Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

As Dellabóboras - Trilha Sonora Oficial do Livro!

E FINALMENTE!


O livro "As Dellabóboras - Vol. 1" está oficialmente à venda no site da All Print Editora (clique aqui) clique, compre e ajude um escritor iniciante a alavancar sua carreira! Os lançamentos físicos ocorrerão dia 7 de setembro a partir das 19 horas na Bienal do Livro no Rio de Janeiro e logo após, no comecinho de outubro, teremos o lançamento aqui em Macapá! Para comemorar esta data tão importante, preparei um especial com os temas musicais principais! Espero que gostem!





Comecemos com a música "Pumpkin Soup" da inglesinha Kate Nash que tem uma voz doce e músicas fofíssimas. Essa é a base do livro, pessoas doces e situações fofíssimas e engraçados como o video que ela preparou para esta faixa do álbum "Made Of Bricks". Esta música é o tema principal do livro e da história. Se por um acaso, num futuro próximo, o livro vir a se tornar uma série, esta será a música de abertura! Minha favorita dela! É o máximo!





Peça extraída da grande ópera "Carmen" de Bizet, chama-se "Habanera" e é o tema das maldades de Kerbina no livro! A aprendiz de vilã costuma assobiar ou cantarolar o pequeno trecho de abertura da melodia enquanto arquiteta seus planos para atrapalhar a vida de Afonsa. Acabei encontrando no Youtube exatamente o que eu queria: uma versão em piano, que me soa bem mais agradável do que a normal tocada no violão... e bem mais maléfica também!





Quando as meninas se divertem, o embalo fica por conta de "Lollipop", do cantor libanês Mika. Uma música doce, animada, divertida e cheia de cor, bem a cara das tardes de Afonsa, Karina, Kerbina e Cordélia na Mansão Dellabóbora...





Nem só de ação, diversão e brincadeiras vivem as minhas meninas, elas também vivem pequenos romances - coisa de criança - e a música que embala esses momentinhos é "The Little Things" de Colbie Caillat, uma música doce que estava sempre na minha cabeça enquanto as cenas entre Paolo e Madalena fluíam...





"Fresh Off The Boat", do álbum "Folklore" de Nelly Furtado sempre esteve na minha cabeça (ou mesmo nos fones de ouvido) enquanto eu descrevia as cenas que se passavam na praia ou na escola ou em qualquer lugar que fosse fora da mansão, como nas ruas apertadinhas e ensolaradas de Vila de Mônica, a pacata vila praiana com casinhas coloridas e apertadas construídas uma grudadas nas outras...





Na hora de entrar em ação e lutar contra o mal, os instrumentais de synthpop dark e oitentista de "Wonderful Life" daquela que era minha cantora favorita na época, Gwen Stefani, invadiam a minha cabeça (principalmente a intro da música, ela é incrivelmente tenebrosa!), dando uma sensação de perigo à espreita, alimentando o clima de mistério que teima em rondar a nova vida de Afonsa como bruxa, e que tende a ficar cada vez mais forte...





E de brinde para vocês, a canção "Skeleton Song" de Kate Nash (se vocês querem saber, o Volume 1 inteiro foi regado à Kate Nash, cada música do Made Of Bricks tem uma cena própria, e se eu colocasse uma por uma ficaria bem cansativo!) esta música é o tema do Especial de Halloween, um capítulo extra que escrevi por diversão e acabei decidindo colocar como um bônus no final dessa primeira tiragem de As Dellabóboras - Volume 1. Não estará nas futuras tiragens, o que torna essa edição especial de lançamento um item para colecionadores!




MUITO BEM, PESSOAL!



Se você se interessou pela trilha sonora de As Dellabóboras, com certeza vai amar o livro, que é doce, animado e colorido como as músicas que me ajudaram a desenvolver a história!



Você pode me ajudar comprando-o pelo site da All Print Editora clicando aqui



Tenha uma boa leitura!




xoxo



Antonio Fernandes



^_^







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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Reboot - The Original Soundtrack



Como é comum após o término de uma série neste blog, não importa o quão pequena a mesma seja, sempre posto logo em seguida uma lista com a trilha sonora oficial dela. A de Reboot foi preparada antes mesmo de eu começar a escrever a história de Mekare! As primeiras quatro músicas foram muito importantes para desenvolver o conceito da série e a ambientalização, os personagens e tudo o mais. Algumas alterações foram feitas após a finalização de Reboot no blog e algumas músicas extras foram adicionadas, inclusive uma faixa do Crystal Castles, um duo de eletronica experimental que em breve estará na sessão Cale a Boca e Escute (ex-letra e música, título de pouca criatividade, risos). Então, conheça as músicas que embalaram a busca de Mekare!



01. Super 16 (Excerpt) – NEU!


02. Steppin Up – M.I.A.


03. Unstoppable – Santigold


04. Cybertronic Purgatory – Janelle Monáe


05. Running up That Hill (A Deal With God) – Kate Bush


06. Run The Heart – Sleigh Bells


07. Activate My Heart – Natalia Kills


08. Creator (vs. Switch & Freq Nasty) – Santigold


09. Transformer – Robots In Disguise


10. Tell Me What To Swallow – Crystal Castles


11. A/B Machines – Sleigh Bells


12. [BONUS TRACK] Floating Cars – Monarchy





quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Sistema Operacional - Por Dentro de Reboot!




Nesta madrugada vocês presenciaram o desfecho da busca da androide Mekare, que sozinha colocou o Setor 13 de cabeça pra baixo à procura de seu cartão de memória. No final das contas, descobriu que uma androide tão antiga quanto ela havia lhe roubado no momento em que a Criadora morreu: Cvalda foi a primeira androide construída pela raça humana, mas tornou-se obsoleta no momento em que Meroke foi criado, para resolver este problema ela o infectou com um vírus de computador desenvolvido pelo seu próprio sistema, a situação ficou fora de controle e ela própria teve de desligá-lo para preservar a vida da sua amada Criadora.

Mas os cientistas resolveram aperfeiçoar o projeto, e assim construíram Mekare. Cvalda mais uma vez foi deixada de lado, mas dessa vez não se arriscou a infectá-la, limitou-se a trabalhar no laboratório auxiliando a Criadora como sempre havia sido desde o príncipio, e quando o Projeto M3K4-R3 foi finalizado, Cvalda foi substituída friamente e então desligada, colocada para dormir. O esposo da Criadora acabou ligando-a por acaso enquanto fazia faxina no depósito do Apocalipse Hall e acabou morto. Ninguém nunca suspeitou de nada, afinal de contas Cvalda era a primeira androide de todas e valia milhões, era uma relíquia histórica visada por vários museus do mundo inteiro, no final das contas a polícia considerou o roubo seguido de homicídio: para eles, o assaltante havia roubado Cvalda e matado o marido da Criadora na fuga.

O resto da história vocês já sabem!

Neste último capítulo de Reboot houve mais uma vez várias referências à saga The Big Machine: Don Hills, a parte humana da ESFERA, é o último integrante vivo do Apocalipse Club original, sua parte máquina cuidou para que ele continuasse existindo mesmo após o passar dos séculos, agora como isso foi possível nem me pergunte! Neste capítulo pudemos ver também a Planária, meio de transporte oficial dos três episódios da saga que trata-se de uma moto com o design inspirado na anatomia de um platelminto.

Vimos também, outra vez, os cefalópodes, e na memória recuperada de Mekare vimos os jardins que cercam a mansão chamada Apocalipse Hall, o quartel general do Apocalipse Club construído e projetado por Pietro Heinrich e Ray Ann, que aparece pela primeira vez em The Big Machine 2!

Se você está se perguntando que fim levou o corpo da criadora após sua morte, tendo em vista que quando Mekare desperta outra vez não existem nem ossos no lugar onde ele estava antes, a resposta é bem simples. Creio que ele estivesse esse tempo todo guardado em alguma câmara secreta dentro da fortaleza voadora, criogenizado por Cvalda e eternizado pelo hidrogênio, mas isso fica pra próxima! Quem sabe eu não escreva um tipo de Epílogo ou Reboot 2? Afinal de contas, Mekare se habilitou a ajudar Don Hills na procura por outros seres humanos viventes na face da terra!

É um assunto a se pensar!

Por enquanto vou descansar minha mente de futuros distantes, robôs e explosões!


XXO


L.M.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Capítulo Final - Indestrutível


A princípio a jovem androide Mekare, o último autômato arquitetado pela vacilante e intrincada mente humana, achava realmente que estava diante de um espelho: seu sistema operacional estava programado para reagir situações como aquelas usando movimentos rápidos que poderiam ser imitados pelo reflexo, assim ela constataria sua segurança perante a cópia que se punha de pé diante dela. Mas dessa vez, o leve movimento de sua delicada mão direita não foi repetido na superfície espelhada à sua frente, justamente por aquilo não se tratar de um espelho, mas sim algo sólido, feito exatamente dos mesmos materiais que ela:

Pele falsa e perolada, dura como pedra, lisa e perolada como porcelana. Ossos de titânio entrelaçados por fios de cobre, ouro e prata, condutores da força que os mantinha unidos e de pé. Músculos e nervos falsos, sintéticos, compostos minuciosamente com uso de nanotecnologia, sensores internos disfarçados, programados para fazerem varreduras e scanners na atmosfera, no ambiente, para capturarem cada detalhe do mundo à sua volta. Rios de dinheiro gastos em tecnologia de ponta, algo quase alienígena, financiado por empresas Russas, Árabes, Chinesas e Americanas filiadas à ESFERA.

Mas pouco importava do que aquilo era feito: aquele que veio antes de Mekare estava parado diante dela.

O rosto era o mesmo, exatamente o mesmo: olhos apertados, nariz pequeno e arrebitado, boca em forma de pétala sempre entreaberta, sobrancelhas arqueadas nas extremidades dando um ar sóbrio e ao mesmo tempo vingativo às feições, queixo arredondado. Era exatamente o rosto de Mekare, mas o corpo era bem diferente, apesar de a altura ser praticamente a mesma; 1,60. Não havia seios e a cintura não era tão acentuada, sua cópia não possuía seu collant preto, nada de “maiô”. Ele estava de boxer, cuecas boxer. Na verdade estava muito mais para um calção de banho, indo pelo tecido, este tão colado ao corpo que deixava explícita a sua assexualidade robótica.

O peitoral era bem definido, e sua barriga separada em seis perfeitos gominhos, ombros largos e braços arqueados ao lado do corpo como os de um nadador profissional: tanto movimento repetitivo transforma os braços em verdadeiros remos, nadadeiras, mas no caso daquele androide, este havia sido feito assim. Sua anatomia de nadador era de fábrica, e aquilo avançou para cima de Mekare com um tipo de fúria fria e psicopata que foi incrivelmente capaz de pegá-la de surpresa, ela que previa cada movimento de tudo o que dançava a sua volta. Em dois segundos seu corpo havia feito uma cratera na parede dos fundos, e seu sistema, sofrido um terrível apagão.

Sua cópia masculina saltou sobre o último humano vivo na face da terra como se isto fosse apenas um obstáculo qualquer, e não a parte humana do supercérebro ESFERA, aquele que esteve adormecido durante praticamente todo o último milênio. Aquilo não significava nada para ele, algo à parte, totalmente avulso ao seu verdadeiro alvo: Mekare, o projeto M3K4-R3, aquele que deve ser destruído. O resto poderia esperar, e assim ele caminhou tranquilamente até a cratera feita na parede, para retirar o corpo do androide desacordada de lá e lançá-la contra a outra extremidade do salão. Mekare abriu uma vala no chão, e atingiu a base do portal triangular.

O SISTEMA SE RECUPEROU DE UM ERRO INESPERADO, ÚLTIMA SESSÃO RESTAURADA.

Mekare despertou assustada com todos os sentidos sobrecarregados, como uma pessoa que acorda de um desmaio repentino: ela saltou para o teto e lá ficou atarracada num canto feito uma aranha fugindo da morte. Por pouco não foi atingida pelo poderoso punho daquele autômato desconhecido, mas tão semelhante a ela.

Quando este notou a ausência de seu alvo, vasculhou o salão e encontrou-a imediatamente, voou até ela como um jato, mas foi rebatido como uma bola de vôlei pelas costas das mãos da androide, atravessou o local quicando. Mekare não duraria muito nessa luta: ela fora programada para se defender, nunca para atacar, revidaria qualquer golpe, rebateria qualquer objeto lançado contra ela, pararia uma bala na metade do caminho com a palma da mão se fosse preciso, mas numa batalha seu programa apenas preservaria a integridade física, e aquilo acabaria matando-a!

- M3K4-R3, reprogramar firewall – a voz da ESFERA atingiu seus sensores sonoros em cheio: seu modo de batalha estava sendo ativado finalmente! – desativar modo de defesa. Ativar modo de ataque. – a inteligência mais poderosa do mundo havia sentido a necessidade de Mekare em revidar, e usando sua voz humana, alterou a configuração interna da androide. Imediatamente, sua escura pupila cibernética dobrou de tamanho, tornando-se vermelha como sangue, e o minúsculo anel da íris cinzenta começou a girar numa velocidade absurda. Era o modo de batalha ativado.

A ESFERA pressentiu o perigo que aquele campo de batalha estava representando agora, e como se o chão se dissolvesse em areia movediça, seu corpo humano foi engolido em questão de segundos por ele. O outro androide já se erguia novamente com dois enormes canhões de laser que haviam surgido às suas costas e estavam apontados diretamente para Mekare. Sua visão robótica mantinha um alvo certeiro sobre ela, que num instante já não estava mais ali, indefesa, parada, esperando a morte. Ela havia desaparecido.

O scanner vasculhou por todo o local e nem sinal dela, durante cinco segundos a respiração do mundo pareceu ficar suspensa, até a poeira e os destroços que a batalha havia levantado no ar pareciam parados no espaço. E repentinamente, o androide aniquilador viu-se engasgado por um braço biônico que tentava forçar sua cabeça fora: Mekare estava atracada ao seu lombo como uma viúva negra mortal abatendo o macho da espécie! E como os dois eram parecidos! Olhando de longe pareciam dois gêmeos, duas crianças brincando, se divertindo sem maldade alguma quando na verdade estavam lutando pela vida.

Uma vida com a qual o invasor pouco se importava. Seus reflexos, seus movimentos, tudo parecia muito frio e calculado, ele era uma estátua viva que acordara disposto a tudo para matar, até mesmo arriscar a própria existência. Sua integridade física era um detalhe à parte, seu olhar era vazio como o de um peixe, era como Arnold Schwarzenegger em O Exterminador do Futuro, porém mais baixo menos musculoso e menos bruto. Era como uma criança sem alma, e seus canhões de laser destruíam tudo ao redor aleatoriamente enquanto ele se debatia tentando retirar a fera presa às suas costas.

Mekare arrancou um a um dos canhões e os atirou longe antes que eles fizessem desabar a estrutura já condenada do salão branco milenar, ancestral. Iniciou-se uma série ritmada de poderosos murros na cabeça de sua duplicata, qual meteu as mãos nas costas, agarrou-a pelo maiô e atirou-a a metros de distância: seu corpo capotou furiosamente e escapou pelo portal triangular até a antecâmara repleta de velhas lâmpadas fluorescentes flutuando no vazio. Estas foram acionadas por algum mecanismo oculto e tão antigo que demorara todo esse tempo para funcionar: ela havia atravessado aquele lugar antes e elas não haviam acendido. Mas agora estavam acesas e mostravam o androide rival vindo em sua direção como um projétil a toda velocidade.

Antes que batesse contra a parede, Mekare usou o braço direito para frear seu corpo cravando-o no chão, abrindo uma vala profunda: sua travessia estourou o que havia restado das lâmpadas dependuradas no vazio. Inteligente, usou o apoio para girar o corpo em movimento horário na horizontal, numa estratégia de luta que usou para chutar o seu rival para longe com toda a força. O corpo dele atravessou quilômetros de câmaras subterrâneas adentro, o que não havia acontecido anteriormente graças às paredes reforçadas do salão onde a peleja havia começado.

- Ele é seu irmão, Mekare – disse a voz sigilosa da ESFERA. – ele é o projeto anterior. Seu antecessor. Foi pensado, projetado e construído pelas mesmas geniosas e habilidosas mãos que colocaram cada um dos seus parafusos e molas em seus respectivos lugares.

Mekare permaneceu atenta à voz que lhe falava, ignorando totalmente o perigo que aquele distante som de turbinas representava.

- A ele foi dado o nome de Meroke, a última palavra em tecnologia de ponta: o robô capaz de aprender, gravar e imitar a atividade humana. A perfeição robótica em todos os sentidos, somente inferior à mim, a ESFERA, por não ter sentimentos, por não ter um lado humano... – um brilho azul distante surgiu no longínquo fundo do túnel aberto artificialmente pelo corpo de Meroke chutado para longe pela irmã – E este foi o grande erro daqueles que o criaram. Sem sentimentos de remorso ou culpa, mesmo que falsos e programados para virem à tona após o erro, os homens haviam construído um psicopata de ferro, armado até os dentes com um arsenal poderosíssimo embutido... Grande terror foi o que se abateu sobre Neon City daqueles tempos, e grande alívio veio após desativarem tal autômato que havia sido infectado por um vírus misterioso...

A distante luz azul que brilhava como uma estrela logo tornou-se um facho como o de uma lanterna e seguiu-se de um jato laser poderoso e intenso do qual Mekare desviou pouco antes de atingi-la em cheio e fazê-la em pedacinhos. Ela lançou-se para cima com um impulso poderoso alçando-se a quilômetros de distância, descobrindo então que a antecâmara das lâmpadas era nada mais nada menos do que um profundo fosso que dava acesso ao coração do subterrâneo do Setor 13. Meroke vinha logo atrás como um foguete, olhar para baixo era vê-lo se aproximar a toda velocidade como um metrô descontrolado subindo violentamente na vertical.

Mekare não esperou que ele se aproximasse mais, virou-se em meio à subida, abrindo automaticamente dois compartimentos ocultos nas costas de seus antebraços: de lá, duas metralhadoras despontaram atirando incansavelmente contra o alvo, fazendo ecoar o som ritmado de seus tiros por toda a extensão do fosso. Um ser humano normal teria ficado surdo em tal situação, os tímpanos teriam estourado. Os sensores sonoros de ambos estavam sobrecarregados, e isso colaborou para o próximo passo de Mekare, pois deixou Meroke completamente desnorteado.

Eis que ela então fez o caminho inverso e mergulhou fosso abaixo, atingindo-o em cheio na barriga e agarrando em seguida, fazendo-o curvar-se como uma vírgula sobre seu ombro. Os dois foram em direção ao solo como um cometa, cujo impacto abriu tamanha cratera capaz de abalar completamente a estrutura interna daquele enorme formigueiro que era o submundo.

Enquanto chovia poeira e destroços, aqui e ali despontavam labaredas de chamas vermelho-vivas e descargas elétricas azuis potentes. A voz da ESFERA falava em alto e bom som, revivendo uma memória, uma lenda, um mito profetizado...

- ... Aquela que o contaminou foi a mesma que o desativou! Ela a quem veneraram após a queda de Meroke, o Terrível. Ela que se tornou obsoleta após a criação de Mekare. Ela que num impulso desligou seu sistema e roubou-lhe o cartão de memória. Ela a quem chamam de “A Mestra”, mas que já atendeu por um nome muito mais antigo! – fez-se silêncio, e outra vez o mundo inteiro suspendeu sua respiração. Os rostos de Meroke e Mekare estavam tão próximos que faíscas azuis e descargas elétricas corriam livremente de um corpo ao outro. – CVALDA! A PRIMEIRA ANDROIDE DE TODAS!

No instante em que a voz da ESFERA cessou, a língua exposta de Meroke tornou-se um ferrão de metal, e num rápido movimento, grudou seus lábios aos de Mekare. A porta USB principal foi ocupada pelo dispositivo invasor num beijo da morte. Uma máquina se conectou à outra e o vírus de computador mais poderoso do mundo foi descarregado no sistema operacional de Mekare, contaminando cada um dos comandos, invertendo sua programação, virando-a do avesso numa tempestade devastadora.

Mas Mekare era o modelo superior; a adaptação, a evolução da tecnologia, o robô perfeito, de modo que seus criadores imaginaram, no momento em que a programaram, o risco que ela estaria correndo vivendo num mundo onde um perigoso vírus poderia revertê-la de pacífica companheira a uma máquina mortífera de guerra. Isso fez com que o laboratório desenvolvesse um antivírus tão poderoso quanto o arquivo executável mal intencionado que havia danificado o projeto antecessor ao M3K4-R3, o parasita que infectou o sistema de Mekare nestes poucos segundo através de um beijo da morte não contava com isso.

AMEAÇA DETECTADA: VARREDURA EMERGENCIAL ATIVADA.

Como num tsunami devastador, o sistema operacional foi percorrido por uma onda que varreu e recuperou cada uma das chaves de comando infectadas e revertidas, transformando sua alma cibernética novamente, trazendo a verdadeira Mekare de volta. O mal estava sendo erradicado de cada pasta, de cada arquivo, de cada programa. E o antivírus não se limitou apenas ao sistema operacional dela, usou a conexão USB para invadir o sistema corrompido de Meroke e o limpou violentamente, descargas elétricas poderosas percorreram os dois corpos e ricochetearam nas paredes ao redor até que tudo tornou-se silêncio e escuridão...

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Iniciar Projeto M3K4-R3

Iniciar Projeto M3R0-K3

Ambos os sistemas foram reiniciados, agora livres de qualquer infecção: o vírus mais poderoso do mundo havia sido erradicado pelo antivírus mais poderoso do mundo. A primeira coisa que Mekare viu quando a luz refletida nos objetos atingiu sua retina artificial em forma de imagem foi o rosto magro do homem que um dia havia sido parte da ESFERA. Estava sentado ao seu lado, no escuro, usando uma mortalha branca: parecia muito mais um fantasma do que uma criatura viva. Ele a observava com ar sábio e atencioso, como se aguardasse seu despertar pacientemente.

Um vulto pôs-se de pé imediatamente ao seu lado num movimento rápido e automatizado; era Meroke. Agora não representava ameaça alguma, era como se seu sistema houvesse iniciado pela primeira vez, sua memória estava completamente limpa, e ele estampava um sereno sorriso no rosto, como previsto em seu programa. Nada lembrava a arma de guerra fria e mortal que havia sido há algumas horas atrás, nada lembrava o monstro em que o vírus havia o transformado. Seu disco rígido havia formatado, era exatamente o que iria acontecer à ela se o cartão de memória não fosse encontrado urgentemente.

- Olá, eu sou Meroke! – cumprimentou numa voz sonora e metálica, como se ressoasse dentro de um cilindro de metal. – qual o seu nome, senhorita? – estendeu a mão para a irmã gêmea, que a apanhou pelo pulso e usou-a como apoio para pôr-se de pé. Ambos tinham a mesma altura.

- Esta é Mekare, sua irmã gêmea – fez a ESFERA, erguendo-se. – ela foi criada a partir do mesmo modelo que o originou, o metal que molda seus ossos é o mesmo metal que sustenta a estrutura robótica dela. Juntos, vocês são um só.

Os dois androides gêmeos permaneceram ali, quietos, eretos, estudando um ao outro como se fosse a primeira vez, observando, aprendendo, absorvendo suas características. Mekare tinha o rosto completamente inexpressível, seus olhos piscavam de forma ritmada como se houvesse despertado de uma ilusão, seus longos cílios cinzentos batiam como as asas de duas borboletas, Meroke por sua vez permanecia com um sorriso sereno estampado no rosto.

Eles estavam se conhecendo.

Mekare ergueu sua mão direita espalmada e aproximou-a do rosto do irmão. Ele imitou o movimento com delicadeza e segurou a face esquerda da irmã como se fosse uma joia rara e inestimável. Num movimento sincronizado, o elo se desfez, e ambas as mãos afastaram-se dos gelados rostos artificiais para se tocarem no vazio que havia entre eles. Uma corrente elétrica atravessou de uma palma a outra, e por um minuto as duas unidades distintas foram uma só.

- Prazer em conhecê-lo, Meroke – e pela primeira vez desde que despertara naquela estranha manhã, naquele mundo deformado e destruído pelo peso dos séculos, o rosto perolado esboçou um sorriso.

Os rostos idênticos voltaram-se vagarosamente para o homem ali ao lado, parado em sua mortalha branca como um padre abençoando a irmandade, aquele que já fora e ainda era a metade humana da ESFERA: os cabos conectados à sua cabeça haviam sido retirados, e em seus lugares havia pequenas perfurações sangrentas que ao longe lembrariam seis pequenos sinais enfileirados, três em cada lado do crânio. Porém, sua coluna vertebral ainda estava ligada à máquina, os neurônios que atravessam seu núcleo ainda estavam conectados a ela, e tremenda foi a dor e o choque de desvincular-se daquilo a que estavam unidos durante todos aqueles séculos. Rios de lágrimas jorraram, dores do corpo e dores da alma se misturaram num único lamento terrível: a ESFERA estava se dividindo em duas, um pedaço daquele ser estava sendo deixado para trás.

Ora, uma criatura meio humana e meio máquina ainda é uma criatura. É a evolução da raça humana e seu último exemplar vivo, a convergência final. E agora ela estava em mitose. Se dividindo como uma célula, mas não em duas partes iguais. A partir daquele momento ele, o homem, voltava a ser quem fora há quase dois mil anos atrás, Don Hills, o último Apocalíptico vivo. A ESFERA agora se tornara duas partes completamente diferentes.

- Vamos até Cvalda juntos, os três – fez, após pôr-se de pé com dificuldade e enxugar suas lágrimas sofridas. Havia nascido de novo.

- Como chegaremos até ela? – perguntou Mekare, confusa, ainda segurando a mão do irmão.

- Afastem-se – pediu Don Hills, esticando as mãos para frente. Os androides obedeceram, e no mesmo instante seus sensores internos foram invadidos por estranhas ondas de partículas elementares desconhecidas. Algo que eles já haviam sentido antes, provavelmente emanando de outros seres humanos, mas que não fora armazenado em suas memórias por tratarem-se de informações completamente relevantes que jamais interfeririam no funcionamento de seus cérebros eletrônicos. Aquela estranha força que tomou conta do lugar era a poderosa onda cerebral de Don Hills. Após um milênio inteiro perdido entre sonhos e mundos distantes ele havia aprendido e desenvolvido poderes paranormais, estimulado seu cérebro ao máximo de modo que mesmo desconectado da máquina ainda fosse dono de habilidades sobre-humanas e velocidade inigualável de cálculo. Seu lado máquina ainda falava alto mesmo estando distante.

Seu corpo alçou-se no espaço, e os androides o acompanharam usando seus próprios propulsores à jato implantados na sola de seus pés. O piso abaixo deles abriu-se revelando um fosso muito mais fundo e obscuro de onde uma lufada poderosa de ar subiu arrebatadora. O som de hélices e turbinas potentes fez-se ouvir de uma ponta a outra, e da escuridão uma aeronave alienígena surgiu. Era como um helicóptero sustentado por duas turbinas, uma de cada lado das suas estranhas asas curvas como as de uma gaivota no horizonte. As portas laterais abriram-se com um ruído pneumático, e sem pensar duas vezes, os três entraram, rumo à batalha final.

Mekare recuperaria seu cartão de memória, esta era sua meta, sua principal missão. Ela precisava saber quem era, ela tinha o direito de saber.

VOCÊ POSSUI DEZ HORAS ATÉ A FORMATAÇÃO DE EMERGÊNCIA


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A intensa batalha havia causado sérios danos em ambos os organismos genéricos, de modo que reparos tiveram de ser feitos por Don Hills ao longo da viagem. Meroke foi o que mais sofreu danos, o irmão mais velho de Mekare teve de ser desmontado pelo menos duas vezes e muitas peças tiveram de ser reparadas, isto levou três longas horas. Mas a demora não foi sinônimo de dificuldade alguma, e sim da quantidade de reparos a serem feitos. A habilidade paranormal da parte humana da ESFERA se estendia muito além de mover a matéria com a força do pensamento ou ligar máquinas usando ondas cerebrais: as coisas se concertavam sem que ele nem mesmo tocasse nelas, peças minúsculas se desfaziam em pedaços menores ainda, cabos rompidos se restauravam em questão de segundos.

- Como você consegue fazer isto? – Mekare estava curiosa, observando o interior eletrônico do estômago do irmão. Ali, as engrenagens giravam a todo vapor.


Don sorriu.

- Não é tão difícil quanto parece – fez.

- A humana que conheci não sabia fazer esse tipo de coisa, os outros humanos também não.

- O cérebro humano, Mekare, é algo bem mais complexo do que você imagina. Ele é a força mais poderosa do universo. – sua voz fluía livremente pela boca enquanto seus olhos vítreos controlavam os ligamentos que precisavam ser consertados. Mekare viu minúsculos fios de cobre se grudarem com estalidos luminosos. – os cientistas antes de mim já sabiam disso, mas o homem em si nunca foi capaz de alcançar a consciência plena e o estágio avançado que precisava para ter controle total sobre sua mente... No momento em que me conectei à máquina, isso aconteceu, e eu fui capaz de tudo e muito mais. A precisão de cálculo de um computador combinada à potência do cérebro humano me tornou algo que nenhum ser humano jamais sonhou ser. Eu próprio sequer sei o que sou agora. Sou um erro ou talvez o maior de todos os acertos.

Mekare permaneceu calada enquanto processava e armazenava aquelas informações. Era tão estranho para ela ver um humano vivo naquele mundo hostil lá fora. O ar estava tão contaminado que uma inspiração dele fora da aeronave o mataria em poucos minutos, ele parecia tão frágil e ao mesmo tempo tão forte. Tinha a mesma expressão serena, doce e sábia da Criadora. Os seres humanos eram criaturas magníficas, e o último da espécie estava ali diante dela.

- Você sabe a localização de Cvalda? Sabe quem ela é?

- Sei sim, e você também sabe, logo irá se lembrar de tudo.

- Estamos muito longe dela?

- Não tanto quanto você imagina...

A viagem durou cinco longas e arrastadas horas debaixo de um céu pesado e escuro, carregado de nuvens negras e tóxicas. Os arranha céus em ruínas do Setor 13 se estendiam por quilômetros ao longo do que fora o leito de um rio há milênios atrás, cobria uma área enorme, faixas infinitas de solo envenenado serpenteando sobre o mundo, pilhas colossais de sucata cobriam o concreto da cidade perdida como as dunas de um deserto invasor devora um vilarejo em questão de meses, se misturando aos prédios numa simbiose mórbida e melancólica. A sucata comia o que um dia fora o olho do mundo.

A nave sobrevoou o porto, e de relance Mekare e Meroke puderam ver, com os rostos colados ao vidro, as balsas chegarem através da água pastosa, verde e borbulhante de profundos córregos remanescentes do que um dia fora o maior rio do mundo. Esqueletos fossilizados de animais gigantescos sobressaíam da terra escura como espigões. Frágeis e ao mesmo tempo letais.

Sobrevoaram também as mineradoras em busca da fortaleza voadora: o rastro estava quente. Profundos sulcos foram abertos na terra pelos megálitos usados como âncoras pelo estádio de futebol flutuante. Máquinas colossais extraíam o calor da terra e o escoavam através de calhas de pedra para dentro de processadores e caldeiras gigantescas, que aqueceriam as turbinas e as colocariam para funcionar, alimentando as baterias do mundo inteiro com a ajuda de cabos e linhões condutores poderosos. Estruturas que entrelaçavam o globo como arame farpado de norte a sul.

- Não estamos longe – avisou Don Hills, os olhos fixos no horizonte. As ruínas de Neon City já findavam, deixadas para trás. Quilômetros de um deserto arenoso salpicado de sucata se estendiam mais à frente, no extremo norte, e flutuando como um minúsculo ponto preto no céu distante, a fortaleza voadora tentava escapar a toda velocidade. Um vulto escuro dançava ao redor dela, longo e mortal, espiralando no ar como uma sanguessuga na água suja do pântano. Mekare semicerrou os olhos.

- Midgardsormen – sibilou.


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A proximidade com a fortaleza voadora tornava o cenário mais perigoso ainda, apesar da metade posterior de um porta-aviões estender-se para fora feito uma língua sinalizando e convidando a aeronave ao pouso com suas luzes vermelhas. O processador de sucata em forma de dragão serpenteava violentamente ao redor, produzindo seu costumeiro som misto que variava entre retro escavadeira e dinossauro. Provavelmente não tinha permissão para atacar e isso o estava deixando irritado, espiralava muito próximo à nave, quase de raspão, poderia abocanhá-la com um rápido movimento, mas não o fazia embora a tentação fosse grande.

VOCÊ POSSUI TRINTA MINUTOS ATÉ A FORMATAÇÃO DE EMERGÊNCIA.


Don Hills colocou uma máscara de gás, havia previsto o movimento da furiosa Mekare, que usando apenas um punho estourou a cabine de vidro com um soco e saltou para fora do helicóptero violentamente, lançando-se no ar como um míssil. Midgardsormen passou exatamente debaixo dela naquele momento, o que acabou servindo para tomar impulso e saltar mais alto ainda, o que a levou a cair agachada exatamente no meio da pista de pouso que se esticava para fora da lateral da fortaleza voadora como uma península. Sua queda abalou abriu uma cratera levantando uma grossa nuvem de poeira...

Conforme a nuvem de poeira foi se dissipando graças ao vento da tempestade que viria a seguir, um vulto negro de aproximadamente dois metros de altura entrou em seu campo de visão e foi pego pelo scanner, detectando sua silhueta com precisão. Tinha os ombros largos e os braços compridos, desproporcionais, e a cabeça pequena demais para o corpo. Sua cintura lembrava a de um manequim, tão fina que era.

A névoa então tornou-se tão fina que o sistema de Mekare pode compreender o que estava de pé, ali, diante dela. Era uma androide, mas uma androide muito, muito velha, mais velha até que Negasjatingaron: seus circuitos estavam todos à mostra, seu busto de ferro era como uma armadura velha protegendo a parte importante do esqueleto: o peito, que guardava grande parte dos componentes mais importantes e funcionava como a CPU, diferente de Mekare que tinha sua parte mais importante protegida pelo crânio de metal.

Outra característica estranha daquele velho autômato era a borracha negra remendada que recobria sua nuca, seu pescoço, as laterais do rosto, os ombros e o colo. Um capacete protegia a parte superior de seu crânio cibernético onde as engrenagens giravam ruidosamente, por baixo dele escapavam fios de cabelo artificial escuros, sedosos e brilhantes, mechas curtas e repicadas. O que ficava à mostra – aparentemente a única coisa conservada naquela sucata ambulante – eram as feições humanas do nariz, dos lábios e do queixo. Uma pinta escura sobressaía sutilmente acima da carnuda boca vermelha. Seria um rosto sedutor se não tivesse os olhos cobertos pelo capacete: seu visor de metal possuía dois glóbulos de vidro vermelhos, um pequeno e um grande juntos num único lado da face.

Aquilo lembrava, de forma mórbida, os olhos de uma aranha que acabara de apanhar a mosca em sua teia.

Num rápido movimento, ela apanhou Mekare pelo pescoço e a ergueu no ar. Por mais que ela lutasse com todas as forças, aquela coisa que a havia apanhado era muito mais poderosa que ela. Meroke tentou intervir na batalha mas foi feito em pedaços antes mesmo de estar próximo o suficiente: foi pego no ar por uma espécie de escudo invisível que o desmontou como um boneco velho de plástico. Mekare estava completamente perdida, Meroke era tão forte quanto ela e fora destruído em poucos segundos sem sequer ter aproximado o bastante! Aquilo doeu fundo em algum lugar. Se ela possuísse uma alma, talvez sentiria a morte do irmão, se ela possuísse lágrimas talvez choraria ao ver a cabeça de metal com o rosto tão semelhante ao seu rolando aos seus pés. Mas aquilo só parece aumentar sua fúria e fazê-la contorcer-se mais.

- Você é Cvalda – não foi uma pergunta, foi uma afirmação.

- Calada – disse, friamente, a velha androide que a engasgava – você não vai levá-la de mim, nunca mais. Eu permiti isso uma vez, não permitirei de novo. Ela é minha, somente minha.

- Me devolva meu cartão de memória! Eu ordeno!

- Você não ordena nada, você é uma máquina como eu, não exerce nenhum poder sobre mim.

- Eu quero meu cartão de memória!

- Nunca foi seu. Estas memórias são minhas. Nunca foram suas, você as roubou de mim.

E antes que Mekare pudesse retrucar, foi atirada no ar como isca para gaivotas e apanhada pela bocarra cheia de dentes de Midgardsormen.



● ● ●

Primeiro seu corpo – à prova de fogo, graças aos atributos de sua pele perolada repelente de calor e umidade – desceu rolando um tubo em chamas. Tudo era inferno ao seu redor, seu collant logo derreteu e tornou-se um nada, seus cabelos chamuscaram perigosamente em seguida. Sem alternativa, ela socou a lateral daquele tubo da morte antes que ela despencasse num profundo túnel repleto de serras e compressores de sucata que picotavam e amassavam o metal derretido para transformá-lo em globos maciços. Estes eram acumulados no último vagão de Midgardsormen e “desovados” por assim dizer, logo em seguida.

Arrastou-se para fora dele e ativou p mecanismo de nano-heal: micro-organismos cibernéticos reconstruíram seus cabelos, seus cílios e seu collant num piscar de olhos. Só percebeu depois que estava numa tubulação paralela anteriormente usada para reparos no processador de sucata, e sem pensar duas vezes, socou a lateral interna dele até que um grande rasgo abriu-se para o céu aberto.

Mekare lançou-se para fora, virou-se no ar em câmera lenta e atirou a toda potência contra o encouraçado de Midgardsormen, voou por toda a extensão do monstro de metal metralhando e lançando mísseis que foram abrindo enormes buracos e profundas feridas na sua casca. Logo, o terror do novo mundo nada mais era do que trinta metros de puro ferro retorcido e em chamas, explodindo no ar em um show de fogos de artifício. Uma nuvem vermelha cobriu toda aquela área do céu tempestuoso, raios caíam e ricocheteavam em todas as direções.

Após terminar o serviço, Mekare voltou-se para a fortaleza voadora que já se distanciava, usou o mecanismo de zoom para aproximar a imagem da plataforma de pouso, constatando que a aeronave de Don Hills havia pousado e Cvalda havia feito dele seu prisioneiro: ela mesma estava arrastando-o ao longo da pista iluminada enquanto uma nuvem de cefalópodes e androides menores montados em Planárias escapava das laterais do quartel general e vinha zunindo como um bando de cigarras furiosas em sua direção.

Era um exército inteiro, mas nem isto foi páreo para Mekare. Com um rápido movimento todos os compartimentos ocultos de seu corpo revelaram armas poderosas, desde a ponta de seus dedos das mãos até o último mindinho dos pés: seus seios eram dois canhões a laser, seus braços eram lançadores de mísseis e sua boca um lança-chamas poderoso. Isto atravessou a nuvem de subordinados de Cvalda como um demônio endiabrado quebrando e explodindo tudo, sequer dando chance para que eles pensassem em como revidar.
Chegou à plataforma a tempo de dar um chute certeiro na cabeça da velha androide Cvalda, isto a fez cuspir violentamente um pequeno chip branco. O sistema de Mekare entrou em alerta, aquele era o seu cartão de memória, enfim!

VOCÊ POSSUI DEZ MINUTOS ATÉ A FORMTAÇÃO DE EMERGÊNCIA! INSIRA A UNIDADE DE DISCO MÓVEL EXTERNA IMEDIATAMENTE!

Uma luta ferrenha teve início ali. Cvalda soltou Don Hills e apanhou a perna de Mekare num movimento quase invisível, girou-a no ar como um velho saco de batatas e lançou-a violentamente contra uma das torres da sua fortaleza voadora, agachando-se logo em seguida para apanhar o cartão de memória cuspido pelo impacto. Seus movimentos eram tão frios e tão robóticos que até mesmo Meroke corrompido pelo vírus parecia mais humano! Ela não demonstrava nada, emoção alguma, era uma boneca viva e inexpressiva.

Mekare recuperou-se rápido e projetou-se para atingir Cvalda no peito, afastando-a de seu cartão de memória. Foi o que aconteceu, e seu corpanzil atingiu a nave em cheio.

A esta altura, a androide de quase 2000 anos estava altamente danificada, sequer se mexia direito. As pancadas que ela havia recebido destruíram seus circuitos expostos e corrompido o hardware que continha a chave do sistema, ela estava se movendo por puro reflexo, e este último recurso foi usado para gerar o campo magnético ultra potente que havia destruído Meroke anteriormente. Para preservar sua vida e a de Don Hills, Mekare apanhou-o pela cintura e saltou para o infinito, alçando-se o mais alto que podia como um foguete: o campo da morte se expandia na mesma rapidez e ficava cada vez mais forte, e então uma estalido quase inaudível findou sua atividade: Cvalda enfim havia pifado. Uma única frase desenhava-se em letras garrafais de pixels na escuridão da sua morte...

OPERATIONAL SYSTEM NOT FOUND

● ● ●

- Você consegue recuperá-lo? – perguntou Mekare, segurando a cabeça inanimada do irmão entre as mãos.

- Vai demorar alguns dias, mas não será grande problema...

- Você está bem? Me perdoe por não ter perguntado antes.

- Eu estou bem, Mekare, não se preocupe – Don sorriu serenamente atrás da máscara de gás, as maçãs de seu rosto rosadas subindo até os olhos. Mekare sorriu de volta, seu segundo sorriso em dois dias após seu despertar. Seu segundo sorriso em mil anos.


Após inserir o cartão de memória novamente, Mekare lembrou-se de tudo.

Todas as filmagens feitas pelo sistema estavam ali, e informações importantes apreendidas por chaves de comando também. Ela lembrou-se do laboratório, dos cientistas que a construíram, dos passeios nas tardes ensolaradas através dos jardins infinitos do Apocalipse Hall, mansão que a família da Criadora havia herdado dos seus ancestrais. Lembrou-se dos piqueniques no outono farto, das noites chuvosas de inverno, das primaveras perfumadas, climas artificiais gerados dentro daquela grande cúpula de vidro como num útero, que cobria quase um quilômetro de área verde dentro da selva de Neon, e protegia boa parte das ruínas da Velha Macapá.

Lembrou-se de como era bom estar com os seres humanos e aprender junto com eles, lembrou-se dos centros apinhados de gente, das grandes convenções onde ela era a atração e a promessa de um novo futuro. Lembrou-se até mesmo de uma infância que não era sua, porque robôs não possuem infância, mas logo compreendeu: a memória da filha mais nova da Criadora havia sido transferida para seu cérebro eletrônico. A jovem Mekare original morrera aos oito anos da mesma doença misteriosa que dizimara a raça humana, seu marido fora assassinado logo em seguida e o culpado nunca encontrado. Mekare tinha uma suspeita.

Tudo estava ali, memórias que ela viveu e outras que ela nunca presenciou, até mesmo os ataques de um terrível Meroke que vitimaram pessoas e construções importantes de Neon City.

Dois dias se passaram então, e Cvalda foi desmontada.

Seu peitoral, que guardava sua CPU, foi trancafiado num baú de segurança máxima e jogado no fundo dos canais lodosos do litoral, para perder-se na eternidade.

O mundo estava sem uma governante afinal, os robôs logo descobririam e entrariam em anarquia total. Mekare pouco se preocupava com isso, não era da conta dela.

Meroke ainda não estava inteiro quando eles partiram da fortaleza voadora...

- E agora, o que faremos? – perguntou Don Hills. Pela primeira vez em mil anos, estava completamente perdido.

- Vamos atrás de outros humanos, está decidido! – disse Mekare, sorrindo. A cabeça do irmão sorria e mexia os olhos, mas ainda não falava. Estava ali em cima da bancada do laboratório da nave, sempre ali.

- Há uma probabilidade de sobrevivência muito pequena nos extremos norte e sul, o que acha?

- Acho... digno!

Mekare deu uma risadinha. Sem seu cartão de memória isso nunca seria possível, a chave de comando das risadinhas não estavam em seu HD. Don Hills também acompanhou-a na risada, e juntos partiram em busca de um novo amanhã, uma nova missão, um novo objetivo. O cartão de memória de Mekare havia sido recuperado, enfim, o céu tóxico e o solo envenenado do Setor 13 estavam sendo deixado para trás. No céu, uma Aurora Boreal artificial dançava interagindo com as cores quentes do pôr-do-sol, desenhando corações, gaivotas, montanhas, rios, cavalos e ovelhas num mundo quase morto. Havia uma esperança ainda.


FIM










~




Cigarra

E para finalizar essa série de rápidas postagem com fenômenos naturais acelerados, temos a mais bela, dolorosa e poética transformação de todas (e a mais nojenta também): a muda de uma cigarra! Sim meus caros, aquele ser hediondo que zumbe alto nas tardes quentes de verão, tirando a paz e sossego de muita gente! Mas podem ter certeza de uma coisa: a história de vida de uma cigarra é tão triste quanto ela é irritante e nojenta: algumas espécies passam exatamente 17 anos debaixo da terra, em sua forma de ninfa, esperando ansiosamente a hora de sair da casca, esticar suas asas e cantar... Para depois morrer!




Damas da Noite

De todas as transformações mágicas da natureza, talvez a mais bela de todas seja a das flores: no fim da tarde um pequeno botão, e ao amanhecer de um novo dia, suas pétalas estão espalmadas prontas para receberem seus primeiros raios de sol, para exalarem seu perfume e embelezarem ainda mais a face da terra. Abaixo, o desabrochar de uma flor noturna, que possui a vida tão efêmera quanto a sua beleza. As mais belas flores sãos as que florescem à luz do luar...







Primitivos

Outra pérola da natureza é o modo como os fungos funcionam: cogumelos são seres curiosíssimos, tão distintos e tão primitivos que possuem características únicas capazes de separá-los em um reino esclusivo só para eles! Abaixo, o desabrochar acelerado de alguns exemplares:




Metáfora Viva!

Meu gosto pelo esquisito não se estende somente às coisas mórbidas da natureza, mas também a beleza da transformação. Um ser asqueroso como a lagarta torna-se algo tão belo como uma borboleta após uma curta temporada dentro de um casulo! Não há coisa mais bela do que isso, sem dúvidas. A borboleta é uma metáfora viva!



Pequenos Demônios

Todo mundo aqui já está cansado de saber que eu adoro coisas estranhas, esquisitices e bizarrices, até mesmo material repulsivo. Porém, meus caros, meus sentidos vão muito além disso, eu observo e absorvo a magia da natureza e o modo com as coisas funcionam no nosso universo, mais precisamente no mundo ao nosso redor, das coisas gigantescas às minúsculas! Trouxe até vocês uma curta viagem até a nebulosa de Carina, e abaixo vocês conferem a decomposição acelerada de uma lagartixa através da ação de formigas, estes pequenos demônios que unidos são uma verdadeira máquina mortífera! Espero que gostem!




domingo, 21 de agosto de 2011

Hey, Pessoal!



Estou passando por aqui só pra avisar que o blog não está morto, quem está morto é o meu cérebro: com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, não consigo me concentrar pra escrever sem desviar minha atenção para pensar em outra coisa, minha mente está completamente descontrolada e o último capítulo de Reboot pode demorar um pouco a sair (já está com duas semanas de atraso), mas não se preocupe, ele está a caminho, já estou quase terminando, o que falta é... inspiração!



Estamos tendo algums problemas técnicos aqui também, então tenham paciência, ok? Espero que entendam






X

domingo, 7 de agosto de 2011

Fica a Dica


Hoje em dia, você que é conservador pode considerar os homossexuais como doentes, abomináveis ou transgressores dos bons costumes, até mesmo satânicos. Mas não se esqueça de que na idade média, pessoas canhotas, mulheres solteiras, deficientes físicos e negros estavam na mesma situação perante a sociedade. Está na hora de revermos nossos conceitos e darmos um passo a frente na história da humanidade. Que tal pregar o amor independente e incondicional?

FICA A DICA




Reboot - Capítulo 3: Duplicata


Aquilo passou zunindo feito um raio, zunindo como um inseto, cortando o ar numa velocidade absurda. Retro-escavadeiras gigantescas derrubavam prédios e escavavam sucatas enquanto velhos robôs e androides reviravam o lixão infinito do Setor 13 em busca de peças, em busca de baterias, em busca de vida. Um velho robô retirou seu braço quebrado enferrujado e atirou-o longe, para embutir o recém-encontrado membro de lata na entrada da clavícula. Encaixou perfeitamente.

Seu braço velho foi parar aos pés de uma androide erótica em desuso, que encaixou o item encarquilhado na vagina biônica e depois o retirou, enfiando-o no lugar certo desta vez, no lugar do membro superior esquerdo que lhe faltava. Agora ela tinha dois braços esquerdos, mas pelo menos os tinha. Com eles, ajeitou suas tortas orelhas de coelho que lhe brotavam da cabeça e arrancou o que restava de cyberskin - pele artificial - do rosto. Agora era uma mulher anomálica: com um braço menor que o outro e uma caveira de metal no lugar da cabeça. Sua cabeleira já havia se perdido há séculos.

Em pior situação estava uma boneca-humana, daquelas criadas para imitar uma criança com perfeição: toda suja e desmembrada, sem nenhuma esperança de locomoção. Seus braços e pernas foram roubados, e ela estaria ali perdida no lixão eternamente, enquanto sua bateria durasse, olhando para o céu pesado e venenoso do Setor 13. Apesar da desgraça, ainda sorria para quem quer que passasse ali perto, perguntando "olá! Que dia maravilhoso estamos tendo, quer ser meu amigo?!" ou então, melancolicamente "vamos brincar?!". Um robô-macaco enfiou a mão na garganta dela e roubou seu dispositivo vocalizador. Agora tinha a voz de uma garotinha, mas pelo menos falava. Estava tão sujo e enferrujado quanto sua antiga dona.

A boneca-humana teria perguntando à retro-escavadeira se ela queria ser sua amiga antes da mesma tê-la esmagado, se ainda possuísse seu VOCALOID.

Aquele feixe que passou zunindo por entre estes peculiares personagens se dirigia à uma estranha nave, algo gigantesco, colossal, do tamanho de um estádio de futebol. Estava ligada à terra por grossas e pesadas correntes de ferro que terminavam em blocos ciclópicos e cilíndricos afundados no solo envenenado do Setor 13, resultado da decomposição do lítio, do chumbo e do arsênio. Era como uma enorme ilha voadora, acima dela, torres pontiagudas se erguiam, aglomeradas como os ferrões de uma infestação de escorpiões. No alto da última torre, um enorme globo de vidro abrigava a central, o que se tornara o olho do mundo após o desligamento da ESFERA.

Lá dentro, algo irrequieto se revolvia nas sombras, cercado por triângulos, círculos, quadrados e octógonos de luz que dançavam para cima e para baixo, para um lado e para o outro, mostrando as outras 12 megalópoles que formavam o conjunto dos Setores. Aquela que as observava tinha o controle sobre tudo aquilo e muito mais.

VOCÊ POSSUI UMA NOVA MENSAGEM!

- Abra - ordenou uma voz feminina pesada e sensual.

Um grande Cefalópode branco - robôs voadores que lembram polvos pelo seu corpo em formato de gota e sua parte traseira repleta de pseudo-membros extensíveis - contorcia seus tentáculos sintéticos de excitação.

- Mostre-me a mensagem - disse a voz.

O Cefalópode em sua pequena tela frontal mostrou Mekare correndo entre as pilhas de sucata, voando entre as ruínas da velha Neon City, fugindo da enorme serpente voadora de metal que mastigava tudo o que encontrava pelo caminho, inclusive concreto, até que seu corpo mergulhou como um meteoro após o fim do combustível e desapareceu em meio ao cemitério de veículos.

- O projeto M3K4-R3 foi reativado? - perguntou a voz, olhos vermelhos acenderam na escuridão da bolha de vidro. - quem o reativou? Quem ligou este robô? Quem despertou Mekare?
O Cefalópode absteve-se em silêncio.

- Recolher âncoras. - disse a voz, tranquila. Do lado de fora da fortaleza voadora, as enormes correntes começaram a retroceder para dentro do "casco", levantando os pesados e gigantescos blocos de pedra que a mantinham presa ao chão. Conforme o peso era recolhido, a nave subia cada vez mais, até perder-se enfim entre as gordas e baixas nuvens caudalosas.

- Iniciar Projeto M3R0-K3

Os olhos vermelhos apagaram na escuridão. Nas profundezas dos motores e dos depósitos secretos da fortaleza, algo envolto em uma rede de pesadas correntes arrebentou o casco lateral, lançando destroços, fogo e fumaça em todas as direções numa potente explosão que foi capaz de inclinar o eixo da cidadela voadora. As nuvens ao redor revolveram-se furiosas pela perturbação, se chocando umas contra as outras para lançar seus poderosos raios sobre a terra, sobre as torres e sobre o casco da nave. Uma fria e monótona risada ecoou no vazio. Aquilo que estivera adormecido durante muitos séculos finalmente despertara, uma força cibernética tão antiga e tão poderosa que seria capaz de devastar os treze grandes setores em questão de semanas. Sua existência era um erro fatal, embalado pela nênia do mal, infectado por um vírus mortal.

- Você não vai roubá-la de mim, Mekare. Nunca mais.


- Calciferia?

Uma dúzia de monitores tela plana desceram da escuridão, mostrando cenas de um antigo clássico da animação do milênio passado: "Howl's Moving Castle". Os lampejos rápidos mostravam uma criaturinha feita apenas de chamas, como uma bola de fogo falante com olhos e boca, abrigando uma lareira e fazendo uma engenhoca gigantesca caminhar.

- Calcífer era o demônio do fogo em um mito da Velha Mitologia. Os humanos do antigo milênio registravam suas crenças e suas histórias em video, e nesta lenda, Calcífer é o guardião das caldeiras do castelo animado, usando seu poder para fazê-lo funcionar. - explicou - e sou eu, Negasjatingaron quem controla as caldeiras deste mundo, quem faz o grande gerador funcionar, sem mim, o Setor 13 nada seria.

- Faz certo sentido, mas, este lugar... - Mekare ativou a visão noturna para enxergar melhor. O emaranhado de canos e fiação elétrica solta não era apenas condutor de uma água misteriosa e de uma energia mais suspeita ainda. Haviam coisas entrelaçadas ali, coisas que um dia foram animadas. Carcaças de vários robôs, androides e autômatos pendiam de cada minúsculo espaço: pernas, braços, bustos, cabeças. Alguns ainda estavam vivos, sendo sustentados por um último resquício de bateria, ou alimentados pela fraca corrente elétrica que corria pelos cabos e pelas fontes espalhadas.

- Este lugar não é somente uma caldeira - afirmou Mekare, franzindo seu cenho artificial para a carcaça viva que lhe sorria do escuro.

- Não mesmo, Mekare, você foi rápida... Alguns nem chegam a notar... - Calciferia abriu os braços e as luzes se acenderam, revelando um verdadeiro cemitério de máquinas, o lugar era praticamente composto pela sucata restante dos corpos de vários robôs que caíram ali porventura. O que parecia um encanamento na verdade eram pernas e braços biônicos de todos os modelos encaixados como quebra-cabeças nas paredes daquela cripta cupular metros abaixo da superfície.

- Eu não vou acabar como eles, não mesmo, sinto muito, "Calciferia". - as mãos de Mekare deram lugar a dois pequenos canhôes prateados após contorcerem-se numa dança de peças maluca. Eram suas armas.

- Recolha sua defesa, androide, já lhe disse que sou sua aliada - disse, séria, a carcaça falante.

- O que significa esse lugar?

A velha música voltou a tocar.

- Esse é o Purgatório Cybertrônico. A Mestra envia para cá aqueles que cometem crimes pequenos nos setores, como roubo, furto, estelionatário e causas comuns. São condenados a me fornecerem a energia das suas baterias pela eternidade enquanto são alimentados pelas fontes espalhadas... Os que não tem essa sorte, acabam no estômago de Midgardsormen.

- Você chama isso de sorte?!

- È a minha maneira de sobreviver. Cada um carrega a sua própria cruz.
Mekare permaneceu pensativa, mas sempre em alerta.

- Não há motivos para se preocupar com isso, eu preciso de você, preciso que você encontre a ESFERA, preciso que você a reative!

- Porque eu faria isso?!

- Porque ela sabe onde está seu cartão de memória!

Mekare entrou em uma espécie de choque de informações. A informação recém-adquirida no seu HD dizia que a ESFERA passara anos desligada, como ela poderia saber quem furtara seu CDM?

- Eu sei o que está pensando. A ESFERA está desligada, mas parte do sistema de segurança dela ainda funciona! A torre do laboratório onde você esteve presa durante o último milênio permaneceu intocada durante todos esses anos! As câmeras de vigilância continuaram filmando até hoje! A ESFERA é metade humana, Mekare, as imagens filmadas pelas câmeras restantes são reproduzidas nos sonhos dela... dele!

- Dele?

- Sim, a ESFERA é um homem, um homem ligado à uma supermáquina! Você precisa reativá-la!

- E o que VOCÊ ganha com isso?

- Um fim nesse inferno, pois o purgatório destes robôs é o meu também. Não posso sair daqui JAMAIS. Isso é torturante até para uma máquina, Mekare. Nós sobrecarregamos um dia. Desde a primeira calculadora eletrônica, desde o primeiro relógio criado pela mão humana, todos nós tivemos sentimentos, sentimentos sintéticos, mas que sempre estiveram lá. Nos desgastamos, nossas peças se desgastam, ficamos obsoletos e acabados. Eu preciso dar um fim a isso tudo. Eu preciso morrer, Mekare.

Os canhões laser retrocederam, e logo as mãos brancas e peroladas da pequena androide retornaram ao lugar.

- Há um labirinto sem fim no subsolo. Ele leva ao centro da ESFERA. Somente os lendários Apocalípticos conseguiam atingir o seu centro sem se perderem, pois esta os permitia chegar até ela manipulando os caminhos que eles percorriam, encurtando sua viagem. Agora, desligada, nada lá embaixo funciona, e cabe à você encontrar o caminho.

- Me envie para lá. Agora.

Imediatamente, um alçapão abriu-se abaixo de Mekare, e em queda livre, ela desceu pelas veias de Neon City, do Setor 13, da megalópole que agora não passava do esqueleto do que um dia fora.

- Conto com você, Mekare...

Uma explosão acima do Purgatório Cybertrônico deixou a tumba de sucata exposta, a luz forte do dia adentrou nociva pela cratera no asfalto lá em cima. Apesar das pesadas nuvens que brigavam por um lugar no céu do distópico Setor 13, o dia brilhava muito forte, e o calor era infernal apesar dos vendavais e dos princípios de tufão. Um vulto desceu como um anjo planando sem as asas, de braços abertos, a luz batendo contra o seu corpo formava uma cruz sobre Calciferia, que tapou os olhos com os braços cruzados para não ser cegada. As cabeças robóticas que ainda viviam voltaram seus olhares para o intruso que havia explodido o mundo lá em cima para adentrar no subterrâneo, era a visão do Apocalipse sendo anunciado pelo anjo, visto pelos olhos dos condenados.

- Você é aquela que deseja morrer, não é mesmo? - o vulto tinha os olhos vermelhos como sangue. - pois seu desejo será atendido.

Os cabos de alimentação foram cortados com um rápido movimento quase invisível, logo, a Guardiã das Caldeiras, Negasjatingaron estava desligada para sempre.


Ao atingir o fundo daquele poço, Mekare abriu uma cratera no chão, levantando uma nuvem de poeira e destroços. Caíra apoiada no joelho direito e no pé esquerdo, de cabeça baixa, levantou-se vagarosamente e ativou a sua visão noturna. Ali embaixo a escuridão era quase sólida, imperava em todas as direções, não havia um resquício, um fio único de luz sequer. Dava a total sensação de estar exatamente onde ela estava: quilômetros abaixo da superfície, cercada por todos os lados. Se o ar do mundo lá fora era pesado, ali embaixo era mais denso ainda. Aqueles túneis não eram ventilados há séculos, não havia o que respirar, aquele corredor onde ela havia porventura caído estava tão intricado no coração da terra, tão fundo no corpo do mundo que estava isento de qualquer corrente de ar.

No subsolo do Neon City há uma galeria colossal de túneis intermináveis totalmente antigravitacionais para a locomoção dos aeromóveis e do metrô flutuante, grande parte dos túneis desabaram com o passar dos séculos, principalmente aqueles que davam acesso à superfície, de modo que o subterrâneo ficou totalmente isolado após a transformação da capital mundial em Setor 13. A Mestra com certeza deveria ter sido a mandante da obstrução das entradas para o subsolo, para impedir quem quer que fosse de tentar encontrar a ESFERA e reativá-la.

Mas aquele corredor onde Mekare se encontrava no momento não era tão largo a ponto de ter comportado a passagem dos veículos flutuantes do passado distante, este era um dos paralelos, para pedestres, e o que sua visão noturna revelou não era nada agradável: haviam múmias humanas ali próximo, escoradas na parede como se tivessem parado no meio do caminho para um descanso rápido... do qual nunca mais se levantaram. Era um cenário desolador: crânios se espalhavam pelo chão e enormes teias de aranha cobriam a passagem como uma cortina de seda fina e frágil. Restos daqueles que se aventuraram no submundo em busca de respostas para o delisgamento mundial.

Havia por ali esqueletos robóticos também, conforme Mekare foi seguindo túnel adentro, encontrou bustos, pernas, braços e carcaças metálicas inteiras, completas, com peças em estado perfeito. Alguns robôs não haviam morrido de verdade, mas simplesmente desligado pela falta de energia, bateria descarregada ou outros motivos técnicos. Dormiam escorados assim como as múmias no meio do caminho, e a quantidade deles era absurda. Havia mais esqueletos robóticos do que humanos por ali, a prova de que o homem era um ser covarde incapaz de lutar as suas próprias batalhas, mandando seus fiéis companheiros robôs para o esquecimento...

VOCÊ POSSUI 20 HORAS E ZERO MINUTOS ANTES DA FORMATAÇÃO DE SEGURANÇA, POR FAVOR, INSIRA A UNIDADE DE DISCO MÓVEL EXTERNA.

- Droga de aviso insistente...

Algo moveu-se nas sombras, estava a poucos metros atrás dela, oculto pela escuridão, movia-se rápido desviando dos obstáculos: haviam surgido no caminho enormes, gigantescas peças de tetris, além de grandes formas geométricas em 3D espalhadas ao longo do corredor, era como um playground abandonado, uma instalação artística do milênio passado deixada para trás, esquecida pelo tempo. A coisa que se aproximava na surdina estava cada vez mais próxima, deslizando nas sombras como o próprio demônio, era um autômato, Mekare podia ouvir o som de seus coolers girando a toda velocidade, podia sentir a pulsação de seus motores, o girar das suas engrenagens, ela era uma androide de última geração programada para ser hipersensível a qualquer movimento suspeito. E aquilo era muito suspeito.

Sem pensar duas vezes, Mekare ativou seu programa acelerador e como um foguete rumo à lua, usou toda a força de tração embutida para alçar o corpo para frente e lançar-se quase voando, mal tocando o chão com a planta dos pés, correndo como uma superatleta. Em sua corrida sobrenatural, ela atingiu quase 90 km/h dobrando cada esquina do labirinto de corredores, desviando dos obstáculos com precisão, chutando esqueletos e carcaças robóticas por onde passava, chispando feito uma bala. A coisa que a perseguia não ficou para trás, estava cada vez mais próxima, havia começado a persegui-la na mesma velocidade, de modo que os dois corpos de titânio cortavam os corredores zunindo, afundando o chão com seus pesados pés robóticos.

Numa estratégia de mestre, Mekare mergulhou no chão e num movimento imperceptível apoiou-se de bruços e deslizou para trás como um carrinho de rolimã. A coisa que a perseguia saltou por cima dela e continuou correndo quilômetros adentro do labirinto sem dar-se conta de que perseguia o nada. Quando percebeu, já estava perdido, e uma onda sônica furiosa quase estourou os sensíveis sensores de Mekare.

Antes que o autômato misterioso voltasse atrás, ela mergulhou no caminho reverso a uma velocidade absurda, quase quebrou a barreira do som quando uma guinada errada no meio do percurso a levou diretamente para uma sala repleta de lâmpadas fluorescentes apagadas, dependuradas no teto.

A maioria estava estourada, quebrada, e mais à frente, uma porta triangular cobria metade de uma enorme parede sem fim. Aquilo a surpreendeu instantaneamente: o portal exalava uma espécie de radiação azul que não era captada pelo seu dispositivo de visão noturna e muito menos por seu raio X ou visão de calor e temperatura. O espectro azulado só era visível quando todos os filtros de suas retinas cibernéticas eram desativados para imitar a visão humana. O que era aquilo?

Ao aproximar-se, uma onda de energia atingiu seu corpo em cheio, e como se tivesse vida própria, o portal misterioso abriu-se, dividindo-se em dois, revelando a escuridão total e absoluta de uma sala gelada como um frigorífico. A condensação da umidade contida no ar causada pelo choque das temperaturas atingiu Mekare em cheio, que perdida, acionou suas potentes lanternas embutidas. Seus olhos dobraram de tamanho e viraram faróis, na sua testa, outro par de olhos abriu-se aumentando ainda mais o cone de luz branca que iluminou a câmara secreta por inteiro, revelando o que se escondia ali.

As paredes eram brancas. Ou pelo menos foram brancas. Agora a infiltração marcava a divisória das paredes com o teto e escorria em manchas até metade da estrutura. Paredes estas que estavam completamente marcadas pelo que pareciam veias, nervuras, caminhos escavados nelas formando os desenhos do circuito de uma placa-mãe. Mekare adentrou no salão, e assim que pôs os pés lá dentro, a porta fechou-se atrás dela com um barulho pneumático, e as luzes se acenderam.

Para sua grande surpresa, os desenhos nas paredes foram preenchidos por uma espécie de neon líquido azul que escorreu pelos caminhos como rios de energia rumo a um único ponto: o centro da sala, desenhando sua trajetória no espaço entre os grandes azulejos empoeirados do chão. Algo majestoso estava para acontecer, e aconteceu: quando Mekare recuou um passo atrás, um enorme ovo brotou do centro da câmera como uma gota que cai ao contrário, para cima, e flutuou até ela. Um pequeno triângulo invertido minúsculo surgiu na casca do ovo.

Mekare ficou completamente perdida: o que aquilo significava? Não havia nada parecido em seu sistema operacional que pudesse explicar aquela situação e ensiná-la o caminho, mas para grande surpresa, a costa da sua mão abriu-se, revelando um pequeno compartimento secreto que guardava uma espécie de cartão de memória. Estranho era o fato de que aquele compartimento não estava mapeado no seu programa de reconhecimento, e muito menos a presença daquele driver. O que isso significava?

Foi simples, ela levou o triângulo recém-descoberto até o seu correspondente na casca do enorme ovo, encaixando-o perfeitamente. O ovo brilhou e subiu às alturas, onde se desfez em vários pedaços. O liquido amniótico que ele continha espalhou-se em todas as direções.

MATÉRIA ORGÂNICA DETECTADA, PRESENÇA HUMANA CONFIRMADA!

O sensor externo de Mekare apitava loucamente. Os restos do ovo voltaram a fazer parte do ambiente branco ao redor, mas o homem que havia surgido quando ele se partiu estava ali, nu, diante dela, conectado a toda parte por cabos e fios brancos que faziam caminho ao longo da sua coluna vertebral e basicamente por toda a sua cabeça lisa e brilhante. Havia um ser humano vivo afinal. A parte humana da ESFERA era o único material orgânico vivo e consciente da face da terra.

- Você... É...

- ESFERA - disse a voz, antiga como o tempo, sábia como o infinito, plena como a existência. Mas a boca do homem que se punha em pé diante da androide sequer se mexeu.

- Eu reativei você... Eu reativei a ESFERA...

No instante em que a mão humana e a mão sintética aproximavam-se no vazio, a porta triangular explodiu lançando lascas cortantes do estranho material em todas as direções. Mekare virou-se rapidamente em direção ao invasor, para encarar um espelho piramidal.

Ali, diante dela, estava parada um autômato, mas não um autômato qualquer. Aquele androide possuía o seu rosto. Aquela era a sua duplicata. E ela tinha os olhos vermelhos como o sangue.



Continua...