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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Octopus (Penúltima Parte)


(...) A Floreta foi talvez a parte mais perturbadora da nossa trajetória rumo ao centro da ilha, o olho e a mãe de todas aquelas bestas-feras que encontramos pelo caminho. Ali, tudo parecia ser feito de vidro, vidro colorido, um banquete para os olhos. As folhas das árvores eram duras como pedra e tão geladas que o simples toque com a ponta dos dedos em sua superfície perfeitamente lisa fazia com que os mesmos ficassem grudados à elas. Pietro caiu no erro de tentar lamber uma pera e acabou ficando presa a ela durante metade da nossa caminhada mata adentro, ele salivou o suficiente para que a fruta de vidro (ou gelo) desgrudasse de sua língua.

Os caules das árvores eram um espetáculo: lustrosos e imponentes, grossos, reluziam como se debaixo de camadas latentes de verniz. O mesmo valia para galhos, arbustos, pedras que encontramos no caminho – e pasmem – animais. Exato. Encontramos animais congelados no tempo como estátuas em nosso caminho. Veados, araras, macacos, leões, jaguares, hipopótamos, jacarés em uma lagoa cristalina congelada. Encontramos girafas, zebras e leopardos em seus galhos com os olhos verdes fixos no vazio para a eternidade. Tudo tão brilhante, perfeito, mantido em estado de perfeita conservação graças ao gelo. Era como se Deus houvesse quebrado o maior de todos os galões de nitrogênio do universo e despejado seu conteúdo sobre uma mata tropical. Frutas pendiam gordas como pedras preciosas reluzentes em seus ramos, flores que se despedaçavam como vidro frágil ao toque das delicadas mãos de Ray Ann. Rosas que se desfaziam e viravam cacos minúsculos soprados para longe ao sabor do vento.

“Um bosque encantado...” exclamou Fábia, alisando com cuidado a galhada de um veado. Seus dedos estavam protegidos pela luva, pelo menos ela não caíra na bobagem de tirar a luva para sentir a realidade, porque a realidade era muito mais fria e dura do que ela imaginava. “Um bosque amaldiçoado...” completou Don Hills, esticando a mão para tocar as faces de um estranho macaco pendurado num galho acima de sua cabeça. Ele tinha a pelagem branca como a neve, os olhos negros como a noite e a pele azul, azul como um quartzo. Como o quartzo que o animal possuía grudado à testa. Animal este que estava vivo, que guinchou e abocanhou a mão de Don com um golpe certeiro, quase arranca-lhe os cinco dedos de uma só vez!

No mesmo instante, eles choveram aos montes sobre nós, arrancando nossas boinas e toucas para o frio, puxando nossos óculos dos rostos, atacando nossos cabelos, tentando arrancar nossas roupas às dentadas! Macacos, muitos macacos exatamente como àquele descoberto por Don Hills, contra o qual ele lutava naquele exato momento por estar grudado à sua cara como uma estrela marinha gruda a sua pedra. Augusta tirou a pistola da cintura e acertou dois, três, cinco macacos de uma vez, levou um tapa na mão e perdeu a arma no meio da mata de vidro que se desfazia e quebrava aos esbarrões dos corpos em meio à luta.

Não entendíamos o que os macacos queriam, talvez estivéssemos invadindo o território deles ou algo parecido. Estávamos muito longe das colinas onde ficava o pasto branco dos alces para voltar correndo e não sabíamos o que havia na trilha adentro da floresta congelada, e aqueles macacos malditos não paravam de vir aos montes, caindo sobre nós como aranhas peludas, eram pequeninos, pigmeus, mas muito fortes!

Um rugido ecoou pela mata, foi a deixa dos símios azuis, que escalaram às árvores amedrontados, fugindo de algo muito maior e mais violento que eles. Augusta catou sua pistola e carregou-a com balas novas, meteu os óculos de aviador nos olhos e nos indicou o caminho seguro, contrário à origem do rugido bestial. Eu ouvia o vidro partir-se ao longe com a passagem de algo gigantesco, e tive o prazer de chutar dois daqueles macacos malditos em meio à minha fuga. Mas a coisa que vinha atrás de nós era muito rápida e estava cada vez mais próxima, por mais fechada que a mata parecesse. Nós estávamos cobertos de arranhões e nossas roupas estavam em frangalhos por causa das pontas afiadas das folhas e dos galhos de vidro. Fábia tropeçou em uma raiz e eu tive de parar para ajudá-la. Foi quando fiquei cara á cara com a coisa que nos perseguia. Os outros tiveram de se esconder, não podiam nos deixar e muito menos enfrentar o monstro que havia surgido.

Eu estava cara a cara com um enorme javali, aparentemente estivera hibernando este tempo todo, e a gritaria e os tiros o haviam acordado. Suas presas eram compridas e transparentes, um chifre lhe escapava do meio da testa, seus olhos eram vermelhos como fogo e seu corpo coberto de listras brancas e azuis, seus cascos eram transparentes como as presas e os chifres. Seu hálito era mortal e gelado, eu estava olhando nos olhos da besta sem fazer um único movimento, talvez eu mesmo estivesse me tornando parte da floresta de vidro naquele momento. Mas algo me chamou a atenção: um beija flor congelado no ar meu lado, bem próximo ao meu rosto, grudado à flor pelo seu bico fino. Uma coisa belíssima. Eu não poderia deixar que aquele monstro o quebrasse. Fechei os olhos e quando os abri novamente, vi Augusta diante de mim acertando o javali bem no meio dos olhos com três tiros da sua potente pistola. A besta caiu de lado, morta, jorrando sangue pelas fuças.

Nos afastamos ao máximo do local, procurando um lugar seguro para descansar e passar aquilo que se parecia a noite naquele hemisfério do mundo. Quando o céu ficava mais escuro e as constelações mais nítidas. Acendemos uma fogueira com o que tínhamos em mãos, nossos últimos recursos. Mais uma noite fria como aquela e acabaríamos como a floresta: congelados. Tinha de haver um jeito de escapar dali, tinha! Não poderíamos ter escapado do inferno verde para morrer num inferno branco! Tentáculos, alces pernaltas, corujas monstruosas, macacos e javalis bestiais! O que mais precisávamos enfrentar para ter de sobreviver ali naquele frio terrível?! Eu não sentia mais meus dedos!

Pietro mostrou-nos a salvação quando, ao chutar uma árvore que se desfez em flocos coloridos de neve, revelou uma clareira onde um zepelim – sim, meus queridos, um zepelim – abandonado jazia intacto. Um sinal de que Deus ainda não nos havia abandonado. Passaríamos a noite ali dentro, nos aquecendo como podíamos. Pela manhã arranjaríamos um jeito de fazer aquele pequeno zepelim funcionar. Íamos escapar dali, nem que fosse voando!


Fim da Penúltima Parte!


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