Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

L.A.M.B. - A Wonderful Holiday [parte2]


Agora sim! Vou contar pra vocês um pouquinho do que aconteceu no Círio de Monte Dourado e do nosso incrível [e desesperador!] passeio até a cachoeira de Santo Antônio, subindo o Rio Jarí...

Passei o dia anterior todinho dizendo que não ia de jeito algum ao Círio pela parte da manhã. Eu não queria caminhar, de jeito nenhum! Que pecado eu tinha de pagar? Nem promessa eu havia feito para a Santa... Quanto aos pecados, eu só tinha uma pagar, porque o outro as pessoas consideram pecado, mas não tem nada demais nisso, então, forçado fui ao Círio, caminhar atrás da Santa e louvar e agradecer. Quando chegamos à beira onde se pega a catraia a Santa já havia atravessado para Monte Dourado, e quando chegamos lá do outro lado a procissão já subia a ladeira, e rapidamente nos misturamos aos outros penitentes que iam se abanando, conversando, batendo foto, filmando ou rezando.

Papai leva essas coisas muito a sério mesmo [é pecado demais nas costas, meu bem ;p], passou a metade do percurso de cabeça baixa enquanto eu ia com a cabeça lá no alto, olhando tudo o que acontecia de cima, não porque eu fosse metido ou estivesse desrespeitando quem rezava, pedia ou agradecia, é porque eu sou alto mesmo viu? No começo nem estava tão quente, mas logo começamos a sentir o calor do mormaço forte, o dia era nublado e o ar estava parado, com raras brisas.

Se bem que eu nem suei tanto, papai que parecia estar derretendo. As meninas também nem ficaram tão suadas, a não ser que eu não tenha visto! [estavam conosco somente Yara e Lore, porque a Mimi. ainda está de resguarda e a Camilla tinha de arrumar a casa e lavar a louça! Ô sortuda essa menina, não?].

No final das contas foi uma experiência ultra divertida e sadia, porque caminhamos todos juntos e em nome da nossa religião [eu sou católico apesar de eu ter ficado o dia anterior todo dizendo que não ia para o Círio porque era hinduísta e só caminhava pra Lorde Ganesh XD]. Eu tenho certeza que perdi pelo menos 500 gramas em toda aquela penitência, e ainda bati com olho em algumas caras conhecidas. Marcus e a turminha dele estavam por lá só de passagem para olhar, pagar pecado que é bom, nada. Marcus mudou muito depois da briga que separou a todos nós, eu, Jamile, Brenda, Raíssa e ele. Dizem que ele anda por aí em más companhias, mas disso eu não sei porque nem moro aqui...

Eu nem o teria visto se não fosse a Raíssa, que surgiu do meio da multidão de branco sacudindo sua mão no ar, as unhas vermelhas como o sangue e longas como garras de gata. Acenava para mim de longe e passava pó no rosto, uma verdadeira patricinha, foi até engraçado vê-la falando alto toda espevitada e agitada no meio daquela gente toda calada e séria, o pessoal ficou olhando que só, porque ela falava alto no telefone, xingava, passava maquiagem e se olhava no espelho. Como ela estava diferente! Quer dizer, os olhos dela continuam lindos e espertos como sempre foram, e o corpo continua a mesma coisa, mas havia um algo a mais que eu não soube identificar... Será que... Ah, mas é lógico!

É melhor nem comentar o que eu pensei agora gente, deu até medo! O.o’

Tudo bem, adorei revê-la e conversar com ela aquele pouquinho de tempo que caminhamos lado a lado um pouco à frente do meu grupo na procissão que percorria as ruas bem arborizadas e arejadas de Monte Dourado. Ela procurava desesperadamente pelo namorado, comentou que estavam em desencontro desde que ela havia chegado com o pai. Me convidou várias vezes para acompanhá-la até a praça, agradeci e disse que não, porque estava com papai e que depois dali iríamos todos almoçar em família.

Ela disse que precisava de um táxi urgente, passou a mão nas minhas costas e correu para a rodovia aberta para os veículos. Caminhamos mais uns quilômetros em silêncio, comentando baixinho sobre o estado em que se encontrávamos, e sobre o tempo e sobre a caminhada. Dobramos no canto do posto e subimos para os bairros altos, cortando pequenas ruas, conhecidas e desconhecidas, cheias de jardins e casas coloridas, árvores e flores, sem lixo e sem poluição, um sonho se não fosse o calor penitencial do mormaço.

Então Raíssa surgiu outra vez, das trevas, encravando suas unhas nas minhas costas, e então tivemos tempo o suficiente para colocar a conversa em dia, comentar sobre a separação triste brusca que o nosso grupo sofreu logo após a minha última ida ao Munguba, onde vivemos momentos importantes da nossa amizade e onde Jamile morou durante um tempo considerável para acontecerem muitas coisas. Como eu já disse, falamos sobre Marcus estar andando com um grupinho que não é famoso por ajudar velhinhas a atravessar a rua, falamos sobre a Brenda ter sumido de vez após sua mudança para o Jarí e falamos sobre Jamile ter trocado as estressantes e complicas amizades físicas pelas amizades virtuais. Raíssa contou-me que está morando em Almeirim, há alguns quilômetros de lá, e tentamos achar uma explicação para essa nossa triste e brusca separação após a época da eleição do ano passado, meu último final de semana na terra encantada de Munguba [aquele era o meu paraíso particular, o único lugar do mundo onde eu sentia que tudo podia dar certo, que todas as minhas amizades eram verdadeiras, onde eu realmente me sentia bem, onde eu esquecia o mundo e vivia momentos incríveis ao lado deles, onde me sentia querido pelas pessoas.]

Após a crise financeira a CADAM entrou em colapso, e a nossa amizade também. Assim como um setor da CADAM faliu, um setor da minha vida também faliu: o mundo particular do Munguba. Após as lamentações e as risadas baixinhas para não perturbar as beatas, Raíssa atendeu ao telefone, e disse que estava num desencontro total com o namorado que havia muito estava na praça esperando-a quando resolveu ir procurá-la na procissão, no exato momento em que ela decidira ir na praça procurá-lo. Assim ela se despediu, e sumiu na multidão outra vez. Não sem antes me apontar o Marcus, que passava com seus novos amigos sobre um gramado de uma esquina.

Após um tempo meus pés já estavam em cacos e minha coluna em frangalhos. Não parava de tomar água, mas mesmo assim me sentia sem força alguma, parecia estar virando gelatina. Mais um pouco e eu estaria vivendo uma experiência extra-corporal! Mesmo após cortar caminho, ainda continuamos presos à procissão, e quando papai já não aguentava andar, e nós também não, pegamos a chave da casa do juiz Moacir e fomos descansar em seu pátio.

Lá tivemos um agradável almoço de pernil refogado ao vinho, bifes e frango, conversamos durante algum tempo e eu pude ver pela primeira vez em toda a minha vida uma barata branca [albina, na verdade], uma raridade na natureza, por isso ninguém teve coragem de matar. A meninas aproveitaram a nuvem que passava para brincarem um instante na rua, e antes de chegarem os donos da casa deitamos no pátio e pegamos vento. O mensageiro-dos-ventos batia singelo causando gostosa melodia, e as árvores sussurravam umas para as outras enquanto a música cristã entoava ao longe na passeata.

Após o almoço decidimos [eu, Iêda, Lorenice e Yara] dar uma volta e demos de cara com um poço profundo e gradeado, feito uma cisterna, um sistema hidráulico, um escoamento de água, oculto atrás de árvores cheias de cipós, mato e cogumelos, num restinho de mata na pequena cidade, beirando um barranco após um largo de terra batida. Parando para pensar agora, talvez eu realmente tenha me inspirado em Monte Dourado para criar a Vila de Mônica onde se passa boa parte da vida de Afonsa em As Dellabóboras. O fato foi que filmamos a reação dos morcegos que dormiam no fundo do poço quando o eco dos nossos gritos e das nossas vozes os acordava. Era bem sinistro ali, um clima de aventura imperava naquele lugar, atrás dos agradáveis quintais de Monte Dourado. Adoro coisas assim. Sempre gostei, desde criança, e foi numa aventura desse tipo que nos metemos logo na manhã seguinte...



[fotos:O povo pagando promessa, papai e Yara no Círio, as meninas brincando na rua, o bebê é o Kayã, da Mimi, que fofoo, ah, e essa coisa sou eu, no pátio da casa do juiz descansando meus pés gordos e cansados ;p]

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