Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

terça-feira, 13 de outubro de 2009

L.A.M.B. - A Wonderful Holiday [parte 1]

Tudo isso começou com a peculiar invasão de uma vespa ao apartamento [que a lore matou porque estávamos todos desesperados]. As luzes do lado de fora se acendem à noite, e como Laranjal do Jarí fica encravada no meio da infernal e fantástica selva amazônica, todos os insetos correm para a primeira luz que se acende as seis horas da tarde. Até então eu não tinha nenhuma intimidade com as filhas da Comadre de meu pai, muito pelo contrário, me sentia todo encabulado perto delas, pois elas me observavam muito como se esperassem que eu dissesse algo, e muitas vezes eu falava feito uma vitrola durante um bom tempo, assuntos vagos e relevantes, dos quais elas riam só para me agradar, ou às vezes riam de verdade, do meu senso de humor seco e direto.
Mas a invasão da vespa foi o ápice, o início de tudo, se vocês querem saber. Eu mal sabia o nome da menina Camilla, e ainda achava que ela era a Yara! Calma, eu explico. Aqui elas são quatro, na verdade, cinco, todas muito jovens e muito bonitas, de onze a dezessete anos. Começando pela Lorenice (nome diferente, né? Parece o nome de uma dama da época dos reis e rainhas *-*), ou como é conhecida por aqui “A Garota de Gurupá”, e terminando pela jovem mãe Mimi (acho lindo esse nome *-*), e de cada uma fiz questão de conhecer a história pessoal do começo ao fim, e tenho certeza de que tenho muito ainda a descobrir destas minhas novas amigas, mas não preciso me preocupar, porque teremos muito tempo para isso.
Esta é a terceira vez que estou passando o final de semana na casa de meu pai, que mora nos altos da comadre dele, a Dona Ana, que é uma mãezona na verdade, uma anfitriã de mão cheia, simpática e muito hospitaleira. Suas filhas são três, Camilla, Yara e Mimi, que são bem parecidas com ela, todas têm os mesmos olhos. Camilla é uma garota de 15 anos, muito bonita e tão faladeira quanto eu, começou me contando todos os podres do Jarí, íamos andando na rua e ela ia me apontando pessoas e lugares dizendo “aquele ali é maconhado, aquela lá é ex de não-sei-quem, aquela ali é só cara, e naquele tal canto aconteceram tais e tais coisas”, o telefone dela não para de tocar um segundo, o que me faz imaginar o quanto ela é popular por estas bandas. E com um corpão daqueles quem não seria? Ela é realmente muito bonita, me lembra algum tipo de atriz ou coisa parecida, e é tão conversadora quanto eu, o que nos fez ficar fofocando e comentando várias coisas durante um bom tempo.
Lorenice no começo foi a com quem eu mais falei. Ela é uma garota muito meiga e engraçada, e é impossível para mim acreditar que ela tem onze anos! Minha irmã tem essa idade e nem tem o corpo tão desenvolvido assim. E, aliás, ela já tem um rosto de mulher madura e decidida para idade dela, e realmente o é, bem diferente das garotinhas infantis amigas da minha irmã. Pra mim todas elas têm a mesma idade que eu, porque são bem mais ativas e expressivas do que as outras garotas das faixas etárias delas. Sim, como eu ia dizendo, Lorenice é uma menina engraçada e com um senso de humor ótimo, é bem tranquila e combina mais com a minha irmã no jeito dela, não é aquela menina escandalosa, mas também não é aquela garota retraída, na verdade nenhuma delas é, todas são boas meninas.
E então temos a Yara, que de todas parece ser a mais nova, não cheguei a perguntar a idade dela, mas pelo pouco que conversamos nesses dois dias, nós dois temos muito haver mesmo. Gostamos de rock, odiamos o calor (e o sol!), somos mais dos dias nublados e a noite. Loirinha tão faladeira e cheia de opiniões quanto eu, é afilhada do meu pai, e pelo que eu vi, ele gosta muito dela. Isso é bom, porque ela já é uma grande amiga apesar do pouco tempo que nos conhecemos. Ela é bem agitada e divertida, e hoje de manhã quando fazíamos o percurso do Círio em Monte Dourado ela quase desmaiou! Não a culpo, o mormaço era grande e as brisas, raras, de modo que em quatro ou seis quilômetros eu já estava vendo tudo de cima, e não é porque eu sou alto, mas porque a minha alma já não era mais minha!
Por último temos a mamãe Mimi, que na primeira vez em que vim passar o feriado aqui [e quando eu era super envergonhado com o novo ambiente familiar], ela estava grávida, e a partir da segunda vez em que aqui estive [semana passada!], já estava com o pequeno [e esperto] Cauã nos braços. De todas foi a primeira com quem falei, na primeira vez que passei o final de semana com o papai, no dia dos pais, ora vejam só! Conversávamos sempre sobre assuntos de escola [ela está no terceiro ano do ensino médio], animais de estimação e comida, coisas de casa. Ela raramente sai porque tem que cuidar do bebê [que é uma graça], e é uma ótima mãe, pois as outras mães que possuem a mesma idade de Mimi nem querem saber de cuidar da criança e jogam tudo para as costas da avó.
Ontem à noite, na umidade impossível da Amazônia noturna, fomos convidados a comer um churrasco à beira de uma piscina, sob a luz das estrelas, na casa de um engenheiro florestal conhecido do papai e dos compadres dele [aqui é assim, meu bem, eu só frequento casa de gente importante, beijo pra vocês!]. Chegando lá, fomos muito bem recebidos por ele e por sua mulher Patrícia, e as meninas, não resistindo, tiveram de voltar a casa para trocar de roupa e cair na piscina. Eu e Yara ficamos só na borda, molhando os pés, eu porque tenho muita vergonha de tirar a roupa, e ela por outro motivo qualquer, mas acabamos sendo atingidos em cheio por jatos d’água esguichados por mergulhos artísticos das garotas e de um dos filhos dos nossos anfitriões. E eu tentando fugir me joguei de costas... pra quê! Havia uma enorme poça d’água bem atrás de mim. Conclusão: fiquei encharcado.
A noite estava tão úmida e tão quente, vocês aí do sul não fazem noção do quanto isso se faz presente em plena alta Amazônia, região da extração do caulim, do rio Jarí, dos morros de barro e do verde intenso, das belas cachoeiras e das estradas de poeira, é uma região de contraste e beleza, não percam a oportunidade de visitar! Como eu ia dizendo, a noite estava tão úmida que assim que eu saí do apartamento, meus óculos embaçaram e minha roupa encharcou. Pra completar havia chovido à tarde e isso só aumentou o calor e a umidade.
Lá na piscina nos divertimos tirando fotos, contando casos que aconteceram nas nossas escolas, micos que pagamos [Lorenice campeã! Gritou feito uma desesperada quando, em Belém, o ônibus passou em alta velocidade em frente ao museu, que era onde elas iriam fazer o passeio do dia. Mal ela sabia que os ônibus não param fora do ponto!].
Em imaginar que a nossa conversa começou quando eu perguntei quem dali tinha namorado, e então todas elas riram sem jeito. Após isso o papo foi alto. Camilla contou-me das loucuras das escolas públicas daqui, das brigas de terçado nas ruas e dos professores agredindo alunos dentro de sala de aula! E eu pensando que... bem, deixa pra lá! Yara contou-me um pouquinho das coisas que ela gosta de fazer, sobre o seu prazer em ler versos e em desenhar, sobre as músicas que ela gosta de ouvir e sobre a sua família. Não sei como nem quando, mas ao me dar conta, já estava contando a elas tudo o que sei e o que descobri sobre a Maçonaria e seus mistérios.
Elas não sabiam nem da metade dos mistérios que giram em torno dessa organização secreta que ainda arrepia os pelos da nuca de muita gente nos tempos atuais. Não me recordo a época exata em que os maçons surgiram, mas sei que tudo começou quando o comércio na Europa estava à beira da ruína total, e os comerciantes resolveram unir-se em uma organização cujo o lema era ajudar uns aos outros para superar aquela crise momentânea. Deu certo, e ajudando-se, os comerciantes foram pra frente [assim que funcionam as lojas maçônicas]. Porém, a “seita” que eles formaram sobrevive até os tempos atuais com os mesmos rituais. Pactos de sangue, oferendas ao bode, que é o patrono deles, mantos negros, espadas simbólicas, pastas pretas secretas, livros de regras que funcionam como bíblia, hierarquias em que o “líder” deles deve ser tratado como Vossa Excelência...
Se vocês querem saber, até hoje eu não consegui entender muito bem o que realmente acontece nas reuniões dos maçons. Boatos e lendas dizem que os comerciantes se uniram há séculos atrás num pacto com o diabo, por isso devem fazer oferendas ao bode. Tenso isso.
Foi então que comecei a contar a elas lendas das quais elas não faziam ideia, e que eram daqui da região mesmo, como a Rua da Maçonaria em Belém, onde todas as lojas são maçônicas e onde, dizem as más línguas, trota um bode preto depois da meia-noite (até me arrepiei agora).
Contei a elas da época em que o Jarí era só uma vila extrativista da borracha e do garimpo (eu não sou tão velho assim, ta? Eu li tudo isso num livro da História do Amapá!), do Mapinguari que assombrava as matas sombrias e quentes ao longo do rio Jarí (pra quem não sabe, o Mapinguari é um macaco imenso de dois metros de altura que fede a morte, é peludo e negro como a noite, tem os pés tortos, a boca na barriga e solta um grito horrendo quando sai da mata, capaz de arrepiar todos os pelos do corpo, até de onde não tem. Conta-se que ele fez uma visita ao Jarí na época em que este era só uma vila, fazendo o percurso da rua principal inteira gritando. Quem já ouviu o grito do Mapinguari diz que é a coisa mais feia que um homem pode ouvir enquanto vive, capaz de deixar até uma pessoa louca. Tenso isso. Yara se tremeu todinha e disse que nunca mais vai ver a corrida até a padaria na Tancredo Neves como um simples passeio matinal).
E então, por sua vez, Camilla contou a mim duas histórias macabras que vou fazer questão de contar pra vocês agora mesmo, em todos os detalhes!
A primeira história se passa na infância delas, quando ela e Yara ainda eram pequenas e moravam num casarão construído bem ali na beira, bem de frente para o rio, numa casa de altos e baixos construída posteriormente pelo pai das duas, que após receber muitos avisos da vizinhança sobre a casa ser assombrada (contava-se que antes, ali morava velha macumbeira que matou seu filho e escondeu-o debaixo da palafita), decidiu comprar o terreno mesmo assim. Numa noite solitária, com o pai pro trabalho e a mãe para a faculdade, as garotas e o avô brincavam de bole-bole (brincadeira regional que consiste em colocar várias pedrinhas da beira do rio nas mãos em concha e jogá-las para cima, e em seguida, formar concha com as costas das mãos rapidamente, para que as pedrinhas caiam de volta sem cair no chão; ganha quem aparar mais pedrinhas), e assim ficaram até tarde da noite, pra lá das dez.
Todos dormiam numa cama só enrolados em lençóis, porque a casa era muito grande e sombria e ninguém tinha coragem de dormir num quarto sozinho. Nesta noite não foi diferente. Porém, esta mesma noite teve algo de muito, muito diferente. Coisas macabras acontecem nesta nossa região cheia de lendas, magia e maldição. Cada vilarejo tem a sua história. Cada mata tem seu pai. Cada rio tem a sua mãe. E cada pedra tem seu dono. E o dono das pedras do rio atende pelo nome de Boto, que vira homem em noite de lua cheia, e que não gosta que usem seus tesouros como brinquedo.
Então, da direção do rio vieram as pedras na parede. Pedrinhas batendo contra a parede no escuro. Se espalhando no chão. Sons fantasmagóricos para quem tem a certeza de que não há ninguém em casa além dele próprio. A própria Yara disse que sentiu algumas das pedras atingirem os seus pés após mais uma jogada da força invisível que agia naquele quarto. E detalhe: tudo acontecendo da direção do rio. Pedrinhas se espalhando no pátio. Pedrinhas se espalhando no chão do quarto. Crianças tremendo nas camas. Escuridão e frio. Medo.
Camilla diz que nunca irá se esquecer daquela noite em que ficou fria feito pedra, suando feito uma porca e tremendo feito vara verde. Ela viu as pedras se mexendo sozinhas, e tem certeza do que viu. Ligou-se a luz e todos foram ver do que aquilo se tratava. E para surpresa de todos não havia nada, absolutamente nada. Tudo estava vazio. A passarela lá fora estava deserta. E a casa bem trancada. Sinistro...
O outro conto de Camilla é bem mais sério do que este, e me deixou realmente inspirado para escrever um conto de terror que se passa na Amazônia, porque este foi muito bizarro, inacreditável e apavorante. O jeito com que ela contou o fato só fez ficar mais atraente e cheio de suspense.
A família dela toda é de Gurupá, no Pará, e lá eles moraram durante anos antes de virem morar no Jarí, há seis anos atrás. Todo mundo aqui sabe que interior+ cidadezinha+ vila+ mata+beira de rio é sinal de encantaria e mistério. O que aconteceu foi o seguinte: o avô das meninas é dono de uma fábrica de palmito lá desse interior, e a fábrica fica justamente na beira do rio. O barulho que as máquinas de tratamento do palmito fazem é insuportável, não sei se vocês sabem, mas a barulheira é infernal, pois há todo um processo desde a extração do tronco da palmeira até o corte e a fermentação do produto, e isso dá um trabalho danado, que é igual a barulho intenso.
Eis que houve uma festa naquela localidade, e segundo contam, em meio à bebida e à música e à diversão, desce a entidade numa mulher. O espírito parou a festa e disse a todos que se tratava de uma entidade do rio, o temido Boto, e seu aviso foi bem claro: acabem com a fábrica, parem o barulho das máquinas, cessem com a bagunça! O motivo? Segundo a entidade, a casa principal da fábrica havia sido construída bem em cima de um buraco no barranco, e este tal buraco era a casa de uma família de Botos que estava muito furiosa por causa do barulho que não os deixava em paz de dia, quando era hora de dormir, e a ameaça foi feita: acabem com a perturbação ou a fábrica ia pro fundo.
No início todos riram, achando que se tratava de uma brincadeira, que a mulher estava bêbada, e após o primeiro deboche, o avô das meninas pediu a entidade que desse uma prova de que era realmente o Boto, dono do rio, senhor da metamorfose, macabro ser das águas. E o Boto deu sua prova. Contou ao homem reservadamente uma coisa que só ele sabia, uma coisa que nem a mulher, nem a mãe nem os melhores amigos sabiam. De todos era o segredo mais íntimo e feio. O dono da fábrica viu que a coisa era muito séria, e na manhã seguinte pediu que mergulhassem e olhassem debaixo da palafita.
Pasmem: havia uma boca enorme, praticamente um poço lá embaixo, um buraco escuro e macabro. Quem mergulhou disse que por mais longa que fosse a pernamanca, e por mais comprido que fosse o arame, era impossível de se encontrar o fundo daquela fossa. Camilla diz que o buraco maligno está lá até hoje, e que é possível muito bem ver a sua entrada quando a maré seca...
Fico aqui imaginando, o barulho gorgolejante da água entrando naquela fossa dos infernos, do vento frio que sopra de lá de dentro, do negrume que é a sua boca maligna, e dos seres místicos que o chamam de lar...
Nosso mundo é estranho.
Nosso mundo é bizarro.
E Deus queira que eu jamais tope com uma coisa dessas na minha vida.
Prefiro escrever sobre elas ;p~

Beijos fantasmagóricos de
Antonio Fernandes.

Um comentário:

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