Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Octopus (Parte 2)


(...) Levantamos âncora antes mesmo de o dia amanhecer, sem ter a plena certeza de que chegaríamos vivos ao porto de Nova Iorque. A rota que tomamos realmente era muito promissora, estávamos sendo levados a uma velocidade incrível e a todo vapor de volta para o hemisfério norte. O mar realmente era muito agitado ali, como os marujos haviam dito anteriormente, o barco nunca balançou tanto! Éramos jogados de um lado para o outro o tempo inteiro, chacoalhados como ervilhas dentro de uma lata. Passamos o dia inteiro assim, minha cabeça já estava girando quando a maresia parou de repente e a correria começou.
Não entendi muito bem o que estava acontecendo antes de ir ao convés e olhar para o céu. Nuvens negras se aproximavam a uma velocidade incrível, rugindo como animais selvagens, seus relâmpagos iluminavam todo o horizonte e sua proximidade trazia ventanias de uma velocidade assustadora. O barco voltou a balançar e agora com mais violência, o mar estava agitado como nunca! Não fui forte o bastante para me manter de pé, caí e rolei o convés inteiro até dar de costas com uma pilha de barris. A dor foi como um choque para mim. Antes de apagar, eu vi o céu tornar-se negro e iluminar-se totalmente como se estivesse pegando fogo. Um trovão poderoso arrebentou contra os meus tímpanos, e então tudo foi sombras e mais nada.
Quando despertei, ainda estava ali no mesmo lugar onde eu havia caído: enroscado nas linhas de pesca e coberto pelos barris que haviam caído sobre mim no momento em que fui de encontro à pilha. Tudo era silêncio e escuridão. Aparentemente era noite. Não me mexi durante o que me pareceu meia hora inteira, por medo de ter quebrado algum osso, chequei cada pedacinho do meu corpo para certificar de que estava tudo em ordem, e quando achei segurança em minhas fundações, chutei os barris para longe de mim. Não era escuridão lá fora. Era névoa. Névoa branca e espessa, um nevoeiro infernal que não me permitia sequer distinguir a silhueta das coisas que estavam ao meu redor, o movimento do meu corpo causava ondulações naquela massa de ar branca e pesada, eu podia sentir o peso daquilo tentando me sufocar.
Tateei pelas paredes da cabine, senti o contorno das janelas redondas e o vidro que as mantinha fechadas, estava em busca de uma porta quando uma mão gelada pegou-me pelo pulso. Dei um grito que ecoou como um rosnado pelo mar afora, agora meus ouvidos estavam desentupidos e eu podia ouvir o barulho das ondas contra o casco e o leve ondular da embarcação sendo levada solta pela corrente, sem vontade própria, como uma folha ao vento.
“Acalme-se! Sou eu! Ray Ann!” disse a voz “pensávamos que você tinha morrido, caído no mar! Venha, vamos descer ao porão!”.
Fui arrastado por minha companheira de viagem por caminhos desconhecidos e escuros da embarcação, mas que eu reconheceria muito bem com as luzes ligadas. “os sobreviventes estão todos lá embaixo junto com os animais, perdemos muitos marujos, a tripulação está com menos da metade...”. Ela explicou-me o que havia acontecido nos mínimos detalhes, e eu recebi cada notícia com espanto, agonia e dor. Os nomes dos que morreram, como morreram e o que havia acontecido quando a tempestade nos pegou desprevenidos. “Foi uma tormenta e tanto” disse Ray Ann “mas nós ficamos bem, ficamos todos bem, pensávamos que você havia sido lançado ao mar quando a primeira onda gigante bateu contra o casco, a Fábia disse que havia o visto rolar para longe, mas não foi rápida o suficiente para segurá-lo...” foi o que ela disse.
Descemos às escadarias para o porão e meus olhos foram pegos desprevenidos por inúmeras lamparinas acesas. Um pavão nervoso beliscou meu tornozelo e eu dei um grito espantado, pensando ser algo mais grave. Ali embaixo estavam todos muito descontraídos, apesar das perdas que tivemos, um ar de melancolia pairava sobre os sorrisos e as gargalhadas que lembravam aqueles que haviam partido. Fábia cantava uma bela canção enquanto um dos marujos tocava um velho saxofone enferrujado, Don Hills e Pietro discutiam as chances de sairmos vivos daquela situação enquanto Augusta só estava sentada, olhando para o nada, calada, como se esperando.
Fui recebido com muita festa pelos sobreviventes, praticamente feito em pedaços pelos abraços forçudos de Fábia e dos outros marujos. Notei que Fábia agora tinha uma enorme âncora tatuada no seu braço direito, quase consegui rir, mas meus membros ainda doíam muito por causa da queda. Eles realmente achavam que eu estivesse morto, Augusta quase caiu em prantos quando me viu descer as escadarias, vasculhei os espaços vazios à procura da triste Rose, mas não a encontrei com a sua costumeira expressão de morta-viva. Ali ficamos durante a tarde inteira do segundo dia. Sempre subíamos de um por um para fazer uma verificação rápida e certificar se o nevoeiro havia enfim se dissipado. Infelizmente ele só parecia cada vez mais forte.
E o frio, bem, o frio era infernal, digno do submundo da mitologia escandinava, a deusa Hel estava entre nós. Este só agravava, tanto que tivemos de abrir os armários e trazer para o porão todo tipo de lençol, casacos, calças e botas para nos aquecer. Só estávamos nesta situação porque, infelizmente, o capitão não havia aguentado os ferimentos da luta contra a tormenta e falecido poucas horas antes de eu me acordar. Passamos dois dias dentro desse nevoeiro, ouvindo nada além do silêncio e das ondas lambendo o casco. O frio só aumentava.
Então nós fomos pegos em cheio por algo enorme, que bateu contra a embarcação e nos lançou uns contra os outros. Corremos de imediato para o convés, acendendo os faróis da embarcação para iluminar as águas ao nosso redor. Logo éramos uma estrela navegante lançando brilho em todas as direções, brilho esse que batia de encontro a enormes torres de gelo flutuante e voltava para nossos rostos, nos cegando com as cores decompostas. Icebergs. Estávamos rodeados de Icebergs de todos os tamanhos e de todas as formas, flutuando acima das águas geladas do mar da Antártida. Sim, de algum modo a tempestade havia nos atirado a milhares de quilômetros de distância da nossa rota, e segundo a bússola interna, estávamos indo cada vez mais para o sul. Logo bateríamos contra o continente, mais dia menos dia.
As formas de gelo ao nosso redor eram aterradoras e ao mesmo tempo encantadoras, elas surgiam de dentro do nevoeiro e passavam ameaçadoras rentes ao casco, rente aos nossos narizes gelados e curiosos. Montanhas inteiras de gelo flutuante surgiam das sombras, pontiagudas, curvilíneas, quadradas ou arredondadas. Estávamos navegando num labirinto feito de Icebergs, um mundo gelado que ia se estreitando e se unindo a cada quilômetro que nos aprofundávamos, formado verdadeiras paredes ao nosso redor, e logo mais, um túnel que se fechava acima das nossas cabeças deixando frestas por onde vimos o nevoeiro se dissipar e dar lugar às constelações do céu da Antártida.
Quando o túnel se abriu outra vez, fomos recebidos por uma maravilha da natureza tingindo os céus de rosa, azul, verde e laranja: a aurora austral dançava acima das nossas cabeças, serpenteando, formando redemoinhos, correndo como um rio de luzes banhando as estrelas! Ao nosso redor havia o calmo mar aberto, atrás de nós um paredão de quase 20 metros de puro gelo com uma pequena falha triangular por onde nós navegamos até chegar ali. E diante dos nossos olhos, um horizonte branco, uma muralha resplandecente de puro gelo. Estávamos presos entre duas placas quase continentais de iceberg!
“Vejam! Aos fundos da muralha! Uma montanha!” gritou Pietro.
Realmente havia uma montanha de pedra (e não de gelo). Na verdade estava mais para rochedo do que montanha, olhando melhor. Concluí que havíamos batido contra o continente, mas logo fui corrigido por um dos marujos que afirmou ser uma pequena ilha. Segundo ele, a ilha só parecia tão gigantesca por causa do gelo que havia se acumulado ao redor dela e formado aquelas placas gigantes. De acordo com seus cálculos, aquele espaço de mar aberto entre uma muralha e outra não existia até um tempo atrás, parecia ter sido aberto muito recentemente e de forma violenta. “Um terremoto, talvez” concluí. Eu estava redondamente enganado...
Fomos de encontro à muralha e medimos a profundidade. Realmente, estávamos próximos de terra firme, a âncora não custou a bater no fundo do oceano. Puxamos a âncora de volta e iniciamos um passeio ao longo da parede de gelo, para verificar o ponto em que ela diminuía de tamanho, até chegarmos a um local onde o iceberg ficava exatamente na altura do convés: para o nosso espanto, a superfície da placa de gelo era perfeitamente lisa! Sem nenhuma ondulação sequer, como se raspada pelas mãos dos deuses! O terreno se inclinava e afunilava como a beirada de uma grande tigela. Ficamos horas ali, observando o deserto branco inclinado que formava um vale coberto por neblina, discutindo o que faríamos a partir daquele momento.
Nosso carvão estava na reserva, não seria o suficiente para sair dali. O vento era fraco, não tinha a força necessária para guiar as velas para fora do mundo gelado, sem contar que para sair dali teria de se usar o mesmo túnel por onde viemos, embora houvesse a possibilidade de haver outros, mas não tão seguros como aquele. Em conclusão, estávamos praticamente encalhados no meio do nada, num lugar que talvez fosse sequer mapeado pela marinha! Se não morrêssemos de fome morreríamos de frio, certamente! A temperatura só caía, logo aquelas roupas não seriam o suficiente para nos manter aquecidos.
“E se descermos até a ilha?” sugeriu Don Hills. “encontrar alguns esquimós...”
“Não existem esquimós no pólo sul!” exclamou Fábia. “vamos encontrar um monte de pinguins!” fez, imitando a ave.
“Ou leões marinhos!” disse Ray Ann.
Estávamos completamente perdidos.
“Não temos outra opção senão descer até a ilha, pessoal” pronunciou-se Pietro “provavelmente não é habitada, mas não custa nada tentar! Deve haver algum posto avançado da marinha ou mesmo cientistas e pesquisadores que se isolam nessas regiões à trabalho! O que não podemos é ficar parados aqui enquanto a comida e a água vão sendo consumidas!”
Ele tinha razão.
Assim, reunimos nossas armas, nossos kits de primeiro socorros e nossas ferramentas. Colocamos os casacos mais pesados e botamos o pé no gelo. Os exploradores nova-iorquinos e mais seis marujos, rumo ao desconhecido.


Fim da Parte Dois!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

E então? O que achou?