Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

terça-feira, 21 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Octopus (Parte 5)




(...) Acordei de um sonho onde recebia uma espécie de beijo chupado no queixo, mesmo após despertar, a sensação continuava. Ainda de olhos fechados resolvi esfregar meu rosto, e é claro, meu queixo, a parte onde o formigamento era maior. Imaginem a minha surpresa ao apalpar algo comprido, grosso, quente e gosmento passeando pelo meu corpo, algo coberto de pequenas ventosas que me estudavam pelo tato. Puxei meu canivete e perfurei a coisa no escuro, tateei em busca da luminária e foquei em cima da coisa. Para meu espanto, um tentáculo cor de cobre se contorcia diante do meu nariz, espirrando um sangue negro e viscoso do ferimento que o havia infligido. Don Hills saltou do escuro, agarrou a coisa entre as pernas e com sua adaga, cortou-a ao meio. O sangue negro como piche esguichou no meu rosto. A coisa retrocedeu do lugar de onde vinha: da luz pálida da janela.


Eu e meu pareceiro de luta corremos até a sacada do palacete grego e vimos milhares daquelas coisas tateando sobre as casas e as construções, seguindo nosso rastro! Um arrepio me subiu dos pés à cabeça. “Corra, vá acordar os outros!” eu pedi, e assim foi feito. Logo todos nós estávamos na janela observando a movimentação lá embaixo, nos telhados, nas portas, nas janelas e nas varandas, pareciam raízes crescendo e se expandindo sobre o mundo branco da cidade congelada. Uma neve fina começou a cair, a luz pálida do céu cheio de estrelas começou a rarear, tínhamos de sair dali o quanto antes!

“Eu reparei que essa cidade tem um sistema de esgotos como qualquer outra! Os tentáculos estão vindo de lá!” exclamou Ray Ann apontando para um ralo no meio do nosso caminho: uma daquelas coisas já se esgueirava por lá. O segredo era passar por elas sem fazer movimentos bruscos ou barulho, os tentáculos eram atraídos por vibrações.

“Quer dizer que aquelas coisas na água, que afundaram o barco...”

“Sim! Eram tentáculos!” eu respondi a quem quer que seja que tivesse feito a pergunta.

“Mas aquelas três que agarraram o barco eram grandes demais! Maiores do que essas que estão aqui agora!” exclamou Pietro.

“E torça para que elas não venham até aqui!”
T

arde demais. A fonte no centro da cidade estourou bem diante de nós, e dois dos tentáculos maiores surgiram de lá, sorrateiros e ligeiros, passeando por entre as construções, seguindo o rastro da vida, procurando o alimento. Um dos marujos que nos seguiam foi capturado então, seu grito atraiu a atenção dos outros tentáculos que rapidamente tatearam rumo ao nosso caminho, retrocedendo para dentro de seus buracos originais para escaparem por outros mais próximos ao nosso paradeiro! Era um verdadeiro pesadelo! Corri como há muito tempo não corria, desde que fugi da grande AibSom’ar!

Quando chegamos à praça central finalmente, saltamos com destreza sobre os tentáculos mais grossos que estouraram a fonte, estávamos a caminho dos portões para fora da cidade, para o interior do vale, faltava muito pouco até que uma daquelas coisas agarrou-se ao braço de Fábia e outra enroscou-se em sua cintura! Puxamos nossas adagas para cortar um por um, mas outros surgiam e tentavam aderir às nossas roupas, eu e Pietro estávamos fazendo de tudo até que Augusta puxou do seu bolso uma pistola e iniciou uma série de tiros, acertando um a um dos braços de cefalópode sem errar! Era incrível!

Saímos sãos e salvos da cidade, eles não eram longos o suficiente para se esticarem até o centro do vale. Nos vimos então correndo por desertos de pedra e gelo, para longe da cidade congelada, para dentro da selva de gelo, para dentro da floresta tropical parada no tempo.

Mais relaxados, passamos a caminhar enquanto arbustos e pequenas árvores iam surgindo no nosso caminho. Era como um cerrado branco, uma caatinga de cristal: galhos retorcidos cobertos de neve se entrelaçavam ao nosso redor de forma a montar uma selva estranha e congelada.

“Que estranho!” exclamou Ray Ann.

Peculiar!” observou Don, passeando seus dedos nos galhos, quebrando-os para analisar sua estrutura, catando frutos duros e gelados do chão. Uma floresta congelada.

Parecia-me que alguém havia pegado o cerrado nordestino do Brasil e o lançado de uma hora para a outra ali, no meio da Antártida, onde seu congelamento foi instantâneo. Chegamos a um ponto onde nossa conhecida amiga neblina tomou conta da nossa vista por inteiro, tivemos de dar as mãos para seguir caminho enquanto alguém ia à frente tateando e pisando com cuidado, caminhamos assim por aproximadamente uma ou duas horas. Foi o momento em que uma corrente fraca de ar começou a soprar a neblina para cima, limpando nossas vistas, o que estava acontecendo agora era que a massa de ar subia aos poucos, deixando o caminho à nossa frente completamente limpo.

Pudemos então largar as mãos uns dos outros para caminhar com mais liberdade, sempre atento a cada passo dado para não cair em armadilhas da natureza ou coisa parecida. Vez ou outra eu olhava para trás, certificando-me de que aqueles tentáculos asquerosos não nos estavam seguindo, saídos de alguma fissura na pedra ou algo parecido. A floresta ao nosso redor perdeu seus galhos retorcidos e a grossura dos seus caules, dando lugar a um campo de vegetais muito estranhos (se é que é realmente possível a sobrevivência de algum tipo de vegetal naquelas terras geladas).

Os caules eram finos demais, alguns tortos e outros perfeitamente retos, subiam acima das nossas cabeças e se perdiam entre a neblina que subia cada vez mais, juntos formavam uma espécie de floresta feita de gravetos. Uma floresta um tanto irregular, vez ou outra dávamos de cara com um daqueles caules, eles entortavam e voltavam para o lugar misteriosamente, sem quebrar ou dobrar. Era um verdadeiro achado botânico, Pietro e Ray Ann vinham lado a lado discutindo que nome científico dar àquela planta estranha oriunda do polo sul, onde nenhum outro vegetal era capaz de crescer. Era totalmente diferente da caatinga de gelo que ficara para trás pelo simples fato de não estar congelada, apesar do frio intenso. Que tipo de planta seria aquela, eu me perguntava, sempre erguendo a cabeça para cima quando topava com uma daquelas frente a frente. Tive a impressão de ver quatro delas se mexerem desordenadamente, mudando de posição, espantei-me e olhei ao redor. Nada. Talvez fosse coisa da minha cabeça.

Cabeça. Foi isso que surgiu no meu caminho. Vinda de cima, uma enorme cabeça de alce desceu de boca aberta mostrando todos os dentes. Tinha os olhos vermelhos e uma galhada farta, algo medonho, como um tipo de zumbi ou fantasma, veio da neblina acima da minha cabeça e depois voltara para cima assustadoramente! Eu gritei e chamei pela atenção de todos, mas ninguém além de mim parecia tê-la visto! Na mesma hora a caminhada foi interrompida e uma discussão ferrenha sobre a minha sanidade mental teve início. Achavam que eu estava começando a ficar perturbado com os últimos ocorridos, que tudo o que eu tinha visto desde as florestas da América do Sul até ali havia mexido com o meu psicológico de alguma forma. Bati o pé e afirmei não estar louco, eu vi a cabeça de alce assim como os via naquele momento diante de mim!

A neblina estava cada vez mais alta, em poucos minutos ela seria nuvem e não névoa, decidimos então retomar a caminhada e não ficarmos parados nem um minuto, não sabíamos o que poderia nos estar espreitando ali naquela neblina cada vez mais fina. Quando os caules finos ficaram mais escassos e o terreno voltou a ser um simples deserto branco coberto de neve, uma ladeira surgiu diante dos nossos olhos. Era uma subida íngreme, mas conseguimos chegar ao topo e sair da neblina finalmente, após o que me pareceram uns 15 minutos. Foi como ter escalado o rochedo no dia em que desembocamos naquele maldito canal.

Lá no topo da colina, para onde voltávamos os olhos, víamos branco, tudo era branco. Névoa para todos os lados. Mais ao longe estava a caatinga de cristal de onde havíamos saído (da qual só podíamos ver agora os galhos retorcidos acima do mar de nuvens baixas), e atrás da caatinga, no horizonte, a cidade congelada no tempo. Na distância em que nos encontrávamos, não podíamos distinguir cor, apenas formas, de modo que não sabíamos se os tentáculos ainda estavam por lá vasculhando o nosso encalço.

Foi então que um vento forte digno de uma tempestade abateu-se sobre nós. Tivemos de nos abaixar imediatamente para não sermos carregados pelo vendaval repentino, ele estava levando todo o branco do horizonte, deixando à mostra tudo o que estivera escondido pela neblina e pelas brancas nuvens. Agora todos viam com os próprios olhos o que eu havia visto anteriormente, eu já não era mais louco que todos eles, de perto ninguém é normal, mas todos naquele momento estávamos no mesmo barco, eles muito mais do que eu. O que víamos agora com clareza era monstruoso, disforme e ao mesmo tempo fenomenal.

A floresta de vegetais com caules finos que circundava aquela colina, a mesma floresta pela qual nos cortamos caminhos nessa fuga desembestada e sem rumo, era na verdade o resultado da união das pernas finas de uma manada inteira de milhares de colossais Alces Perna-de-pau (como os chamei mais tarde). Uma espécie totalmente nova descoberta por nossa expedição casual àquela ilha misteriosa. Eram alces normais, exceto pelos olhos totalmente vermelhos como o de animais albinos e a galhada diferenciada, visivelmente mais farta e ramificada que os seus talvez parentes da América do Sul, o seu algo a mais estava na altura das suas pernas! Era totalmente descomunal e desproporcional um corpo tão grande e gordo como o de um alce ser sustentando por pernocas finas como aquelas que os mantinham de pé. Algumas chegavam a ter cinco, seis metros de distância do chão, da galhada até o casco.

Permanecemos a admirar aquelas criaturas hediondas por um bom tempo, percebendo sua natureza pacata, encaramos muitos nos olhos, eles apenas nos observavam curiosos, sempre parados no mesmo lugar, mexendo somente a cabeça. Volta e meia seus cambitos finos que sustentavam tamanho corpanzil se mexiam, mas nada muito significativo... Sentados, vimos os vultos alados se aproximarem cada vez mais. Pensávamos serem gaivotas, porém ao percebemos a natureza verdadeira daquelas coisas que voavam exatamente em nossa direção, partimos com cara e coragem para debaixo da “floresta de alces”.

Eram enormes e gordas corujas brancas, fazendo rasante ao redor da colina, capturando os alces com suas garras e destroçando-os no ar. A movimentação começou: os alces urraram a partiram em debandada, pisoteando o terreno, se empurrando, caindo e se amontoando. Corríamos junto com eles, seguindo seus passos, eles nos levariam para um lugar seguro, só não podíamos permitir ser pegos pela visão potente das corujas (que possuíam um estranho penacho azul-turquesa na cabeça). Não poderíamos perder o ritmo e nem sair de baixo dos alces, elas nos veriam e mergulhariam exatamente em nossa direção! Foi exatamente o que aconteceu a mais um dos marujos que estavam conosco. Logo éramos apenas eu, Augusta, Ray, Don, Pietro e a escandalosa Fábia, que com seus gritos espantava mais os alces do que as próprias corujas!

Elas eram de uma aparência grotesca e assustadora. Possuíam os olhos enormes e amarelados como faróis, os bicos eram curvos e afiados, formando uma careta ameaçadora em suas faces de rapina, onde o papel das sobrancelhas unidas era interpretado pelos penachos azuis em suas cabeças. Estes, verdadeiros leques que se abriam e vibravam à cada guincho que escapava de suas gargantas profundas e famintas. Pássaros infernais do tamanho de búfalos africanos.

Fomos espantados para dentro de uma floresta – dessa vez verdadeira, não caatinga – congelada. Os alces se dispersaram ali, fugindo e se perdendo por entre as monstruosas árvores. Nós também havíamos nos perdido.




Fim da Parte Cinco!




Nenhum comentário:

Postar um comentário

E então? O que achou?