- Max, antes que você se vá... – Pietro parou a angustiada e atordoada Maxine no meio do caminho para as grandes portas que igreja que selavam a saída do Apocalipse Hall, caminhando sobre o inferno pintado nos azulejos. Com o susto, ela deixou cair ao chão sua estranha arma de dois gatilhos – quase me esqueci do verdadeiro motivo pelo qual seu avô a mandou pra cá...
Pietro ergueu seus olhos para os dois outros.
- Vão, subam para a moto, tenho um segredo de família pra contar!
Gabrielle e Fernando se entreolharam confusos, mas não desobedeceram. Afinal, havia um negão de quase dois metros de altura usando um quimono de treinamento samurai embainhando uma espada ninja. Não era muito aconselhável desobedecer as regras de um tipo como aquele, mesmo que este fosse seu avô.
Agora Maxine olhava confusa para a luva verde-escura feita de uma liga metálica indecifrável, fixada no seu braço como fita isolante. Os três já sobrevoavam Neon City e desciam para a entrada dos subterrâneos, por onde entram os caminhões de tratamento de lixo, na ponta mais distante da cidade que em tamanho poderia se comparar à São Paulo de hoje em dia, e continua crescendo e crescendo sem parar.
- Ainda não entendi o que essa luva faz, Max... – Gabrielle levantou seu capacete preto e virou a cabeça para trás, para observar a amiga destraída, hipnotizada pelo brilho fugaz de fogo que a oval jóia encravada nas costas daquele artefato brilhante, exatamente sobre as costas da mão. – é algum amuleto da sorte do seu avô?!
- Não é uma luva, Gabi, é uma “manopla”... – fez Max. A moto planária já descia cortando por entre os prédios e as passarelas suspensas, voando sobre o trem-bala flutuante sob os trilhos de magnetismo – não sei muito bem o que quer dizer, ele só disse que, quando eu precisasse de ajuda, era só me concentrar. Disse que eu tinha o sangue das guerreiras celtas e que meu avô sabia disso. Por isso a “Witchblade” estava guardada.
- COMO É? WITCHBLADE?! – Fernando quase derrubou todo mundo com a guinada rápida e desatenta que ele deu em direção ao túnel que descia aos mais profundos infernos de Neon City, onde o lixo, as fezes e os meliantes eram tratados.
- FERNANDO! – Gabrielle espancou as costas do rapaz – está maluco?!
- A Witchblade é a manopla celta dos quadrinhos! Um grande sucesso que...
- PRESTA ATENÇÃO FERNANDO! – gritaram as duas garotas em uníssono. Gabrielle pegou o queixo de Fernando com violência e o virou para frente. Eles cruzavam um túnel incrivelmente colorido e psicodélico, cinlíndrico até certo ponto, onde suas paredes e sua estrutura convergiam para formar um triângulo por onde os caminhões passavam em alta velocidade num fluxo constante como sangue prateado correndo nas veias. Caminhões totalmente automáticos, monitorados por assalariados da ESFERA. Ao fundo, bem de leve, uma música antiga tocava, Mathematics da Little Boots, como Max identificou, perita nos clássicos.
- O mapa que o tal de Ezequiel-san instalou na Planária mostra todos os túneis... até certo ponto, onde o sinal é interrompido por uma parede de vácuo... – Fernando analisava os complexos gráficos que dançavam na tela holográfica esférica embutida na moto. Os cabelos estavam ao vento, que cortava feroz as roupas de borracha.
- E por falar em Ezequiel-san, estranho aquele velho heim?! Queria saber como o vovô consegue viver sozinho no sítio com ele... – Gabrielle fez uma careta para o carro de lixo que passou ao lado – ele não tirou os olhos dos meus peitos!
A moto deu outra guinada, saindo do fluxo constante de caminhões e indo parar numa espécie de “artéria” menos movimentada. Era o túnel hexágono que levava direto às cadeias subterrâneas, onde os presos mais perigosos flutuavam em bolhas de vidro acima do fluxo do trânsito dos caminhões de lixo, e os comuns em celas hexagonais como as celas onde as abelhas cultivam suas larvas para o amadurecimento do embrião nas colmeias. Não era a toa que a cadeia nacional era chamada de “Abelha Rainha”, o seu formato oval, as pequenas e milhares de celas nas paredes e a sua cor amarelada lembravam em tudo uma colmeia.
- ALI! OLHE ALI! – Maxine apontava para algo que só ela estava enxergando entre os vultos prateados dos caminhões – OLHE! É O CARRO DA ALBERTA! O CARRO FLUTUANTE DA ALBERTA!
- E como você pode ter tanta certeza?! – Fernando era descrente até ver o design aerodinâmico e vermelho brilhante daquela Ferrari monstruosa – é ela! O que uma Ferrari veio fazer nos subterrâneos de Neon City?!
- Siga-a! – gritou Gabrielle apontando o dedo para a frente – SEMPRE QUIS DIZER ISSO! – e vibrou a bunda sobre o banco feito um aparelho celular.
- Olha! Está tocando Goldfrapp! – Maxine já mexia os ombros ao som de Train.
- É impossível uma menina conhecer tantas músicas antigas assim... – resmungou Fernando acelerando até sobrevoar o carro da cowgirl biônica mais procurada de Neon City, camuflados por um dos caminhões que voava logo abaixo, entre eles e a Ferrari vermelha. Foi então que três naves brancas surgiram de túneis paralelos que desembocavam na colmeia gigante. Maxine percebeu que se tratavam de robôs na verdade, robôs brancos em forma de abelha com um olho só! Um brilhante olho de vidro que emanava luz cor-de-rosa feito lanternas pavorosas. Inclinando-se a toda velocidade sobre o carro de Alberta, as abelhas albinas utilizaram de seus ferrões equipados com potentes metralhadoras para explodir o carro vermelho em milhões de pedaços. Os três jovens gritaram. A frota de perseguição já estava cruzando feito bala outro túnel a esta altura, há vários quilômetros de distância da Abelha Rainha. As luzes azuis de neon cegavam os motoristas que não usavam óculos escuros ou capacetes equipados com tal ferramenta. E então mais três Ferraris vermelhas cruzaram o pequeno espaço acima das cabeças dos três, voando como marimbondos furiosos ultrapassando a tudo e a todos que cruzassem seu caminho. As duas estranhas naves em forma de abelha explodiram após a passagem do bando, como se tivessem sofrido um ataque tão rápido do qual não puderam escapar. Fernando acelerou como nunca.
- VOCÊ ESTÁ LOUCO?! VIU O QUE ACONTECEU COM AS VIGIAS? VAMOS MORRER SE CONTINUARMOS ESSA PERSEGUIÇÃO! – berrava Gabrielle.
- CALA A BOCA GABRIELLE!!!
Duas das Ferraris voadoras estancaram mais à frente, voltaram-se para a planária que estava a meio caminho e colocaram suas línguas pra fora, duas armas de destruição sísmica poderosas.
- PRA BAIXO! – gritou Fernando. As duas passageiras se inclinaram, a moto desceu em mergulho até o fundo do túnel, onde Fernando fez uma força sobre-humana para colocá-la no curso vertical outra vez. O tiro dos dois canhões foi o bastante para explodir cinco caminhões que vinham logo atrás. Eles estavam cada vez mais perto do primeiro Triturador. Um monstro metálico cheio de dentes que abria e fechava sua boca de ferro no subterrâneo durante 24 horas por dia, o destino final de todo o lixo de Neon City. Lixo esse que é separado com responsabilidade entre vidro, plástico, papel, metal e orgânico pelos moradores. Para cada um destes havia um triturador diferente. A última Ferrari restante estava ultrapassando o segundo Triturador àquela altura. Ali próximo, os caminhões já diminuíam o ritmo e estacionavam nas plataformas de onde o lixo era despejado. O trio sobre a moto sobrevoou rente aos dentes ferozes dos fossos gigantes, estavam em desabalada perseguição, de olho no vulto vermelho que dançava em alta velocidade à luz dos tubos de neon em arco-íris que recobriam as paredes dos túneis.
- Não sei por que, mas isso de algum modo me lembra Speed Racer... – foi a reflexão-mór de uma nervosa Gabrielle, gelada de medo.
- Qual o grande comentário depois desse, Gabi?! – gritou Fernando, tentando descontrair. Ele gargalhava, a adrenalina estava correndo em quantidades absurdas nas veias dele.
O fluxo de trânsito praticamente sumiu. Nenhuma nave sentinela à vista. Início da área proibida: os veículos ultrapassaram os hologramas em forma de teia com os avisos brilhantes sem sequer parar para piscar. Ao todo foram seis paredes falsas em forma de teia com a mesma frase “ÁREA PROIBIDA, AFASTE-SE”. Uma de seda, uma de lã, uma de bambu, outra de madeira, outra de concreto e uma de ferro. Após elas, um grande abismo se abriu, e um fedor horrendo fez com que Gabrielle vomitasse no escuro da maior fossa do mundo. Um super ventilador soprava o odor insuportável pra baixo, mas isso não adiantava, o fedor ali era insuportável. Era o primeiro estágio da geração de energia em Neon City. A entrada do próximo túnel ficava logo adiante, onde eles foram recebidos por um banho de desinfetante, perfume, água e sabão.
- Veja pelo lado bom, pelo menos a moto está limpa agora! – riu Fernando.
- E nós perdemos aquela vaqueira dos demônios de vista! – resmungou Maxine.
E então um escudo anti-gravitacional foi ativado, e a moto não pode mais voar, ela foi descendo lentamente até postar-se exatamente ao lado do carro abandonado de Alberta Veronese. O túnel tornou-se estreito e quadrado como um corredor, e as paredes mais à frente eram brancas como leite, e brilhavam como a lua. Maxine foi a primeira a meter o pé no azulejo branco do chão, que brilhou azul, e aos poucos ela foi descobrindo que cada um dos quadrados do chão piscava numa cor diferente.
- Venham! Não tem perigo!
Gabrielle e Fernando entraram no mundo branco e psicodélico. Receosos, mas entraram.
Fim da Parte Dez!
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