- Porcaria de frio! Porcaria de frio! – exclamava Alberta, passando pasta de cacau nos lábios em curtos intervalos de tempo. – se os idiotas do mundo tivessem dado ouvido aos avisos antes! Agora olhem pra isso! Olhem! “Não, vamos continuar jogando carbono na atmosfera! Estamos lucrando mesmo!” – fez ela, sarcástica – bando de filhos da mãe! Se eles soubessem o quanto é difícil e caro criar comida artificial em laboratório, tinham parado com a porcaria da poluição a tempo!
- Dê-me a sua mão, senhora, eu lhe ajudo a descer – ofereceu-se o co-piloto do helicóptero. Alberta Veronese deu-lhe um tapa na mão.
- Tá pensando o que? Que eu sou alguma velha acabada?! – gritou – eu sei muito bem descer sozinha! Com licença! – ela empurrou-o, bruta, e desceu pisando firme no chão de gelo, fincando pé na neve macia com o salto da sua bota. O uniforme era o mesmo, mas agora tratava-se de uma versão própria para o frio constante europeu. O aquecimento global e a inversão térmica tornaram grande parte do hemisfério norte do mundo uma grande calota de gelo. A Europa conserva hoje em dia apenas 15% da sua população anterior, o que ainda é muita gente. O frio em algumas áreas chega a -60º no inverno, o que torna insustentável a habitação constante daquele local. Grandes cidades como Paris e Londres viraram apenas ruínas de gelo, constantemente explorada por antropólogos, arqueólogos e sociólogos mundiais, vindos do hemisfério sul do globo, onde se encontra 80% da população mundial em grandes capitais como Dubhai, Neon City e outras.
- Onde está a maldita ruína?! – berrou Alberta. Ela era acostumada a dar berros constantemente, mas nunca imaginara que sua voz esganiçada fosse ser tão necessária. O vento forte e a nevasca faziam tudo virar um inferno, era impossível de ouvir alguma coisa dita a baixos decibéis.
- Você está pisando em cima dela, senhora! – gritou o co-piloto.
Alberta ergueu seus olhos para a paisagem. Não teve coragem de levantar seus óculos de proteção. Até porque era altamente desaconselhável, a não ser que você queira ter suas córneas congeladas. No horizonte, robôs gigantes trabalhavam retirando a terra e a neve na paisagem cinza. Homens e mais homens desciam e subiam da cratera gigantesca, 21 km de cratera, para ser mais exato.
- No momento eles estão procurando a entrada do laboratório, minha senhora. – esclareceu a chefe de exploração e cientista-chefe oficial de Alberta, Mariana Hesketh, era esta a mulher que estava no controle por aquelas bandas. Estudaram juntas praticamente a vida inteira, separando-se apenas com a chegada do período em que cursaram faculdade. Mariana resolveu fazer Farmácia, e acabou se tornando uma exímia manipuladora de compostos químicos e da ciência. Como grande amiga de Alberta, acabou sendo a primeira cotada para o cargo de braço direito da velha fazendeira quando a ESFERA deu-lhe o ofício logo quando chegou a Neon City. As duas costumavam ficar sempre em primeiro e segundo lugar com relação às notas na lista de melhores alunos da turma. Eram dois cérebros e tanto.
- Quero que encontrem essa entrada o quanto antes, Mariana, precisamos ligar essa máquina urgentemente!
- Você acredita mesmo que essa parafernália toda ainda funciona depois de 40 anos debaixo de nevasca constante? Eu duvido muito, amiga, vai por mim... – Mariana ajeitou seu penteado Chanel em V, o vento o estava destruindo completamente. Já era uma velha àquela altura, mas uma velha muito conservada, ao contrário da amiga. Ela costumava se cuidar bastante, sempre teve o rosto muito limpo, desde a adolescência, era uma das mais bonitas da turma. Agora estava magra, praticamente seca, seus cabelos lisos escuros agora curtos e brancos, o que reforçava seu ar de superioridade mais ainda.
- Sejamos otimistas, Mariana, isso não pode falhar, não agora! Estou a apenas um passo de encontrar com Maurice, apenas um passo e ele me dirá como assumir o controle da ESFERA!
- Você sabe que estamos enviando informações falsas para a central da ESFERA, tanto do laboratório central em Neon City quanto daqui das explorações, e isso é crime duplamente qualificado contra a Ordem e a Segurança Mundial.
- Somos inteligentes o bastante para driblar aquela sucata – Alberta tirou os olhos da paisagem e voltou-se para a amiga, que por trás dos óculos de proteção e dos cabelos brancos tinha um ar de descrença e desesperança. – ora, vamos, Mariana! – tentou animar – a ESFERA é só uma máquina, ela não é Deus!
- Mas é justamente disso que tenho medo, Alberta – Mariana pegou as mãos da amiga e apertou. Era um exercício de aquecimento, mas também era um exercício de compreensão. – a ESFERA não é Deus. Deus teria piedade de nós se pedíssemos perdão. A ESFERA não. Ela é uma máquina, ela é exata, ela não tem sentimentos.
- Não se esqueça que ela é metade humana!
- Mas quem é o humano por trás dela? De quem é a metade do cérebro que é humana naquilo? Qual a verdadeira forma da ESFERA? Nenhum de nós sabe Alberta, nenhum de nós...
- Senhora! Senhora! – o ambiente estava repleto de esferas de metal flutuantes através de onde os trabalhadores se comunicavam. Uma delas veio voando até Alberta. – Senhora Alberta! Senhora Alberta! – as esferas comunicadoras eram equipadas com telas holográficas e duas antenas receptoras de sinal. As imagens exibidas logo em seguida pela esfera que veio até Alberta aos berros deixaram-na completamente chocada. Como ela poderia ser tão sortuda assim? – Senhora Alberta! Nós a encontramos! Nós a encontramos!
- EU NÃO TE FALEI? EU NÃO TE FALEI?! – Alberta sacudiu a amiga e deu-lhe um abraço nervoso de estalar os ossos. Um rosto surgiu na tela do comunicador, tratava-se de um dos operários de confiança de Mariana Hesketh.
- Nós a encontramos, Senhora! A entrada para o laboratório do Grande Colisor de Hádrons foi encontrada! – o homem aparentava muito nervosismo. A tela em seguida mostrou a porta e alguns outros homens retirando a terra e a neve com a ajuda de pás e braços mecânicos. Um tatu robô fazia o trabalho mais pesado que era tirar as grandes pedras do caminho, mas grande parte da entrada já era bem visível.
A velha gargalhou, e sua risada cortou a nevasca como uma lança afiada.
- Não tem muito o que fazer mesmo, Maxine, fica calma! – Miguel passava suas mãos nas costas da garota, isso costumava acalmá-la um pouco.
- Não tem muito o que fazer mesmo, Maxine, fica calma! – Miguel passava suas mãos nas costas da garota, isso costumava acalmá-la um pouco.
- Como eu vou ficar calma?! – gritou, cuspindo Ruffles pra todos os lados. Fernando, Miguel, Gabrielle e Tifa protegeram a cara. – a Octopus era a minha vida! Onde eu vou tocar agora? Na esquina da Warhol’s Square?! Olha bem pra minha cara!
- Maxine, por favor, você vai ter um infarto se continuar comendo tantas Ruffles assim! – Gabrielle recolhia do chão os outros três sacos de batatas consumidas pela amiga. Hoje Gabrielle estava mais chamativa do que nunca. Um conjunto violeta de couro com Strass por todo o corpo, um moicano vermelho e brincos gigantescos de miniaturas de saturno complementavam seu visual. Não era preciso nem citar a maquiagem. Sorte dela que nesses tempos é permitido quase qualquer coisa nas escolas.
- Tomara que eu tenha mesmo um infarto! Um infarto bem grande que me mate logo de uma vez!
- Não fala besteira, menina! Bate na madeira! – Tifa levou a mão ao peito, estarrecida, meteu seu pirulito azul na boca.
- Onde tem madeira? Onde? Nossos bisavós acabaram com tudo! – retrucou Maxine, revoltada – bando de leigos, isso o que eles eram!
- Não desconte sua raiva nos antepassados, Max – Miguel ainda tentava a tática de esfregar as costas. Maxine deu-lhe um tapa para que tirasse a mão dali.
- Eu tenho uma ideia – pela primeira vez após o fechamento da boate, Fernando se pronunciara, estava abalado demais para falar alguma coisa. Ele tragou mais um pouco do cigarro eletrônico à base de água e virou-se para o grupo. – vamos fazer um protesto, um protesto no prédio da empresa deles. Um grande e violento boicote.
- Acho que seríamos presos e passaríamos dois meses nas galerias subterrâneas – concluiu Tifa, que costumava piscar muito quando estava fazendo esforço pra pensar – e eu definitivamente não quero passar tanto tempo assim ali embaixo do estrume. Já pensou se algum cano estoura? Eu já ouvi uma história que...
- É tudo mentira, Tifa – interrompeu Gabrielle. – os canos do Sistema de Dejeto Ecológico não estouram nunca! O programa de TV falou sobre isso ontem. O nosso cocô desce pela tubulação, vai para os canais subterrâneos de tratamento, desce para as fossas e é transformado em energia, igual como algumas fazendas faziam no começo do século. Assim não esgotamos os últimos recursos naturais do planeta. – ela terminou com um sorriso.
- Nada de propaganda do governo aqui, Gabrielle, é por causa dele que estamos sem o nosso habitat natural. – disse Fernando, sério.
Maxine se levantou, catou o patinete e meteu a mochila nas costas. Olhou para todos os rostos de pé na calçada, todos desempregados e voltou-se para o grupo.
- Eu não sei vocês, mas eu vou fazer a Senhora Alberta Veronese ouvir algumas coisas hoje!
Fim da Parte Quatro! (tomara que não fique tão grande quanto o outro ‘-‘)
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