Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

quarta-feira, 16 de março de 2011

Capítulo II - Os Irmãos Mimieux e a História de Seu Pai


Uma xícara de café os aquece.
A CPU do computador ruge.
Os celulares não ligam.
O silêncio é quase rei daquele lugar.
- E então, crianças, como chegaram aqui? – perguntou o homem.
Os irmãos Mimieux se entreolharam.
- Não entendemos muito bem – respondeu Frederico. – eu cochilei dentro do ônibus, e me acordei já no meio da estrada.
Silêncio.
- E você, Amélia, minha filha? – ele a abraçou e beijou sua testa.
- Eu cochilei no meio da aula de Física, e me acordei com Fred gritando meu nome. – disse ela, inocente moça de 13 anos. – dentro do ônibus.
- Mas que ônibus é esse? – perguntou ele, tomando um gole de café quente.
- O Buritizal – São Camilo – atropelaram-se os irmãos.
O homem balançou a cabeça e foi até a cozinha, separada da sala por um arco onde haviam penduradas miçangas vermelhas e azuis. Trouxe de lá bolachas. Frederico meteu a mão.
- Há quanto tempo o senhor vive aqui papai?! Porque foi embora?! – perguntou Amélia, chorosa. Silêncio dos dois homens, frieza.
- Eu não fui embora, nunca deixaria vocês.
- E porque mamãe diz que foi embora?! – perguntou Amélia novamente.
- Porque ela não me viu mais, e nem vocês...
- Como veio parar aqui? De quem é essa casa? – era a voz grossa de Frederico que se ouvia agora.
Mais silêncio frio.
- Eu andei até aqui.
- Como assim? – questionou Fred.
- O carro pregou no meio da estrada naquela última tarde em que vocês me viram... E então eu esperei horas que algum carro passasse, mas nenhum carro passou, o que foi muito estranho porque a estrada em si é muito movimentada... – ele calou pra bebericar o café e abaixar a música que tocava no computador – eu andei até que a floresta se fechou ao meu redor, e o barro tornou-se cascalho, e as montanhas se abriram ao meu redor.
Mais silêncio apavorante e doloroso. Amélia abraçou o irmão com força.
- Mia acha que morremos – disse Fred, sério, frio, sem um pingo de emoção.
- Eu também acho – revelou o homem, tomando mais café.
Frederico comeu duas bolachas de uma só vez.
- Aqui temos três quartos – disse o homem após um tempo – mas queria que vocês dormissem comigo. – ele calou-se e caminhou até a janela, abriu-a de soslaio e encarou a escuridão da noite estrelada lá fora. A neblina fora embora. – há dois anos que vivo sozinho aqui, há dois anos que procuro o final desta estrada e nunca encontro, há dois anos que desço o declive após a clareira para ver se chego a algum lugar, mas parece que não há saída. Eu posso andar cinco horas de caminhada, porém, assim que volto minhas costas e caminho para casa, não demoro cinco minutos a encontrar a clareira.
Amélia arrepiou-se dos pés a cabeça, e não soube por quê.
- Já tentou ir para as montanhas de trás? Tentou ir da direção em que viemos?
- Sim, foi a direção de onde vim também, mas não há passagem alguma, a estrada some, ela encosta num paredão de pedra e some.
As montanhas se abriam para a passagem deles então? Isso era impossível.
- E esta casa? – perguntou Amélia.
- Já estava aqui antes. As chaves estavam embaixo do capacho. Todas essas coisas já estavam aqui.
Os três se arrepiaram.
- Há algum tipo de vida aqui além das árvores?
O homem olhou por cima dos óculos. O arrepio atingiu somente os irmãos dessa vez. A expressão do pai Mimieux era tenebrosa.
- Vocês não vão querer saber o que eu já encontrei caminhando por aí...
Os garotos se entreolharam, e de repente um frio apavorante os manteve presos ao sofá, estáticos. Sem forças nos braços. Era medo. Medo puro e único.
- Encontrei um veado atropelado certa vez... – o homem coçou a barriga – mas não consegui salvá-lo. Encontrei também uma bolsa com dinheiro e pertences femininos, mas não achei a dona. Encontrei meu carro também, arrebentado no fundo de uma ribanceira mais adiante na estrada.
- E encontrou mais o que? – perguntou a voz grossa de Frederico. O homem olhou por cima dos óculos mais uma vez, e então a chaleira apitou. Saiu à francesa.
Mais tarde, já deitado no colchão ao lado da cama de casal onde Amélia realizava o sonho de dormir ao lado do pai outra vez em sua vida, Frederico estava enrolado em dois edredons, o frio ali era constante. Ele não sabia o que era mais aterrorizante: ouvir sons noturnos de outro mundo ou ficar sem ouvi-los. Era perturbador. A noite foi passada em claro, completamente, tentando ligar o celular, tentando fazer funcionar o carregador, mas era impossível.
Nos trinta minutos de cochilo que deu, Frederico sonhou.
Sonhou com uma coisa estranha.
Sonhou com sangue e com sombras.
Sonhou com as montanhas que o rodeavam naquele momento e vultos nas florestas. Vultos escuros de olhos amarelos como a sombra que o encarara sentada no banco do cobrador. Ele acordou-se assustado. Eram oito da manhã agora, e uma única imagem o intrigava. A coisa vestida de branco coroada que aparecera acorrentada no fim do sonho.




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