Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

The Big Machine II - Parte 9


- Não estou muito segura de...

- Gabi, você nunca está segura – Fernando cortou as reclamações pela raiz.

- Mas você por um acaso sabe o que dizem das velhas ruínas?!

- Sei sim, e não estou nem um pouco assustada! – Maxine fez cara de despreocupada e girou a cabeça para trás, evitando comer o cabelo que insistia em entrar na sua boca por causa do vento forte. Estava triste, preocupada, assustada, apavorada e maravilhada ao mesmo tempo, de modo que o seu corpo e a sua alma tomaram-se por um torpor imenso ao lembrar-se do avô ao olhar parar as estrelas.

No estranho céu escuro de Neon City elas não podem ser vistas, por causa da luz tremenda e dos fortes clarões de neon que piscam nos corpos dos prédios de cima a baixo nas noites do deserto. Ao longe, Neon City tratava-se de um gigante corcunda, um vulto colorido, um dinossauro cheio de placas ósseas despontando das suas costas em direção ao céu, um estegossauro de neon. Era uma grande maravilha, uma flor brotando no meio das areias. Mais meia hora de viagem, e então ela desapareceria, ficaria para trás, e as sombras apavorantes dos prédios abandonados de Macapá começariam a surgir como demônios famintos escapando da terra seca. O pouco de cerrado que restou tomou conta de lá. As queimadas e o avanço das cidades e o calor secaram com aquela região, porém grande parte do extinto estado do Amapá ainda encontra-se como uma densa mata fechada. Uma raridade para aqueles tempos inóspitos.

- Além de fantasmas podemos encontrar ETs por lá, e gente morta também! – Gabrielle não parara de falar um segundo desde que a Planária saíra dos céus da cidade, mais parecia uma matraca – sem contar que pode ser lar de gangues do deserto! Gangues do deserto! Aqueles desordeiros que vez ou outra picham os muros da cidade ou assaltam as caravanas que saem de Neon City!

- Gabrielle! Para! Tá bem?! – Maxine segurou os ombros da amiga – nós estamos indo para a chácara do seu avô! Não fica exatamente no centro da cidade, fica nas redondezas! Nós não vamos entrar nas ruínas, é claro que é perigoso!

A Planária voava baixo, aproximadamente dois metros de distância do chão, oscilando pra cima e para baixo vez ou outra, o que fazia Gabrielle soltar uns gritinhos de espanto vez ou outra. Fernando pilotava muito sério, calado, olhos escuros como a noite que os cercava, piscando como duas pérolas negras acima das luzes alienígenas etéreas que escapavam das laterais da moto flutuante. Não havia lua, apenas estrelas e a Via Láctea escorrendo como leite pelo tecido preto do universo acima das suas cabeças. Não havia estrada e não havia sinalização. As poucas placas visíveis estavam destruídas, caídas, tombadas ao chão como cadáveres. Gabrielle sempre arregalava os olhos ao passar por uma delas, esperando ver o rosto retorcido de pavor do defunto que morreu ao léu.

- Estamos chegando, está vendo? – Maxine abraçou a amiga – não há nada pra temer aqui, Gabrielle, são apenas ruínas, abra os olhos – os dedos brancos da garota indicavam os vultos de velhas construções que começavam a aparecer, tomadas pelo mato, engolidas pela natureza após tantos anos servindo de abrigos humanos. Hoje, lar de seres da noite, de criaturas da floresta, de gente abandonada, esquecida. Mal o trio sabia, olhos esbugalhados e sedentos observavam cada movimento que a moto fazia, olhando assustados do escuro, com medo de se aproximar, com medo de serem pegos, com medo da deportação espacial. Voltar para o planeta de origem nunca mais! A Terra é o novo lar deles, daqueles que viajaram anos luz para se estabelecer em cidades abandonadas ao redor do mundo. Clandestinos no mundo.

Fernando sabia muito bem onde era o Apocalipse Hall, sua avó o levara lá muitas e muitas vezes quando era criança, quando ainda era seguro visitar as ruínas da seca e da fome. As ruínas onde algumas pessoas ainda teimavam em residir por medo da tecnologia, por apego ao passado daquela cidade. Aos poucos os velhos foram morrendo, os alienígenas foram chegando, se instalando, o mato foi crescendo, o calor aumentando, até que se tornou impossível sobreviver ali. Mas uma única pessoa aceitou as condições do isolamento, um único ser humano que não abriu mão de seus bens, do trabalho de uma vida toda, aquele velho turrão, aquele velho durão do tipo teimoso que não larga o osso, sangue negro, força de vontade faz parte do DNA, a luta faz parte da história dos seus ancestrais. O velho Pietro continua por ali, cuidando para que pelo menos aquela parte da cidade ao redor do Apocalipse Hall fique em paz, bem cuidada.

Os primeiros sinais foram canteiros bem cuidados, postes acesos, depois a rua tornou-se clara e limpa. As casas acesas como numa noite comum da velha Macapá. Carros como se comprados no mesmo dia, estacionados à beira da calçada.

- Estamos chegando, Gabrielle, olha só, aqui tem luz, os alienígenas que vivem nas ruínas são em geral fotossensíveis, você está à salvo, sua tola! – ele levou a mão para trás e deu tapinhas na coxa da garota, sem descuidar da direção. O primeiro sorriso que Fernando deu desde que saíra de Neon City fora o mais largo do mundo. As luzes aliviaram toda a tensão do momento. Apocalipse Hall surgira como uma montanha laranja ao longe iluminada por luz divina em meio a um mundo de trevas eternas e infernais. Pietro providenciara os holofotes mais poderosos que pudera encontrar, cercara sua casa com tanta luz que era quase impossível de se enxergar ali ao redor, era como entrar no paraíso. A moto sobrevoou o muro e encontrou um pequeno Éden escondido pelas paredes gastas pelo tempo.

- Mas como é lindo! – Maxine estava maravilhada. Plantas tropicais brotavam de todas as partes. Altas árvores despontavam aqui e ali sobre a grama verde, verde como esmeralda pura. O cheiro de mata, o cheiro da natureza, era algo sobrenatural para aqueles jovens que cresceram cercados pelo deserto, pelo metal e pelo neon, pelos cheiros mais artificiais do mundo. – não sei porque, mas isto aqui me lembrou um pouco o filme “Eu Sou a Lenda”!

- Não tinha filme um pouco mais antigo, não, Max?! – riu Fernando, nervoso.

- É um clássico, ok? E é um dos meus favoritos! – enquanto Fernando diminuía cada vez mais a velocidade ao encontrar uma trilha de pedras lisas cruzando a grama e a mata particular que cercava o Apocalipse Hall, Maxine e Gabrielle sentia todo o aroma de uma natureza intocável, verdadeira, pura, sem a mão artificial do homem. Aquelas árvores tinham muito mais vida que as árvores de Neon City, essas pareciam livres, felizes, as da cidade eram como animais acorrentados, sufocados pelos prédios.

A figura daquele prédio antes visto como uma montanha iluminada ao longe ressurgiu entre a mata particular em demasiada majestade que era quase como uma joia perdida, um tesouro no meio da floresta, uma El Dorado dos tempos modernos. Imponente e belo erguia-se na vertical iluminado por holofotes de luzes alaranjadas, tinha aproximadamente cinco belos andares trabalhados exclusivamente em sua arquitetura especial, coroados por um pequeno castelo inspirado na Era Edo do Japão ancestral, de teto pontiagudo e cercado por dragões compridos com suas garras, seus chifres de cervo e seus pés de galinha, cercados por bonsais em tamanho família. Uma velha música tocava ao fundo naquele lugar, “Watcha Think About That” talvez, das Pussycat Dolls. Uma música antiquada e ultrapassada, mas muito valorizada pelo dono daquele lugar.

- VOVÔ!!! – a moto voadora em forma de platelminto mal estacionou ao lado da fonte, Gabrielle saltou feito uma anfíbia para o colo do avô, um velho careca que a esperava de braços abertos com um enorme sorriso estampando seu rosto negro enrugado.

- Gabi! Gabi! Que linda que você está! Que linda que você está, minha pérola negra! – Pietro apertou tanto a neta que mesmo após uma hora Gabrielle ainda estava se sentindo um pouco torta.

- Vamos, vamos! Desçam dessa moto e entrem! Vocês precisam de roupas, de armas, de instrução!

Fernando e Maxine se entreolharam e apenas obedeceram, apertando a mão pesada do eterno proprietário do Apocalispe Hall e cruzando as portas da casa.

- Eu estou à par de tudo, de tudo! – fez ele, trancando a porta atrás das costas dos garotos. O que se revelou para o trio foi um extenso corredor de teto altíssimo, sustentado por colunas lisas onde belas pinturas emendavam-se com os anjos que voavam no teto côncavo em eterna batalha contra os demônios que subiam do abismo pelas colunas. Maxine pisava nos rostos deles enquanto caminhava. – gostou Max?! Seu avô! Coisa do seu avô! Ele que sempre foi todo “nórdico” como a gente costumava chamar pra ele...

Maxine e Fernando ainda estavam um pouco apavorados, surpreendidos, tudo era novidade para elas ali. Fazia anos que não saíam de Neon City, afinal, tudo do que eles sempre necessitaram estivera ali, atrás das paredes de vidro grosso que encerram o olho do mundo e toda a tecnologia, nunca precisaram sair para ver o mundo, para encarar a realidade, nunca houve necessidade disso, e agora eles estavam distantes de tudo o que conheciam, vendo um universo completamente distante e paralelo, a arquitetura assustava, as pinturas assustavam. Tudo ali era mais natural, era mais esférico, mais flexível, mais maleável. Em Neon City as coisas parecem tão duras, quadradas e artificiais perto daquele paraíso erudito que era o Apocalipse Hall.

No final do corredor havia uma escada, por onde os quatro subiram. Gabrielle e o avô dividiam novidades, soltavam gargalhadas, sorriam, se abraçavam, faziam brincadeiras. Fazia cinco anos que eles não se viam. Há exatos cinco anos as ruínas tornaram-se isoladas e proibidas.

- Vamos! – ele subiu à frente do grupo, todo desengonçado – não temos tempo para conversas e cordialidades, meninos. A esta altura Alberta Veronese já deve estar executando seu plano...

O velho apertou um botão na parede, que levantou um dos quadros e revelou um elevador, pra onde os três adolescentes foram empurrados. A subida foi direta, sem paradas ou explicações. Pietro estava muito impaciente e preocupadíssimo, a paz naquele mundo dependia daqueles jovens. As portas do elevador só se abriram para revelar um enorme salão, repleto de armaduras de samurais e objetos de arte oriental em exposição, sendo cortados por um tapete vermelho deslumbrante que terminava num enorme trono de ouro, onde uma coroa e uma estranha máscara na cor vermelha sem os buracos para os olhos descansavam como se abandonadas pelos anos. Maxine estava maravilhada. Ouvira falar daquele paraíso a vida inteira, mas nunca tivera a oportunidade de ver tão de perto assim, e se tivesse visto algum dia, não se lembrava. O grande pesar era ter de passar por ali correndo, sem poder admirar verdadeiramente todas aquelas frágeis relíquias com pesos de anos inteiros nas costas.

Atravessando o salão, havia uma bela e extensa parede oriental, feita de papel de seda selando o bambu em forma de grade, onde uma porta de correr foi aberta por Pietro com uma rapidez surpreendente, revelando uma sala branca onde as paredes estavam parcialmente cobertas por armas de todos os tipos e tamanhos. Uma bazuca gigantesca era a primeira coisa que se via ao abrir a porta.

- Posso ficar com ela?! – fez Fernando.

- É claro que não – a resposta foi curta e grossa.

Pietro fez todo o trabalho ali, pediu para que o grupo ficasse do lado de fora de sala e que não tocasse em nada enquanto ele pegava os itens necessários.

- Estimo que vocês não sabem o que aconteceu enquanto Alberta esteve fora, não é?! – ele não esperou resposta – pois bem, ela estava estudando o Colisor de Hádrons de Genebra, o tal acelerador de partículas que gerou toda aquela polêmica quando foi ligado há décadas atrás... Ela e Maurice estiveram estudando durante todos esses anos uma possibilidade de cruzar as dimensões, e o máximo que foi obtido com a colisão das na época recém-descobertas “partículas de Deus”, foi o vislumbre de uma janela para outro mundo. Um mundo onde o doutor Maurice de lá construiu uma máquina gigantesca e usou do cérebro de um ser humano controlado por ele como placa-mãe... A Carminha Parafuso!

- Sempre ouvi falar dessa mulher, mas nunca soube quem ela era de verdade – Maxine deu de ombros. – ela meio que virou personagem folclórico, hoje em dia todo mundo diz “Tá pensando o que?! Que eu sou a Carmen?!”...

- Isso mesmo! O cérebro da Carminha Parafuso foi usado de placa-mãe para um instrumento chamado “The Big Machine”, um organismo meio humano e meio máquina muito próximo do que no nosso mundo é a ESFERA, mas não tão inteligente quanto ela, pois seu lado humano era influenciado e alienado por Maurice... – enquanto falava, Pietro separava pistolas estranhas, nunca antes vistas por nenhum dos três, provavelmente tecnologia proibida para civis, pareciam ser altamente destrutivas. O tamanho era pequeno, mas seus formatos de geometria aerodinâmica assustavam. – e Alberta queria isso, o controle do cérebro da ESFERA. Aparentemente, ela atravessou para essa realidade alternativa graças ao Colisor de Hádrons que chocou as partículas de Deus em larga escala, e lá descobriu o segredo para dominar o nosso mundo... Agora como, eu não sei, mas que ela sabe, sabe, e vai acabar com tudo o que conhecemos assim que chegar à sala de controle da ESFERA!

Pietro estendeu as armas e os uniformes para o trio.

- Mas ninguém nunca encontrou a central da ESFERA! – fez Gabrielle, apavorada com a ideia de ter que enfrentar aquela mulher assustadora, ou pior ainda, ter de vasculhar todos os milhões de corredores e bolsões da galeria subterrânea que sequer possui um mapa acessível aos cidadãos comuns de Neon City, por serem altamente proibidos para civis. E se eles ficassem perdidos por lá?!

- Isso aí já e com vocês! – riu Pietro. – vamos! Peguem as suas armas!

Os três se entreolharam. A realidade estava batendo à porta outra vez.

Fim da Parte Nove!

(sim, isto virou uma novela)

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