizer que não quer mais me levar em casa porque eu moro no Brooklyn? Meu bairro não quer dizer que eu sou pobre sabia?


- Tudo bem, não esquenta, não esquenta, eu te levo onde for...


Stella levantou-se com a ajuda dele. Bom, pelo menos ele tem dinheiro, pensou ela. A limousine dele era branca como a neve, e reluzia mais do que a própria debaixo do sol escaldante do verão. E então Stella pensou e pensou e pensou várias e repetidas vezes enquanto cruzava Nova York tendo doces delírios com lofts lotados e banheiras de hidromassagem. Ele é feio, mas pelo menos tem dinheiro.


Seriam os anjos feios, mas cheios da grana? Pensou Stella.


Então, eu quero morrer agora mesmo.


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