Era uma vez um coelhinho chamado Lapin.
Lapin tinha as orelhas muito compridas, tão compridas que se esparramavam pelo chão, era também muito maior do que um coelho normal, de modo que logo na infância seus pais desconfiaram da procedência do pequeno Lapin, acreditando que ele havia sido posto na toca no meio da noite por alguma mamãe lebre desalmada. Mas o tempo foi passando, Lapin foi crescendo e a semelhança com seu pais foi aparecendo, estes o amavam de todo o coração: ele era o filho mais velho, e de todos os coelhinhos que haviam nascido ele era o mais inteligente, nas horas mortas da madrugada e nos finais de tarde fúcsia Lapin costumava contar belas histórias para todos aqueles que se dispunham a ouvir, com a lua crescente sempre reluzindo num céu que não era noite e nem dia, com os filetes de nuvem se desfazendo no azul pastoso, quase sólido de um anoitecer/amanhecer.
Certo dia, Lapin encontrou em seu caminho na floresta uma enorme flor vermelha, e colocou-a na orelha. Aquilo era amor, e o amor o contaminou e o deixou doente, fraco de corpo e de espírito. Como uma nênia, o amor perfurou sua carne e encontrou seu coração, enroscou seus cipós atrás das coestelas e fincou raízes lá, não quis sair de jeito algum!
Todos os dias, perto do pôr do sol e antes do seu nascer, Lapin saía para passear e contar histórias aos outros animais da floresta, e todos elogiavam à bela flor que enfeitava o alto da sua orelha esquerda, e sempre perguntavam-se porque ela nunca murchava. Uns diziam que a flor era colhida por Lapin todos dias antes de sair de casa, de modo que todos os dias uma flor diferente enfeitava sua cabeça, outros diziam que a flor possuía poderes mágicos, os quais ela transferia à Lapin enquanto ele dormia, e este era o motivo de o pequeno coelho das fofas orelhas esparramadas sair de casa somente às horas mortas.
Mal eles sabiam que o riso e a doçura de Lapin escondiam lágrimas dolorosas que não conseguiam atravessar seus grandes olhos negros cintilantes, porque o amor o estava destruindo aos poucos e tirando toda a sua capacidade de sentir, de chorar, de viver. Ele estava se destruindo aos poucos. Algo havia de ser feito por ele, já que seus pais e amigos pareciam nada perceber, totalmente alheios ao que estava acontecendo.
Foi então que num final de tarde, enquanto a lua crescente brilhava no céu e algumas estrelas tímidas despontavam no horizonte, Lapin deitou-se na grama verdinha, pegou um pequeno punha de cristal e abriu seu peito. Encontrou um coração pequeno, que batia rápido e com força, lutando contra os tentáculos insistentes do amor que teimavam em sugar sua energia vital, sua vontade de viver. Lapin estava decidido a mudar de vida, a largar tudo, a desistir de tudo para ser feliz de verdade, então enfiou sua patinha entre as costelas e puxou de lá seu esquizofrênico e enfraquecido coração.
Na mesma hora, o amor murchou. Seus tentáculos recuaram e a flor despetalou-se. Suas pétalas viraram o sangue, que Lapin juntou dentro de copos-de-leite, e em seguida o pequeno coelho usou suas patinhas para cavar uma cova rasa, onde plantou seu pequeno coração e o enterrou fundo na terra. Usando o sangue que fora as pétalas do amor, Lapin regou a semente do seu coração, e assim que a primeira gota atingiu a sementinha, uma enorme árvore de grosso tronco escuro e flores vermelhas como o sangue que havia dado vida à ela despontou do gramado, esticando seus galhos imponentes em todas as direções, alcançando proporções gigantescas, crescendo tão alta, mas tão alta que alcançou o céu em questão de segundos!
Lapin fechou seu peito vazio com delicadeza e usando sua forcinha de coelho: escalou a árvore aos poucos, com muito cuidado para não cair lá de cima, afinal coelhos não sobem em árvores!
Os animaizinhos da floresta observaram àquilo muito assustados, a coruja arregalou seus olhos mais do que o usual, e o veado levantou a cabeça o mais alto que pôde, os pássaros tiveram a ousadia de pousar na árvore de sangue para ver a cena de perto, e as perdizes observaram tudo de trás das moitas. Esquilos, texugos e guaxinins olhavam para o pobre Lapin com desprezo: Coelho Sonhador! Bah! Onde ele pensa que vai chegar com isso?
Quando deram por si, Lapin estava no último galho, bem lá no alto, longe de tudos e todos, a floresta já estava escura e a noite havia banhado tudo com seu grosso manto de escuridão. As estrelas e a lua abençoavam as trevas calmas que haviam caído sobre o bosque, e piscavam para o pequeno Lapin, prestes a dar o maior salto de toda a sua vida.
Usando sua forcinha de coelho pela última vez, Lapin se impulsionou em suas patas traseiras e lançou-se em direção à lua. Ela estava tão próxima que o pulo não durou nadinha: logo ele estava lá, rolando de uma lado para o outro num solo de algodão, se divertindo à beça, longe de todas as suas preocupações, de toda sua tristeza, de todo o seu rancor, longe do pior dos males: o amor.
E Lapin está lá até hoje, correndo a surperfície lunar de uma ponta a outra, sem nunca se cansar. E quando ele se cansa, cava tanto, mas tanto, que abre enormes crateras, as quais ele usa para se sentar e contemplar o planeta terra de longe.
Ele nunca sente saudades.
Bom, quase nunca.
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Antonio Fernandes/Louie Mimieux/Lapin Noir
sim, o desenho fui eu quem fiz
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