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sexta-feira, 9 de julho de 2010

The Big Machine II - Parte 5



- Isso é completamente insano, Maxine – vovó Augusta abriu o forno e retirou de lá uma bandeja cheia de suspiros, ali naquela fornada havia o bastante para alimentar toda a turma de Maxine, que naquele momento abarrotava a cozinha do apartamento da velha sem ter nem onde se sentar. Miguel e Fernando estavam de pé, Maxine e Tifa sentadas nas cadeiras e Gabrielle brincando com o cachorro, ajoelhada no chão quadriculado. – aquela mulher não recebe ninguém, absolutamente ninguém diretamente no escritório dela!
A velha largou a bandeja na mesa e colocou as mãos na cintura. Os adolescentes, netos de seus amigos de escola atacaram os quitutes na mesma hora.
- Mas ela vai me receber! Ela vai receber a todos nós! – Maxine foi a única que não levou o doce à boca. – ou eu não me chamo Maxine Fernandes! – deu um soco na mesa.
- Quebra essa mesa, sua moleca, que teu avô vai pagar! – vovó Augusta era mãe de Stéphanie, e era uma senhora de idade muito comum para aqueles tempos. Tinha algumas tatuagens nos braços, gostava de andar sempre maquiada e de cabelo feito, tingido de preto, as unhas sempre pintadas numa cor diferente a cada dia, era uma velha e tanto. Gostava de cozinhar às vezes. Nas raras vezes que a jovem Maxine a visitava.
- Desculpa vovó – Maxine recolheu as mãos para o colo e deu uma risadinha amarela.
- E vovó nada, pode me chamar de Guta, eu já disse! – ela ajeitou a franja. – assim você me faz sentir velha demais. E eu sou macaca do rabo pelado, mas nem tanto...
- Dona Guta, é verdade que você chegou a fazer colegial com a velha Alberta e o braço direito dela, a Miranda Hesketh? – Gabrielle levantou-se e encostou-se na parede, com as mãos nos bolsos. O cachorro continuava pulando na sua perna. Um cachorro biônico que tinha função de alarme contra assalto e incêndios e nas horas vagas servia de aspirador de pó.
- Não só eu fiz como os avôs de todos vocês fizeram! – a velha Augusta fez uma careta e virou-se para a porta da geladeira, espelhada, para dar uma olhada na aparência. Fez uma careta ao lembrar-se da intragável Alberta Veronese em seus tempos de adolescência – mas vocês não têm noção de quem era essa Alberta no colegial! – a velha vaidosa puxou uma cadeira e sentou-se – aquilo era metido à gente que vocês nem imaginam! Tinha o rabo desse tamanho, achava que era a dona do mundo, se achava melhor do que os outros, fazia pouco das pessoas por trás e pros adultos e professores fazia cara de santa com aquele cabelinho loiro enroladinho, aquela vagabunda... E o pior é que a safada era inteligente mesmo, não se podia negar, aquilo era um gênio... Mas um gênio do mal, com certeza – a mulher tomou um gole de chá verde e ofereceu xícaras pro resto do grupo, compenetrado na história. – ela era o tipo de pessoa, o estereótipo que vocês vão encontrar em qualquer escola do mundo! A garota loira, boa moça, inteligente e maligna, o tipo de pior espécie, aquilo que vai longe, sabe? – Augusta deu uma gargalhada – e o pior é que a safada era sapatão, e era hipócrita até o osso, E AI DE QUEM DISSESSE QUE ELA ERA ISSO! – disse, dando voltas com o dedo indicador no ar, fazendo pouco. Suas deslumbrantes argolas verdes sacudindo nas orelhas. Os garotos riram à beça da mulher, ninguém usava aquele termo depreciativo e pejorativo há muito tempo. Vovó Augusta tinha um ar adolescente tão aconchegante que os deixava muito à vontade para fazerem piadas e soltarem gargalhadas. – isso é o mínimo que eu posso adiantar dela, antes de todas as outras coisas. Ela tem algum tipo de síndrome do exclusivismo sabe? Se acha a poderosa. Nunca vai deixar vocês subirem ao escritório dela. Nunca.
Maxine arrastou a cadeira para trás.
- Isso porque ela ainda não me conheceu!
Augusta deu um tapa na mesa e se levantou.
- Ora, Maxine, meu poupe! Está sendo birrenta e mimada, menina! – fez a velha – era só uma boate! Só uma boate! Os pais de vocês têm dinheiro suficiente juntos para abrir outra, e aproveitem que o pagamento mensal da ESFERA está saindo esse final de semana!
- Não era só uma boate, vovó, era o ganha pão de muita gente, desde garçons à dançarinos e funcionários de limpeza, e inclusive o meu! Não parecia, mas eu ganhava pra ser DJ ali, e a senhora não sabe como é difícil hoje em dia arranjar um emprego nessa cidade, os bons cargos foram todos ocupados e a central de empregos computadorizada da ESFERA está mandando um bocado de gente de volta pra casa por falta de vagas todo dia...
- Deixa de besteira, menina! O que mais tem por aí é bar e boate abrindo, vocês encontram outro lugar pra brincar! – Augusta levou mais chá verde à boca.
- E aliás, acho que a empresa dessa mulher já tem prédios demais pela cidade! Já chega de laboratórios – Maxine estava quase ficando sem respostas.
- Isso, chega de laboratórios, com a cidade crescendo tanto, chega de laboratórios que produzem a nossa comida, vamos todos morrer de fome! – Augusta fez uma careta. – é por um bem maior, minha filha, vai por mim.



- Sabe, Max, acho que sua vovó está certa por um lado – disse Tifa, receosa, enquanto as duas caminhavam à noite para casa. A selva de neon povoada de tantas aberrações culturais nunca esteve tão radiante e colorida como naquela noite. Grupos de dança se apresentavam em plena via pública, artistas sobre pernas robóticas equivalentes às nossas pernas de pau dos dias atuais cuspiam labaredas de fogo, alienígenas de oito braços pintavam telas belíssimas à luz dos grandes prédios resplandecentes enquanto a batida frenética do Dark Disco retumbava nas células do metal, do couro, do vinil e do neon. Mulheres assustadoras desfilavam com sua maquiagem assombrosa e seus penteados insanos por toda a avenida, as lojas de departamentos apinhadas de gente, os shoppings daquela área lotados. Mistura maluca de Tóquio, Nova York e Índia.
- Acha mesmo que eu estou sendo infantil, Tifa? – apesar de toda a animação da Warhol’s Square, Maxine caminhava de cabeça baixa.
- Um pouco, na verdade... Existem um milhão de boates por aí, vamos arranjar um point novo, eu tenho certeza...
- Mas a Octopus era... a Octopus! – Maxine bateu com o pé no chão e olhou para cima. O prédio em forma de seta da “Fazendinha da Tia Alberta INC.” dividia a Warhol’s Square no meio, tendo em seu térreo um hiper mercado com tudo o que se tem direito. Os olhos de Maxine brilharam e ela agarrou o braço branco e gordo da amiga que derrubou seu querido pirulito azul no chão. – vamos, Tifa! Eu não vou ficar aqui zanzando pelas ruas sem fazer nada! Eu simplesmente não suportaria!
- Ei! Meu pirulito! – foi a única coisa que Tifa conseguiu gritar antes de ser arrastada pra dentro do mundo Texano que era o maior mercado do mundo. Aquele monstro fora projetado para ser um parque de diversões alimentícias, com direito a touro mecânico, fazendinha de animais-robôs super realistas, cascata gigante de leite desnatado e chapéu de caubói para os visitantes, sem contar as outras inúmeras atrações do parque e as infinitas opções de produtos para compra e consumo, todas sobre o carimbo tamanho 44 da Cinturão de Ouro. No hall central, uma vaca gigante balançava o rabo, soltava fumaça pelas ventas e mugia de verdade, e Tifa estava sendo arrastada em meio à tudo aquilo como um dos carrinhos de compras em alta velocidade, desgovernadas as duas adolescentes estavam.
- Onde será? Onde será? – Maxine estancou de repente, respirando com dificuldade, apoiou as mãos nos joelhos e abaixou a cabeça, seus cabelos escuros fora de moda grudados na nuca. As duas estavam na sessão de frigoríficos. – Onde está, onde está?!
- O que você está procurando hein?! – Tifa já chupava outro pirulito enquanto olhava as prateleiras térmicas lotadas de frangos assados na hora. Maxine não agüentou, teve de se sentar um instante no chão mesmo.
- A entrada para o depósito do frigorífico! – exclamou ela – todo super mercado tem uma porta escondida para os depósitos, e geralmente ficam perto da área dos congelados ou dos frigoríficos...
- Você é bem observadora hein? – a amiga esticou a mão para ajudar Maxine a levantar. As duas agora estavam de pé, de volta à caça.
- Não falei! Olha lá! – Maxine iniciou outra corrida desembestada, arrastando a pobre amiga de cabelos azuis junto com ela.
- Maxine, calma! Eu vou acabar vomitando meu lanche da tarde todinho!
Entre a sessão dos iogurtes e a sessão de carnes e peixes, Maxine e Tifa encontraram a porta para o freezer do país das maravilhas, e por sorte, sem nenhum funcionário ou cliente à vista para delatá-las. Se fossem pegas no ato, iam passar a noite numa sala de aula aprendendo a respeitar as leis do sistema operacional em prol de uma humanidade mais unida e respeitadora, o que era um saco, pra falar a verdade.
- E agora, qual o plano brilhante? – a voz da gordinha ecoava por entre as prateleiras acinzentadas do mundo gelado. O hálito das duas formava nuvens no ar daquele depósito. – olha só! Sorvete de uva! – Tifa largou o seu pirulito azul para atacar um dos potinhos que estavam dando sopa logo ali ao lado.
- Não toque em nada, Tifa! – Maxine deu um tapa na mão da amiga – Se não, atenderemos por roubo e vamos passar uma semana prestando serviços no jardim de infância da escola!
- Ahá! Eu sabia! Olha só! Outra porta! A porta para os laboratórios!
Aos fundos do galpão, uma porta de saída no canto esquerdo, escondida por uma arara cheia de lingüiças penduradas como casacos sobre a armação de ferro. Maxine hesitou: olhou para trás. Silêncio, frio, gelo e alimentos conservados.
- Vamos, Max, esse lugar me dá arrepios! – Tifa segurou no casaco da amiga. Mas e se por um acaso do outro lado houvesse guardas, seguranças ou funcionários esperando por elas? Como elas iriam lidar com isso? O que iria ser delas? Maxine fechou os olhos, prendeu a respiração e abriu a porta com toda a força. Do outro lado havia apenas um corredor deserto, um corredor redondo esterilizado com cheiro forte de hospital.
- Onde será que isso vai nos levar? – as duas prosseguiram a caminhada pelo sinistro corredor branco, sempre olhando para trás, atentas ao mínimo dos barulhos, pé ante pé, na surdina, sussurrando. Mas mesmo um sussurro ali soava feito trovão no teto côncavo.
- Você está ouvindo isso? – perguntou Tifa, tirando o pirulito da boca.
- O que? – Maxine estancou. Um arrepio lhe subiu a espinha.
- Parecem gritos! – Tifa fez uma careta de pavor e deu meia volta – não vou mais a fundo! Não vou! Vou pra casa porque tá quase na hora da vovó colocar a janta! – Maxine puxou a amiga de volta.
- Volta aqui!
- Eu não! Vai ver eles estão torturando os enxeridos que invadiram os depósitos como castigo! Eu é que não vou ficar pra saber de onde esses gritos estão vindo!
- Temos que ir adiante nisso! Agora a coisa ficou bem séria! – Maxine olhou para trás – temos que saber de onde estão vindo esses gritos e chamar a polícia! Vai ver eles estão fazendo algo fora da lei aqui!
- Não tem como, Max! A empresa da Alberta é um dos braços principais da ESFERA e do sistema dela! Se algo está sendo feito aqui é porque a central deu total permissão, e tenho certeza de que há uma explicação legal e lógica para todos esses...
Um grito feminino cortou o corredor. Até agora o mais alto de todos. As duas tremeram nas bases. Maxine correu em direção ao final do corredor, e ao ver duas sombras se projetando na parede da bifurcação onde o caminho se divide em dois, jogou-se no chão e pregou as costas na parede. Vozes ecoaram ali.
- Eu achei isso abominável! – disse uma voz feminina.
- Era apenas um clone, e defeituoso! Veio com câncer no útero! – explicou a voz masculina.
- Mas trata-se de uma vida, meu caro, uma vida HUMANA! Criada em laboratório, mas humana!
- Você só pode ser nova por essas bandas não é? Honre o seu contrato e fique calada, ou a central manda te matar assim que você sair daqui!
- Está ficando louco?! – a mulher ficou assustada.
- Não, doutora, são como as coisas funcionam. Se Alberta mandou, é porque a ESFERA mandou, e devemos obedecer bem calados.
- E o que acontece com os clones que são jogados aí, nessa sala?
- Você não vai querer saber...
Os passos caminharam pra longe. Maxine olhou para o lado direito. A amiga estava agachada feito uma sapinha ali ao lado.
- Fique aqui! Eu vou ver onde ele jogou o tal clone!
Max levantou-se e caminhou com o coração na mão, a passos lentos e calculados, os olhos do tamanho da lua, o peito quase criando vida própria. Uma porta dupla de metal encerrava o segredo. Estava entreaberta. Seus dedos morenos deslizaram para fora das longas mangas do casaco, tocaram no frio mineral gélido e opaco que refletia uma versão de seu rosto retorcida e mal formada. Os dedos deram o empurrãozinho que faltava para que ela pudesse ver uma multidão de mulheres penduradas de cabeça pra baixo naquele galpão, como frangos prontos para o abate, acorrentadas e amordaçadas, todas com o mesmo rosto de nariz de batata, cabelos loiros encaracolados e olhos quase fechados. Braços mecânicos as manuseavam para cima e para baixo, pendurando-as e desprendendo-as das altas araras para jogá-las em um monstro robótico incinerador ao qual os braços pertenciam. Maxine fechou a porta, virou para a amiga e sussurrou:
- Corra. Corra Agora.



Fim da Parte Cinco!

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