quinta-feira, 31 de março de 2011
Esta noite...
quarta-feira, 30 de março de 2011
Capítulo VII – Amélia Mimieux e a Borboleta Amarela
terça-feira, 29 de março de 2011
O Coração
domingo, 27 de março de 2011
A Canção da Débil Mental
Doutor me tranque no hospício
Ele não sai da minha cabeça
Doutor, eu reconheço
Isso é doença
Doutor, eu não aguento
Faça isso parar
Doutor isso é o imploro
De uma garota demente mental
À beira de um derrame
Precisando de um tranquilizante radical
Meu coração está em frangalhos
Ansiedade é meu sobrenome
Porque ele não pode ser meu homem?!
Doutor, onde está você?
Nessa minha hora de desespero?
Minha vida já virou um pesadelo
Novela mexicana, ou talvez peruana
Onde está o medicamento?!
Eu não aguento!
Doutor isso é o imploro
De uma garota débil mental
Que precisa de um homem tal
Que me ame, que me ame!
Por Deus, vou ter um derrame!
Necessitando de um tranquilizante
Pra conter essa fúria emocionante
Que emana de mim, vinda de um universo distante!
Doutor me dê um tranquilizante!
Doutor me tranque no hospício
Antes que eu cometa suicídio
Eu sei que são os ossos do seu ofício
Mas é minha vez de falar
Você sabe o que é amar?!
Não me venha com“isso não é amor, é paixão”!
Nem você sabe o que é isso, então!
Não, eu não sinto tesão
Doutor, eu preciso de amor
Só o que eu quero é o amor
O amor de homem tal
Que aos outros olhos parece tão banal
Mas para esse coração é essencial!
Doutor isso é o imploro
De uma garota demente mental
À beira de um derrame
Precisando de um tranquilizante radical
Meu coração está em frangalhos
Ansiedade é meu sobrenome
Porque ele não pode ser meu homem?!
Deus, onde está você?!
Que não traz pra mim meu bem querer?
Eu perdi meu coração
No fogo dessa paixão
Deus, onde está você?!
Pare de se esconder
No meio dessa confusão
E tire esse homem
Do meu coração!
Capítulo VI – Frederico Mimieux e o Buraco na Sebe
sábado, 26 de março de 2011
Hi, People!
quinta-feira, 24 de março de 2011
Capítulo V – Dimitri Mimieux e a Estrada de Cascalhos
Uma cigarra zumbia no meio daquele cerrado, perdida por entre as árvores baixas de galhos tortos e folhas pontiagudas. Chão duro, lagartos e insetos. Uma brisa quente levantou a poeira da estrada de terra batida, amarela, alaranjada, vermelha, uma nuvem quase o cegou.
Ele levantou a cara de dentro da parte elétrica do carro, estalou a coluna e encostou-se no para-choque que havia chutado, olhou ao redor.
- Merda – sibilou entredentes – merda, merda, merda!
Iria demorar séculos até um carro passar ali. Aquilo era um atalho que poucos conheciam. Ele precisaria estar na cidade vizinha às seis da tarde, essa era a hora prevista de chegada, estava perdendo horas preciosas de estrada. Laranjal do Jarí estava longe, muito longe agora. Maldito atalho, maldito.
A saída era admirar a paisagem e se perder nela, tentar abstrair até que uma condução passasse e lhe prestasse socorro. Os ônibus usualmente não tomavam aquele caminho, o caminho mais curto, sempre iam pelo caminho mais longo, mais árduo, mais trabalhoso, pelo simples prazer de maltratar os seus passageiros. Aquela estrada horrenda, tantas promessas de asfalto nunca cumpridas. Nada que os políticos corruptos deste estado falam se escreve.
- Não posso ficar parado aqui, não posso. – homem de quarenta anos impossível, pensava que tinha 20 ainda, Dimitri Mimieux nunca foi acomodado, nunca suportara ficar parado, trocara de profissão tantas vezes, se mudara de tantas cidades, para acabar parando ali, no estado do Amapá, longe de tudo e de todos. Até que não era um mal lugar, mas também não era dos melhores. Ao longo de sua vida já esteve em quase todos os estados brasileiros, exceto no Amazonas e no Acre, já fora oficial do exército por muitos anos até pedir a despensa, e depois disso foi delegado, também foi ator na adolescência e tentou alguma coisa na carreira política, sem muito sucesso. Sua vida foi uma sucessão de mudanças que não deram em nada. Agora ele estava casado havia 15 anos, tinha um casal de adolescentes e uma mulher entediada. Era isso o que ele queria?
O horizonte rugiu. Ele olhou pra trás.
O sol tinia sobre sua cabeça como um sino maligno dourado, mas o horizonte era negro e cinzento, há alguns quilômetros daqui já chovia, Deus abençoava aquele cerrado poeirento cheio de plantas secas e venenosas com a sua tão preciosa água! Havia se lembrado enfim daquele pedacinho de mundo esquecido.
Correu pra dentro do carro. A chuva chegou. Foi uma torrente repentina e avassaladora que nublou toda a sua visão, a chuva foi tão forte que fez a estrada desaparecer em questão de segundos, e o cerrado à beira da estrada se tornou um nada além de vultos distorcidos pela água que escorria no vidro da janela do carro. O mundo lá fora havia sumido, ali dentro estava abafado como um forno. Dimitri abriu o vidro da janela da frente por impulso, para tentar fazer entrar um pouco de ar, mas o que entrou foram jatos e mais jatos de água gelada. Ele fechou.
- Ótimo, maravilhoso!
O tempo pareceu se arrastar, o tédio o estava dominando aos poucos. Tentou todas as posições possíveis naquele banco traseiro, tentando dar conforto para a sua coluna já massacrada pelos anos na luta. Frederico tinha a quem puxar, seu pai era alto, corpulento e musculoso, o filho era uma versão pouco franzina do mesmo, mas tinha os ombros largos, de modo que um carro qualquer não os comporta com o conforto devido, porém o dinheiro estava escasso naqueles tempos difíceis. Dinheiro! Ele estava a caminho de um serviço nessa cidade vizinha, quilômetros que podiam ser percorridos em poucas horas dispensáveis se estivessem asfaltados. Mas que grande porcaria.
Talvez o sol tivesse afetado sua cabeça, talvez aquelas sombras se movendo lá fora fossem só mais variações da distorção da água no vidro da janela do carro, mas quando o homem suado quase adormecia, e algo bateu com força na traseira do automóvel parado de motor inutilizado, ele sentiu que era hora de sair daquele lugar. Aquela estrada estava mexendo com a sua cabeça. Ele tentou se esgueirar para ver do que se tratava, na esperança de que fosse um outro carro. Nada. Não havia nada lá. Mas a coisa que se chocou contra ele fora grande o bastante para movê-lo alguns centímetros.
De repente ele sentiu medo. Era a primeira vez que aquele medo o afetava. O medo puro e indescritível. Ele tinha que sair dali.
Na chuva já fraca ele correu como o Diabo foge da cruz. Correu com todas as suas forças, sentindo-se perseguido, observado, correndo sério perigo de vida. O cerrado acabou e uma floresta densa abriu-se ao seu redor, uma floresta de árvores grossas de copas altas e pouco espaço entre elas. A terra alaranjada e poeirenta havia enfim se tornado barro, sopa de lama, e de repente era como andar sobre ovos, o chão estalava, era como andar a beira de um lago cheio de pedrinhas soltas. Um lago de seixos. Dimitri estava fora de si, flutuando entre seus delírios e a realidade, vendo sombras e vultos, andando por força do sobrenatural, pois forças próprias ele não possuía. Nenhuma. Era um errante, um zumbi, um morto vivo tremendo de frio e de fome.
A chuva parou enfim, e após muito andar, cada passo fazia seus ossos gritarem, eles pareciam vidro cortando dentro da carne, as canelas já estavam duras. Já era noite quando ele encontrou a clareira. O poste acendeu sua grande lâmpada amarela no exato momento em que ele pisou no pátio da casa cor-de-pão. Sentindo os azulejos gelados após retirar o sapato surrado pela estrada maldita. Luz elétrica, ar condicionado, micro-ondas, fogão e muita comida na dispensa, roupas e camas feitas, lençóis quentinhos e um computador antigo que rugia ao ser ligado e fazia tremer a mesinha onde ele estava. Um HD cheio de músicas e mais nada. Nenhuma pista do dono da casa.
O dono nunca apareceu.
Todas as tentativas de achar a saída daquela estrada foram em vão.
E tem sido assim durante dois anos.
Até aqueles dois jovens aparecerem perdidos à sua porta.
terça-feira, 22 de março de 2011
Apelo pessoal...
segunda-feira, 21 de março de 2011
Capítulo IV – Frederico Mimieux e As Feiticeiras das Montanhas
Algumas das criaturas etéreas usavam mantos brancos também, as três primeiras pareciam estar enfiadas dentro de batas de juízes, com todos os babados frontais que se tem direito. Suas flechas eram tão rápidas e tão certeiras que não acertavam Frederico apenas por sorte. Os três seres também usavam coroas, lindas coroas amarelas que lembravam os capacetes dos antigos samurais do Japão feudal, tempos remotos e distantes do oriente, tempos de lendas e assombrações, de batalhas às cegas e assaltos furtivos nas matas. Era exatamente este sentimento que Frederico tinha ao ser perseguido por aquele bando de monstros. Eram sete no total, sete criaturas vestidas em panos exuberantes, luxuosos, riquíssimos em detalhes, cores e formas. Umas tinham rabos, outras tinham orelhas, e algumas até asas, asas de pano e lã. Máscaras de crochê.
Antes de alcançar a encosta da montanha, Frederico atingiu um campo aberto, um campo cinza e pedregoso de monumentos e monólitos pontiagudos e cheios de escrituras antigas, o tesouro que seu pai tanto procurara há minutos atrás antes do ataque daquelas harpias saltadoras.
Assim que o rapaz atingiu o meio daquele campo, o desespero o acertou em cheio como um trem descontrolado nos trilhos: as coisas voadoras o pegariam exatamente ali, num lugar descampado, desprotegido, sem árvores, sem uma caverna ou um arbusto para se esconder. Mas, para sua surpresa, ao virar-se para trás, deparou-se com uma cena intrigante, e muitas coisas lhes foram reveladas:
As criaturas que o perseguiam nada mais eram que belas mulheres fantasiadas, empunhando espadas, adagadas, lanças e arcos de flechar. Vestidas em sua lã, sua seda, seu algodão e seu crochê, usando chifres, coroas e máscaras, rostos pintados ou enrolados em tiras de gaze pintadas em tribal, as “amazonas” por assim dizer estancaram no exato limite entre o descampado de pedra e as árvores da floresta calada.
- QUEM SÃO VOCÊS?! – gritou Frederico. O eco da sua voz sacudiu as paredes ao seu redor – QUEM SÃO VOCÊS?! – ele gritou novamente. Não houve respostas. Elas eram manequins enfeitando vitrines selvagens.
- Biz die cadılar, fırtınalar ve rüzgarlar kızları üfleme bu topraklarda yıllarca sessiz durduruldu sizi çevreleyen dağların sahipleri var! Killer spektrumları olanlar, işgalciler nefret edenler Dağlar Korkutucu tarafından 300 yıldır mücadele edildi!
- Mas que diabos de língua é essa... – resmungou Frederico para si mesmo.
- Bü Türk’s – gritou um dos espectros. Frederico surpreendeu-se com a voz do que até há alguns segundos era apenas um monstro – É turco!
- E porque vocês não falam comigo em português?! – gritou ele de volta.
Fez-se grande rebuliço entre as criaturas. A que havia respondido tornou a falar:
- Tua língua é proibida na nossa terra, humano, estas montanhas se calaram no exato momento em que ouviram a voz do homem pela primeira vez. A floresta prendeu sua respiração e os Espíritos de Olhos Amarelos que servem a Ousama trouxeram aquele a quem tu chamas de pai para calá-la!
A ordem dos fatos estava invertida, mas Frederico entendera exatamente o que havia acontecido. A sombra que ele vira no banco do cobrador era um ser, um ser representante de um povo que agora monopolizava o poder naquela cordilheira. Estes seres trouxeram seu pai para a floresta a fim de calá-la, pois esta, por algum motivo, não gosta da voz dos humanos.
- E porque eles trouxeram a mim e a minha irmã para cá?! – gritou Frederico – o que eles querem, o que VOCÊS querem?!
Mais rebuliço. A mulher respondeu de novo:
- Eles sabem que vocês têm o sangue! O sangue do Rei dos Monstros corre nas veias dos três, o sangue que cala a cordilheira inteira, sangue que será derramado em nome de Ousama na noite da lua vermelha, daqui há duas Coronas. Nosso mundo cairá no abismo, e então o grande terremoto sacudirá as terras do outro lado dele, e os que possuem cornos brotarão da terra como erva daninha, permeando o teu mundo de norte a sul. A nova era irá começar.
- E para isto eu e a minha família temos de morrer?! – esbravejou Frederico, revoltado.
- Não, só tu vais morrer, porque tu és o cordeiro desta oferenda! – respondeu a bruxa – nascestes com o único objetivo de morrer para que uma nova era reluza como um novo sol... Mas se tu morreres antes, a profecia jamais se cumprirá, e o teu mundo jamais sofrerá a Grande Calamidade do começo da Era dos Monstros. Nós, as Feiticeiras Mascaradas das Montanhas repudiamos aos Monstros e aos Humanos, sendo que não fazemos parte nem de uma raça nem de outra, e não permitiremos jamais a união do nosso mundo com o teu! Auriel é como as sombras chamam a esta cordilheira! Este nome nos ofende!
- Então porque vocês não vêm até aqui para me matar?! O QUE ESTÃO ESPERANDO?! – urrou Frederico em resposta, sua voz estava ficando mais alto, e suas lágrimas escorriam cada vez mais sorrateiras e aos montes.
- Este lugar que pisas não faz mais parte do nosso domínio... Tanto que nem as árvores aí cresceram... – ela silenciou por alguns segundos – o solo que pisas é amaldiçoado, é onde os discípulos de Ousama arrebentaram as gargantas de cem porcos em nome de seu rei tirano!
- Mas porque eles fizeram isso?! Qual o objetivo de tanto derramamento de sangue?! – exclamou um Frederico, pouco mais calmo, ainda preocupado com o estado de seus familiares. Teria seu pai sido atingido por alguma flecha ou sua irmã cortada ao meio por alguma lança? Aquela ideia medonha revirava seu jovem estômago de pernas para o ar como se um estorninho estivesse debatendo-se preso nos cordões de tripa ocultos por sua barriga musculosa e lisa como a pele de um bebê.
As feiticeiras gargalharam por trás de suas máscaras de crochê, seus elmos de metal, suas bandagens e vendas.
- Do que estão rindo?! Do que estão rindo?! – Frederico tornou a elevar sua voz.
- De ti, bobo! De ti! – disse a única bruxa que falava a língua dos homens, seu nome ela Kärla, a Caçadora, tinha os cabelos escuros e compridos, brilhantes como as mechas de uma sereia legendária, sua pele perolada misturava-se num balé perfeito com as cores da sua túnica, do seu manto branco rendado, mais lembrava um fantasma do que um ser humano, uma assombração vestida para o carnaval veneziano. – tu não sabes? Não sabes que o maior desejo de Ousama é virar gente? Não sabes que só sangue o libertará da forma monstruosa em que se encontra?
- Claro que não! Eu não vivo aqui! Eu não moro aqui! Eu nem deveria estar aqui, eu deveria estar em casa! – chutou um dos monólitos com força, este inclinou-se e caiu, espatifando-se em meio aos cascalhos, partindo no meio. As feiticeiras olharam estarrecidas àquela cena, silenciosas, apavoradas.
- Tu acabaste de te condenar, humano! Eles estão vindo! – fez a feiticeira, tomando uma atmosfera tenebrosa para si mesma. Uma leva de vultos fantasiados saltou por entre as árvores numa rapidez sobre-humana, sumindo em meio às folhagens como macacos coloridos sem nenhum ruído sequer, assombrações das matas que eram.
- Eles quem?! – exclamou Frederico – ELES QUEM?! – urrou, seu urro ecoou pela cordilheira. Em resposta, um uivo gorgolejante e gutural foi ouvido de norte a sul naquelas terras esquecidas e obscuras, e cada ser oculto pelas sombras contorceu-se de pavor, os cadáveres das feiticeiras mais velhas congeladas e conservadas pelo gelo dos cumes mais altos das montanhas contorceram-se em suas covas ovais de pedra.
- Os servidores de Ousama... – sibilou. E partiu, praticamente evaporou, desapareceu como surgira, num passe de mágica.
O silêncio era mortal, com toda a certeza Frederico estava longe demais da estrada para correr até lá e procurar por sua família, mas havia um frio e um medo, quais ele nunca havia sentido como sentia naquele momento, e aquilo congelava-o dos pés à cabeça, e mantinha cada músculo retesado e esticado abaixo da sua pele, impedindo-o de se mover. Era pavor, puro pavor, como se o próprio diabo o estivesse abraçando, uma presença maligna estava tomando forma ao seu redor, ela era quase palpável, ele poderia esticar a mão e tocar no mal, se pudesse.
A fumaça negra começou a escapar do chão aos poucos, tímida, como se o inferno estivesse queimando abaixo dos pés de Frederico, mas assim que aquela densa névoa negra alcançou suas narinas, seu estômago já fragilizado de medo deu a volta completa numa pirueta mortal. Aquilo fedia, fedia como uma montanha de cadáveres em decomposição, a mão escura e oleosa que esticou-se para fora dos cascalhos feito uma pata de aranha agarrando seu tornozelo foi o beliscão para o seu despertar. O que ele estava fazendo ali?!
- Você está bem, Amélia? – o pai apalpava os ombros e os braços da garota com calma, os dois haviam se arrastado para fora da vala como rãs gordas e preguiçosas, e agora se limpavam da sujeira, retirando folhas e galhos das roupas enquanto limpavam a terra de seus rostos e traseiros.
- Estou, estou bem... – respirava com dificuldade enquanto seus olhos espertos vasculhavam a área, nem sinal de monstros fantasiados, nem de arcos e nem de flechas. O ar continuava frio e parado como sempre fora.
- CORRAM! CORRAM! – os gritos de Frederico ecoavam dentro da densa floresta, pareciam vir de todas as direções, era como se a montanha estivesse falando, berrando, avisando do perigo iminente.
- FRED! FRED! – Amélia livrou-se dos braços do pai e correu floresta adentro. Os gritos pareciam muito distantes, ela não sabia de que direção vinham, estava desesperada.
- NÃO, AMÉLIA! – exclamou o Sr. Mimieux, logo às suas costas, perseguindo a filha numa corrida alucinada desviando de troncos, pedras e arbustos espinhosos.
- AMÉLIA, VOLTA! VOLTA! – Fred surgiu ao fundo da paisagem, rodando seu braço direito no ar, expulsando a irmã da mata, vinha correndo em desabalada carreira, saltando por sobre os obstáculos como um verdadeiro atleta – FORA! FORA DAQUI! OS DOIS! CORRAM PARA CASA! PARA CASA!
- FRED! FRED! – Amélia ignorava os gritos do irmão e do pai, continuava indo ao encontro do rapaz a toda velocidade.
- AMÉLIA, VOLTA! – rugiu o Sr. Mimieux logo atrás, tentando a todo custo alcançar a garota. Os dois caíram juntos, Mia tropeçara numa pedra e seu pai tropeçara sobre ela, e só caídos e de pernas pro ar puderam ver do que o irmão Mimieux mais velho fugia. Uma fumaça negra vinha logo atrás, a toda velocidade, repleta de braços e pernas escapando-lhe por entre as densas nuvens enquanto olhos amarelos nervosos e fora de órbita giravam tontos pra lá e pra cá, era uma imagem grotesca e assustadora. Amélia gritou e levantou-se de imediato, puxou o pai pelo colarinho com uma força que ela nem sabia que tinha e correu. Correu como nunca havia corrido, aos berros, as lágrimas escorrendo e se espalhando pelo musgo do caminho conforme o percurso. Em pouco tempo, a Família Mimieux corria lado a lado, para fora da floresta, para a estrada, com uma nuvem negra amorfa e viva logo atrás, teimando em persegui-los, na tentativa de engoli-los.
Agora não era só Frederico que tinha uma mão negra apertando seu coração com força, seu pai e sua irmã também temiam pelas suas vidas como nunca temeram antes. O ser humano teme o desconhecido como jamais há de temer outra coisa neste ou em outro mundo, e aqueles três seres perdidos na cordilheira desconhecida eram a prova disso, a prova de que estamos a mercê dos nossos medos e das nossas inseguranças. Nas piores horas as pernas falham e os joelhos não se permitem dobrar para dar o impulso, nas piores horas o cascalho cinzento da estrada não parece tão unido quanto antes, as pedras embaixo dos pés estalavam e reclamavam, se esfregando umas nas outras, provocando tombos repentinos em meio à fuga. Era como correr sobre bolinhas de gude, elas encostam umas nas outras e rodam e giram embaixo da sola dos sapatos, te fazendo escorregar e cair.
- A casa! A casa! – urrou o pai, apontando para a clareira que já despontava na vista. E eles não haviam corrido nem três minutos sequer! Ao sair de casa haviam andado por mais ou menos uma hora para chegar àquele lugar estranho onde encontraram o artefato em forma de mão com o olho no centro! Os irmãos Mimieux finalmente viram que o pai falava a verdade, aquele lugar era completamente anormal.
A luta pela vida foi acentuada na subida da ladeira que levava à clareira, se era difícil descer dali sem escorregar, imagine então subir, correndo àquele monte de seixos e cascalho soltos. Era impossível!
Foi então que Amélia soltou um berro de rasgar a parede dos tímpanos. Frederico olhou para o lado e viu a irmão rolar ladeira abaixo como numa esteira, indo em alta velocidade em direção à uma boca negra cheia de dentes brancos que se abrira em meio à fumaça. Para seu espanto, um vulto cor de madeira surgiu no céu. Era um pássaro gigante, uma versão enorme daqueles pequenos passarinhos que fazem ninho nas calhas da casa, daqueles que cabem na palma da mão. Capturou Amélia pela perna e a lançou no centro da lareira, sumindo da mesma forma que apareceu, por entre as árvores, sem deixar sinal.
Aquilo foi tão perturbador que Frederico e seu pai ficaram sem palavras perante tal absurdo, e quando mal deram por si, já estavam no topo da ladeira, com a fumaça negra cheia de braços e pernas logo atrás.
- PEGUE SUA IRMÃ E ENTRE NA CASA! RÁPIDO! RÁPIDO! VAMOS! – urrava o pai no ouvido do garoto. – NADA PODE ENTRAR NA CASA, NADA DE FORA PODE ENTRAR! NADA!
Em uma fração de segundos eles já estavam em frente ao portão fechado, abrindo-o com violência e lançando-se sobre o pátio de azulejos azuis. Por incrível que pareça, a fumaça envolveu a casa como um enorme polvo abraça a vítima no fundo da bacia de corais, mas não entrou pelas frestas das grades. Milhares de olhos se abriram no escuro e ficaram maiores, maiores, grandes como bolas de basquete e estouraram num mar de sangue que tingiu a fumaça de vermelho e a dissipou como mágica. Logo parecia que ela jamais havia existido. E todo o medo deu lugar ao alívio dos irmãos Mimieux.