Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

PART 1: PERFECTION





- O que estou tentando apresentar à vocês esta noite não é algo novo, tampouco revolucionário: a tecnologia aplicada ao Projeto M3R0 é a mesma utilizada em outros modelos da série K3 que começou a ser produzida em larga escala há poucos anos e está dentro dos lares dos habitantes de Neon City e do mundo inteiro. A grande diferença entre os modelos anteriores e a minha nova proposta é a Perfeição.


Um burburinho inquietante e incômodo começou. Os congressistas reviravam os olhos, torciam o canto da boca, cochichavam uns nos ouvidos dos outros, olhavam para a única ocupante da bancada com despeito, arrogância, desconfiança e descrença. Deviam achá-la uma presunçosa, mas ela prosseguiu séria e inabalável perante a desaprovação do público, transformando o tom da sua voz e tornando-o cada vez mais grave, a expressão facial mais dura e insistente a cada palavra proferida, gesticulando com uma fúria sutil. Odiava todos aqueles velhos, aqueles cientistas gordos asquerosos e aquelas solteironas desocupadas que nada produziam, apenas criticavam.


- O objetivo dos laboratórios HALKEN sempre foi o mesmo desde que começamos nos porões do Apocalipse Hall: alcançar a perfeição. Trazer para o público o que há de mais avançado, evoluir junto à ESFERA, assimilar o futuro junto dela. O nosso mais novo trabalho encontra-se aqui, dentro deste recipiente.


Ela afastou-se do palanque para não descer ao nível inferior junto a ele, as cortinas vermelhas ao fundo do palco abriram-se, revelando um estranho pilar grosso e oco, de um azul fosco. Dentro dele, uma figura humana flutuava em posição fetal. Quando as luzes amarelas dos holofotes se acenderam e voltaram-se em sua direção, o pilar azul desapareceu, revelando ser apenas uma torre de luz, um escudo anti-gravitacional que fazia o seu habitante flutuar no vazio. A máquina humanóide despertou e esticou-se, pondo seus pés no chão pela primeira vez e abrindo seus enormes olhos cinzentos, seus cabelos prateados reluziam.


- Eis aqui, diante de vocês, o Projeto Experimental M3R0-K3, ou simplesmente Meroke.


O burburinho cessou, dando lugar à expressões de espanto, aprovação e surpresa. Jamais esperavam algo do gênero. Haviam muitos robôs humanóides no mercado, mas nunca um tão expressivo, tão perfeito quanto aquele. Meroke era um rapaz musculoso, de pele alva e perolada, mamilos rosados e ombros largos, vestido num simples traje de banho azul marinho. Um Adônis perdido, quase indagando sua existência, se não fosse algo tão audacioso para um robô.


- Aperfeiçoamos não só a aparência como as funções do protótipo...


Com a ajuda de um controle remoto, a criadora pôs para fora as turbinas traseiras das omoplatas de seu pequeno Apolo, juntamente das armas, lasers, metralhadoras e lança-chamas escondidos embaixo da pele de seus braços e pernas, desde a ponta dos dedos das mãos até embaixo das unhas dos pés.


- Preparamos Meroke para ser o segurança perfeito, o protetor do seu lar.


Entre a plateia, bonecos de espuma preta com alvos na barriga surgiram com sorrisos cínicos, vindos das sombras. Com a ajuda do controle remoto, a Criadora estimulou Meroke a utilizar seus lasers pela primeira vez, explodindo em cheio os cinco bonecos misturados à plateia, sem errar o alvo uma única vez. Um erro poderia ser fatal, a vida de um dos congressistas gordos e enfadonhos estaria acabada para sempre (o que não seria de todo o mal), e isso arrancou gritos estridentes das velhas pesadamente maquiadas nas poltronas da frente. Para surpresa de todos, os bonecos explodiram lançando balas coloridas em todas as direções: eram pinhatas!


- Sem falhas, sem erros, perfeito. Quinze anos inteiros de estudos e aperfeiçoamento de modelos anteriores e projetos de empresas orientais resumidos no futuro da segurança internacional.


Meroke alçou voo, e permaneceu planando poucos metros acima do chão.


- Porém, assim como os modelos anteriores, Meroke também pode ser adotado como um “faz-tudo”, graças ao seu sistema operacional multi-facetado que permite escolher o perfil em que você deseja que ele trabalhe: você pode tê-lo como o carregador da sua loja, como seu amigo das horas vagas ou mesmo como seu amante ou namorado... – a Criadora inclinou a cabeça sugestivamente e ergueu as sobrancelhas com um sorrisinho sapeca. As velhotas e as moças da plateia se animaram um pouco mais.


Um dos senhores congressistas levantou o braço:


- Então quer dizer que o seu “Meroke” – fez ele, em um deboche disfarçado – é nada mais nada menos do que a síntese de tudo o que vocês já produziram ao longo de todos esses anos? Nossa, isso é realmente extraordinário! – finalizou, irônico.


- Sim, Doutor Eufrázio, ele é uma síntese dos outros modelos da série K3, desde a Secretária Eletrônica Io até o Operário Construtor Héracles, todos os perfis funcionais já utilizados pela nossa empresa estão embutidos em Meroke...


Os burburinhos de desaprovação voltaram. Apenas mais um robozinho qualquer!


- Mas deixe-me ir direto ao grande diferencial do aperfeiçoamento da série K3 – ela respirou fundo e estimulou com o controle remoto o retorno de Meroke ao chão. Ele se aproximou com doçura dela e tomou-lhe a mão entre os dedos como quem procura apoio. – Meroke possui um perfil em branco, o que possibilita que ele desenvolva a capacidade de aprender, através da observação comportamental humana.


Um silêncio mortal abateu-se sobre a plateia.


- Mas isto é impossível senhora – o Doutor Eufrázio manifestou-se outra vez – todos sabem que este tipo de tecnologia é detida pela ESFERA e jamais foi cedida a nenhum outro laboratório.


- Ele tem razão – uma das moças sentadas na terceira fileira levantou a voz – se a ESFERA cedeu a você esta tecnologia e lhe ajudou no seu projeto, ela quebrou a regra da igualdade e beneficiou o laboratório da HALKEN por você ser descendente de um dos Apocalípticos Originais!


O burburinho tornou-se uma verdadeira baderna, e a semana de palestras encerrou gerando a primeira das polêmicas que envolveriam os laboratórios da HALKEN dali pra frente...


- Eu fiz alguma coisa de errado, mamãe? – perguntou o menino de mentira à meia luz.


- Você não fez nada de errado meu amor, eu que errei. – disse a voz doce da criadora. Seus cabelos escuros opacos, quase cinzentos, estavam cintilantes à luz do luar que entrava pela grande bolha de vidro que era a janela do alto da torre.


- Você errou? Mas você não fez nada de errado!


- Fiz sim, eu jamais deveria ter levado você até lá, eles jamais entenderiam, de qualquer maneira.


- Você está triste?


- Triste não, preocupada.


- Com o quê?


- Com o que está por vir, meu bem.


- Quando você fica triste, então?


- Quando as pessoas me machucam.


- Tristeza é um sentimento.


- Sim, é um sentimento.


- Eu sinto, mamãe?


- Não, meu amor, você tem simuladores de sentimentos, mas apenas quando o perfil específico está ativado. No momento você está em modo Aprendizado – ela passou a mão pelos cabelos prateados do rapaz.


- Por isso estou fazendo tantas perguntas?


- Sim, por isso mesmo. – ela sorriu, fechando os olhos por um instante.


Meroke calou-se e deitou-se na fria mesa de metal, e foi desligado logo em seguida. A enorme Cvalda surgiu ruidosa da escuridão, suas juntas de metal e suas engrenagens internas produzem ruídos pneumáticos quando ela se move, alertando sua presença próxima. Ela era nada mais nada menos que um corpo de metal pesado e velho, coberto de borracha preta sintética para proteger seu esqueleto. Seu rosto era uma máscara inexpressiva, seus olhos cor de avelã na luz certa refletiam rubros, na cor do infravermelho do seu arcaico sistema de captura de imagens. Era assim que ela via o mundo, vermelho como sangue.


- Senhora, está na hora de partirmos, o sistema de segurança da torre alertou o fechamento de todas as portas programado para daqui há 15 minutos.


- Não se preocupe Cvalda, já estamos de saída.


A monstruosa androide estendeu-lhe o braço, e a Criadora enlaçou-se ali, e as duas deixaram o prédio de braços dados, como uma criança e sua mãe. De longe ninguém jamais imaginaria que a mãe era a menor.




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