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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Intro (Cena Perdida)



O trecho de relatos abaixo foi recuperado após um incêndio criminoso que ocorreu na noite de 29 de Abril de 2010 no prédio da Biblioteca Nacional Franco-Italiana.
Após uma análise minuciosa do documento encontrado, constatou-se que tal lauda tratava-se da página perdida pertencente ao dossiê Umbrella, parte da investigação histórica que possui como principal interesse desvendar a vida secreta e as vivências do Ex-Repórter e Antropólogo Christopher Umbrella, falecido em 30 de novembro de 1998.
Na seguinte lauda, Christopher Umbrella relata, já em seus últimos dias, os acontecimentos que sucederam no espaço de tempo entre o interior da barraca na aldeia dos nativos e a porta de entrada do templo no alto da pirâmide.



(...) O hediondo guincho que viera de fora parecia ter origem num tipo de atrito metálico, lembraria unhas arranhando um quadro negro se não parecesse tão orgânico e animalesco, como o grasnar territorial da coruja branca de igreja. Ficamos completamente apavorados e sem reação naquele momento, estávamos em terras desconhecidas, cercados por selvagens inconstantes que eram controlados por uma mulher branca contra quem eles poderiam se voltar a qualquer momento!
No tempo em que passamos ali, protegidos, dentro daquela oca feita de couro e madeira, ouvimos muitas coisas da boca de nossa anfitriã Rose, que parecia há muito não conversar de verdade com alguém que a entendesse. Ela nos contou sua história desde o princípio, nada do que vó Darcy não tinha nos referenciado anteriormente, exceto, é claro, pela riqueza nos detalhes e no modo sensacional como Rose nos passava o que lhe havia ocorrido.
O motivo de os nativos não a terem levado em oferenda a sua deusa-morcega anteriormente era o fato de ela não ser mais tão jovem e muito menos virgem, além, é claro da data em que ela chegara ali: estava muito longe do solstício do despertar da deusa, no dia 6 do mês 6 do ano 6 daquele louco calendário seguido por aquelas pessoas. Calendário este que me recusei a tentar compreender, embora tenha passado meus olhos por alguns desenhos daquele tablete de argila redondo monocromático que me lembrava muito os calendários astecas e maias. Quem se ateve a interpretá-lo foi Fábia, o tempo em que passou na cabana foi todo dedicado à leitura dos simbolismos ali contidos.
Após muita conversa, conseguimos convencer nossa anfitriã a nos guiar numa espécie de tour através das ruínas daquela cidade tão moderna para um lugar tão rústico quanto aquele. Sairíamos pela manhã, no dia seguinte e voltaríamos ao final da tarde com o pôr-do-sol, para que não nos tornássemos eventualmente, comida das feras que habitam aquelas matas.
Passamos a noite naquela cabana, lutando contra o sono e contra o frio enquanto os marinheiros do capitão Maurice bebiam algo nativo à beira da fogueira lá fora. Rose parecia ter se adaptado muito bem àquela vida, costumava dizer que perdera a noção do tempo em que estava vivendo ali entre os selvagens, e muito menos se lembrava do momento em que eles a escolheram como um tipo de “cacique”. Foi algo que aconteceu gradativamente. Segundo ela, primeiro eles aprenderam a respeitá-la e depois a ouvi-la, e quando a anciã morreu – a matriarca da tribo de quem Rose cuidava – ela entrou em seu lugar como líder.
Na manhã seguinte partimos muito cedo, o sol mal havia acabado de nascer. Pietro tinha sua câmera a postos com a ajuda de Don Hills que por gentileza era o portador dos rolos de filmes que o cineasta havia trazido, e do qual ele não desgrudava. Acabei me detendo tanto aos detalhes externos dos acontecimentos que esqueci de relatar as ações de Pietro quanto representante da sétima arte: ele estava filmando desde o interior do navio, havia filmado a conversa com vó Darcy e a travessia dos canais em direção a esta terra perdida selvagem. Segundo ele, estávamos fazendo parte de algo que entraria para a história, estávamos desbravando o desconhecido como nossos colonizadores e registrando esse momento crucial da linha temporal num documentário que renderia milhões de dólares e estatuetas douradas.
Foi debaixo desta ladainha que adentramos na avenida principal da cidade perdida. E devo dizer-lhes que fiquei espantadíssimo com o absurdo que aquele lugar era. Sua arquitetura era algo muito mais que contemporâneo, era totalmente futurística, o que aumentava as suspeitas de Ray Ann sobre aquele lugar ter sido construído por alienígenas. Os prédios cresciam a alturas inacreditáveis, as ruas pareciam já ter sido pavimentadas em algum período perdido da história. E ora, vejam só, haviam postes que formavam semi-arcos sobre nós, e no fim de cada um deles havia uma lâmpada, quase sempre quebrada ou já inexistente.
Apesar do modo como a tecnologia daquela cidade abandonada saltava aos nossos olhos e ia além do que já havíamos visto em qualquer outra parte do mundo, não havia tipo de veículo algum estacionado no que parecia ser um acostamento desenhado no chão próximo às calçadas milimetricamente calculadas. Tudo na arquitetura daquele lugar era muito aerodinâmico, as curvas quando não muito bruscas e redondas eram bastante quadradas e retas. Se lhes interessa saber, parecíamos estar caminhando por uma Nova Iorque de mil anos no futuro, que por algum motivo fora abandonada e engolida por uma selva Jurássica. Um contraste e tanto entre o futuro e o passado.
A câmera não captava muita coisa, tudo na nossa frente era neblina e brancura, o frio era intenso também, os cipós e as plantas trepadeiras que se enroscavam nos postes e nas construções pareciam serpentes malignas, e as plantas tropicais de um verde vivo quando não muito colorido e saltado aos olhos tinham as folhas espalmadas e tão grandes quanto um guarda chuva aberto, esticavam-se para fora do solo na ponta de caules rígidos e lustrosos. Após algum tempo de caminhada, grande parte daquele mundo branco foi espairecendo-se revelando a verdadeira selva que crescia entre os prédios e as casas, até mesmo no teto das construções. Palmeiras de quase trinta metros de altura estouravam as calçadas e faziam sombras enormes no chão. Sumaúmas e Imbaúbas arrebentavam o concreto entre as paredes e até mesmo no meio das avenidas. Era um mundo tecnologicamente avançado e planejado sendo engolido pela fúria da selva tropical.
E isso porque não me detive ainda a ressaltar a vida selvagem que ali habitava. Os animais saíam das suas tocas aos poucos; curiosos ou apenas de passagem. Bandos de aves coloridas de bico curvo passavam voando sobre as nossas cabeças fazendo algazarra tremenda. Araras, papagaios, periquitos coloridos. Eram poucas as aves desconhecidas aos meus olhos, mas quando elas surgiam me faziam ficar admirando-as durante longos minutos, faziam alguma alusão às aves do paraíso na Oceania. e imaginem vocês o susto que nossa equipe levou ao encontrar face a face um bando de aves colossais, quase três metros de altura, de uma forte cor azul anil cintilante, bico preto e olhos vermelhos, coroadas por um penacho cor de rosa que abriam e fechavam como as asas de uma borboleta.
Os nativos que nos guiavam apenas riram da nossa cara. Aquele bando de seres estranhos eram inofensivos. As feras mesmo não habitavam o centro da cidade (ou o que havia restado dele), elas habitavam as profundezas da mata atrás das pirâmides, depois dos grandes monólitos de pedra, quando os prédios e as construções já são escassos e a mata é mais fechada. Ali onde eles estavam era muito seguro, pelo menos enquanto não anoitecia.
Naquela manhã eu vi de perto tamanduás do tamanho de búfalos, Antas maiores ainda, porcos do mato gigantes e brancos (mas não albinos), aves de longos pescoços e caudas vistosas e brilhantes, vi também todo o tipo de serpente que você pode imaginar. Vi de perto a origem do mito de Quetzacoatl, realmente há uma serpente com bico de águia e parte do corpo emplumada, mas ela não é tão gigantesca quanto reza a lenda, parece um mini lagarto, um dragãozinho. E por falar em répteis, me apavoraram o tamanho dos crocodilos que habitavam duas enormes lagoas de águas verde-esmeralda localizadas não muito longe da entrada do vilarejo dos nativos, num enorme declive de terreno que mais lembrava a abertura de um fosso gigantesco.
Ray Ann perguntou à Rose se o povo do qual ela agora era líder chegara a viver naquela cidade tão grande. Segundo ela, havia pouco crédito, mas algumas lendas antigas falavam que os ancestrais de algumas famílias que viviam no vilarejo à beira do rio chegaram a morar na grande cidade antes da decadência, mas isso provavelmente acontecera há muitos milhares de anos. Rose arriscou a teoria de que talvez uma doença ou uma guerra tenha dizimado o povo que vivia na cidade, e os sobreviventes vieram a se tornar selvagens futuramente em meio à anarquia que havia se instaurado.
Continuamos andando, passamos o dia catalogando espécimes de plantas e animais nos cadernos, batendo fotos e analisando a base estrutural daquela cidade esquecida pelas eras e engolida pela floresta. Nossa curiosidade nos levou longe demais, então chegamos a um ponto em que os nativos recusaram-se a seguir adiante, o mesmo ponto citado anteriormente, onde surgem os monólitos de pedra incrustada de rostos demoníacos, onde a mata começa a fechar e onde não se sabe diferenciar noite de dia. Esse nosso erro tornou-se fatal quando por uma falha entre os ramos acima das nossas cabeças percebemos que a luz do sol já era escassa e o céu havia tomado uma tonalidade rosada, onde algumas estrelas já despontavam.
Acendemos tochas e lamparinas para seguir adiante escoltados por nossos bravos marujos tendo como guias a anfitriã Rose e mais dois homens de sua tribo que se dispuseram a nos levar mais adiante, para nos mostrar o que se escondia após o corredor de arcos de pedra naturais (algo incrível e sensacional). Mal sabíamos que tudo aquilo se tratava na verdade de uma armadilha: poucos passos adiante, feras enormes saltaram das sombras, nos surpreendendo em meio à escuridão pegando-nos completamente desprevenidos. Eram seres humanoides com toda a certeza, senti braços musculosos e mãos de macaco me puxarem pelos membros enquanto me debatia e esfaqueava o escuro com uma pequena adaga. Quase todas as tochas foram apagadas por um vento misterioso que abateu-se na expedição poucos momentos antes daqueles seres saltarem do alto das árvores, as lamparinas que restavam revelaram a pelagem dourada e as faces disformes das criaturas que urravam e grunhiam como porcos.
A luta foi intensa, mas ao que parecia eles não pretendiam nos devorar ou algo parecido, mas sim nos capturar! Eu não sabia quem continuava vivo ou quem havia morrido, mas ouvia muito bem a voz de meus companheiros de viagem gritando pelo meu nome enquanto eu respondia a eles. Fomos amarrados a um cipó firme e arrastados à força como escravos até os pés do que parecia a silhueta de uma montanha contra a luz do lusco-fusco.
“UM TEMPLO!” gritou Pietro. “É UMA PIRÂMIDE! UMA ENORME PIRÂMIDE!” gritou Fábia. E realmente o era. Minha vista foi desembaçando aos poucos e acostumando-se à claridade fora da mata fechada pela qual estávamos caminhando havia algumas horas. Puxei meus costumeiros óculos de aviador que estiveram aquele tempo todo pendurados no meu pescoço para os olhos; eles amansavam a fera do astigmatismo que reside em mim, de modo que agora podia ver muito bem do que se tratava aquela construção diante dos meus olhos.
Era uma pirâmide afinal, maior do que qualquer outra construída por mãos humanas, lembrava em sua estrutura as construções astecas e maias. Seus degraus eram colossais, como uma arquibancada, parecia terem sido feitos para a escalada de um gigante! As feras de pelagem dourada nos lançaram aos pés da pirâmide, puseram-se de quatro e começaram a uivar para nós. Completamente sem saída, não vimos alternativa senão guiar as pernas nervosas degraus acima na maior velocidade que poderíamos exprimir, enquanto desatávamos os nós frouxos do cipó que nos prendia uns aos outros, sempre olhando para trás, certificando-se de que os animais não mais nos seguiam.
A subida estava durando muito, a pirâmide realmente era muito alta, e a escuridão era a nossa rainha e também o manto que nos cobria, não enxergávamos um palmo diante dos nossos narizes. Poderíamos ser atacados a qualquer momento de qualquer direção! Para completar o desespero, os uivos, rugidos e gorgolejos que vinham da mata aos pés da pirâmide só nos deixava mais apavorados, alguns estavam em lágrimas orando e pedindo a Deus por misericórdia. Eu era um desses. Em silêncio, mas era um desses. Aquelas feras poderiam estar subindo naquele exato momento atrás de nós, atraindo a atenção de tantas outras que também estariam agora em nosso encalço! Nesse ritmo de espasmos de corrida, chegamos às portas do templo, e fomos recebidos por misteriosas tochas acesas na entrada (...)


Finalizam aqui as descrições presentes na lauda encontrada.







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