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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Draconius Nefastus - Parte 2

Christopher Umbrella,
Ex-Repórter e Antropólogo da Universidade Real Franco-Italiana em 15 de Novembro de 1996.


Estávamos nós ali, diante do cais de Nova Iorque, eu havia vindo de táxi, e a jovem louca Ray Ann havia vindo no carro de seu irmão Don. Acompanhando-me no táxi vieram a paleontóloga Fábia Paola e meu amigo de longa data Pietro Heinrich. Eu não sabia o que aconteceria dali por diante, mas meu coração batia em ritmo acelerado, pulsando forte e gritando para que eu corresse da morte certa, mas eu era inexperiente, como já disse, e curioso repórter nunca sacia sua sede por conhecimento. Estava diante de mim uma importante oportunidade de me tornar famoso, de finalmente brilhar, de ter o meu nome estampado no topo de colunas famosas de importantes jornais do país e do mundo. O homem que desbravou o desconhecido. O homem que encarou a morte. Aquele que seria o primeiro repórter do mundo a presenciar coisas que nenhum outro olho jamais viu antes. Coisas nefastas que na verdade nunca deveriam ter sido descobertas. Mas na época a minha sede por poder borbulhava meu sangue, e a possibilidade da fama subia à minha cabeça feito o vapor enfurecido de uma chaleira, como o vapor que aquela embarcação cuspia da sua chaminé suja e puída. Era minha chance de brilhar como jornalista, e deixar para trás os tempos das vacas magras, deixar para trás os jornais periféricos. Era a minha chance... Quão bobo fui... Quão ambicioso fui. Ao finalmente dar-me conta da loucura que estava fazendo, do lugar onde estava, das pessoas desconhecidas e malucas que estavam me acompanhando nesta empreitada sem volta, do oceano altântico todo ao meu redor, me envolvendo numa dança de ondas azuis e negras, acariciando o casco do navio como se o barco e a água fizessem amor, já era tarde demais. Nova Iorque estava distante, suas luzes estavam fracas e ficando opacas por causa do nevoeiro. O barulho da música alta e das buzinas parecia miragem no meio da escuridão tenebrosa do mar. Tudo estava calmo naquela noite, calmo demais, mas uma calmaria nervosa e maligna, a calmaria que precede a morte.


Por dias a fio o navio seguiu, e eu já impaciente, enlouquecendo ali dentro, como um rato preso dentro de um domo de vidro. Era terrível aquilo. Enquanto não fazíamos a primeira para então, pusemos a conversar durante horas a fio, acabando com metade do estoque de chá que iria para os grandes senhores das ilhas do Caribe, que ficavam no caminho da terra desconhecida. E entre uma e outra xícara de chá, beberica daqui beberica de lá, começamos a nos soltar mais uns com os outros, e quando finalmente deu-se a primeira parada em um porto pequeno numa ilha pouco conhecida, eu já estava incrivelmente íntimo de Ray Ann e de Fábia Paola, já éramos mais do que amigos, andávamos como três irmãos, colados um no outro pra cima e pra baixo, e eu fascinado, ouvia as histórias sem pé nem cabeça que antes o ex-repórter que vos fala nem sonhava em acreditar um dia, histórias bizarras, cheias de sangue e horror, de feras terríveis, de pessoas selvagens que comem carne humana, de tribos milenares que fazem rituais macabros de bacanal e sacrifício, elas contaram-me de florestas verdes como a esmeralda, que transbordavam de vida desde o solo rico em flores e folhas até os últimos ramos das árvores de copas que chegam a sumir no espaço estrelado de tão altas que são. Algumas são maiores que os prédios de Nova Iorque! Disse Fábia Paola.


Ela disse nunca ter ido até nenhuma vez na vida, e nem sonhara antes em transpassar as águas turvas do mar marrom que cerca aquelas terras, por puro pavor do que poderia haver ali, e que estava pensando seriamente se ia mesmo prosseguir com esta aventura imprudente após o último porto antes da parada final. Antes de chegarmos até lá, passaremos por um arquipélago de grandes ilhas. Disse Ray Ann. Ela disse a mim que as ilhas são pouco habitadas, e que a mata nativa é tão bela e exuberante quanto a que encontraremos mais adiante do mar de águas turvas. A maior parte da população vive no litoral em pequeninas vilas isoladas do resto da humanidade. Eles raramente veem outras pessoas, por isso ficam muito desconfiados com a chegada de uma embarcação grande como aquela, vindas de fora. Poucas passam por ali, por medo dos nativos, pois diz-se nos portos do mundo todo que já são selvagens e agressivos os habitantes das vilas ribeirinhas do Arquipélago do Búfalo. Ray Ann também nunca foi até a terra desconhecida, nem mesmo passou próxima aos portos minúsculos e esquecidos das ilhas quase inabitadas. Disse ter ouvido falar pela primeira vez do caso num manicômio, onde um louco que ela costumava tratar na época em que era psiquiatra delirava constantemente sobre uma criatura hibrida chamada Klaàpacthu pelos nativos locais. As tribos afro-americanas da região chamam a criatura de Exúbia, e os índios do Amazonas, terra da borracha, dizem que a criatura descendo de uma raça antiga de seres humanos alados, com asas de morcego que antigamente habitavam o interior de uma rocha apelidada de Pedra do Morcego.


Os índios dizem ser o único membro restante da tribo que foi dizimada há séculos, e que esta criatura diabólica foi acolhida como uma deusa pelos nativos daquelas terras. Há até uma pirâmide construída em sua homenagem, deixada para trás na cidade secreta pelo estranho povo que habitava ali. Há sim uma cidade construída a milênios, oculta pela mata, e agora é lugar que representa perigo e morte para os ribeirinhos e para os nativos. Explicou-me Ray Ann. Aquilo estava me amedrontando por demais, e cada vez que a noite caía e nos reuníamos com a tripulação para um chá e um jantar, eu já imaginava as horas em claro que passaria em minha cama, imaginando o que me encontraria e me agarraria pelo caminho.


Assim seguimos viagem por infidáveis dias que eu já nem contava mais, e que já estavam virando rotina, me inserindo no ambiente do mar. A cada dia um novo detalhe me era iserido, e aos poucos fui sabendo que Ray Ann estava lá porque acreditava piamente que a cidade fora construída por uma raça alienígena que a deixou para trás após uma tentativa de colonização mal-sucedida. A própria criatura citada era um alienígena em sua opinião, e eu já estava começando a acreditar naquilo tudo. Após isto Fábia Paola contou-me sua história. Disse-me que sua família sempre fora pegada com Deus, desde que ela nascera sempre fora assim. Seus pais eram missionários e andarilhos que pregavam em lugares distantes da civilização, assim ela acabou atracando por aquelas bandas pela primeira vez, levada por seus pais, que haviam sido guiados por boatos de possessões demoníacas e aparições de feras infernais naquelas ilhas, vindas do nevoeiro, ou véu, que cercava as terras ocultas e amaldiçoadas do Klaàpacthu. Ao desembarcar os apetrechos e as malas, eles logo deram de cara com um caso misterioso, de uma mulher que estava grávida a apenas uma semana, mas que já tinha barriga, porém esta estava cheia de veias e roxa como uma beringela.


Após cuidar durante dias da mulher doente, a mãe de Fábia Paola foi testemunha do nascimento de um monstro metade homem, metade morcego, que foi abatido por um velho pescador com um tiro de espingarda quando a criatura tentou fugir pela janela do casebre de madeira. Foi uma cena macabra. A mãe da ferinha morreu no parto, pois sua barriga estourou feito um ovo de rã.


Aquilo me deixou completamente enojado, e o balanço da embarcação me fez correr para a proa e vomitar cachoeiras inteiras. O asco era muito grande. Após isto Pietro contou-me sobre como a história das terras amaldiçoadas chegou aos seus ouvidos. Sua mãe era professora num velho bairro de negros, e lá ele conheceu a Madame Saravá, macumbeira e feiticeira de primeira que conhecia de tudo um pouco, e era muito amiga de seus pais. Certa vez, como era pequeno, perambulando e xeretando pela casa de Madame Saravá, Pietro deu-se com um armário escuro e mórbido, iluminado apenas por uma fraca luz verde e repleto de dentes de alho pendurados ao lado de cordões feitos de ervas, sementes, fitilhos, estatuetas de orixás e balangandãs africanos dos mais variados. Curioso, abriu o armário sem pensar que aquilo significaria grande coisa para a dona da casa. Aquilo foi crucial para que sua mente já fértil o levasse para o ramo do cinema: lá dentro havia um ser empalhado, o ser mais estranho que ele já vira, e após levar grande susto com aquilo, chorou durante horas. Quando cresceu um pouco mais, Madame Saraiva mandou chamá-lo, e a ele contou tudo o que sabia sobre aquela fera mumificada, pois ele já havia visto a criatura e agora estava tão envolvido nisso quanto ela, de modo que os espíritos ficariam muito zangados se ela deixasse-o ir sem dar as instruções de como guardar aquele segredo.


A criatura era exatamente idêntica ao ícone de madeira que Fábia carregava consigo.


E assim aportamos no último porto.


Na ilha das fechaduras.



Fim da Segunda Parte!

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