Christopher Umbrella,
Ex-Repórter e Antropólogo da Universidade Real Franco-Italiana em 16 de Novembro de 1996.
O dia amanheceu claro e ensolarado, e não mais parecia tão tenebroso quanto fora antes. Mas tudo continuava deserto e silencioso por ali. Nosso capitão mandou preparar a canoa que iria nos atravessar até além do nevoeiro, e garantiu que um de seus homens iria remando ao seu lado, de modo a não arriscar a vida de nenhum morador local. As águas do mar eram amareladas à luz do dia, e ao provar o sabor, percebi que aquilo não era água de mar, e sim de rio! Seria aquilo um delta e não sabíamos?
Prosseguimos com roupas arejadas e sem nenhum complemento além de máquinas fotográficas, papéis e canetas, câmeras de filmagem e binóculos. Tínhamos tudo o que precisávamos: primeiros socorros, roupas limpas e comida básica numa sacola, e assim cruzamos canal após canal até desembocarmos numa baía enorme, tão ensolarada quanto os córregos que deixamos para trás, ladeados por pura mata virgem e verde vibrante de vida e harmonia.
Por volta de meio dia o tempo foi fechando, e um dos marujos disse que aquilo não era coisa da natureza, e sim da maldição que aquele lugar tinha. Após isto, mais adiante, já não se via um palmo na frente do nariz, porque o nevoeiro era quase palpável de tão grosso e pesado. O calor era intenso, e por várias vezes pensei em me refrescar com um pouco de água, mas os outros me repreenderam, disseram para não por um dedo para fora da embarcação. Isso me assustou. O nevoeiro durou meia hora, meia hora que pareceu a mim um século de inferno e calor. E quando eu jurei que esse martírio não teria mais fim e eu morreria cozido ao lado dos meus companheiros de expedição, um vento forte me pegou em cheio, e eu abri os olhos então.
Estávamos diante de uma praia de areia de rio tão extensa quanto uma praia de areia branquinha do mar. Era a frente da cidade maldita. Na beira da água cresciam muitas árvores e arbustos, plantas de várzea. Mais uma vez a atmosfera de pântano sombrio me pegou em cheio, e após remarmos todos juntos, encalhamos na praia suja de troncos, cocos, sementes, raízes e plantas aquáticas deixadas para trás pela maré, e caminhamos em direção à uma estranha estrutura de concreto e pedra que lembrava muito um cais, só que era muito estreito para cais e muito distante da costa também, era quase uma passarela para dentro do rio. Subimos por uma velha escada, moderna demais para pertencer àquelas bandas, e mais uma vez estávamos caminhando sobre tábuas de madeira, só que desta vez eram grossas e seguras, nem um pouco podres.
Acreditem se quiserem, havia até um trilho abandonado ali, como se antes houvesse andado um trem sobre o rio, aquilo deixou a todos nós confusos, aturdidos, espantados e cheios de expectativas e perguntas que fazíamos e resolvíamos para nós mesmos, pois ninguém se atrevia a falar. Havia bancos ao longo daquela ponte, e em cinco minutos já havíamos chegado ao vilarejo dos nativos refugiados. Ali haviam muitas e muitas árvores de todas as espécies, crescendo sobre a estranha e moderna cidade abandonada, tudo ali era caos e destruição. Ray Ann estava maravilhada, deslumbrada, fotografando tudo e identificando traços de arquitetura e tecnologia alienígena. Uma avenida tomada pelo mato levava em direção ao coração da cidade, mas antes de podermos passar desapercebidos, fomos surpreendidos por lanças, flechas e arpões.
Os nativos nos viram.
Fomos levados até a tal chefe deles, e realmente, ela tinha todos os traços europeus que a velha Cyvalda nos havia avisado existirem. Por isso nem nos subtraímos diante do cocar de penas, folhas e pedras preciosas que ela usava, e nem mesmo diante do trono de couro e ossos em que ela estava sentada com seus cabelos loiros e com seu rosto de trinta e pouco. Ela tinha todo o jeito, toda a atitude de uma dama da sociedade, e se portava como aquelas madames de butique evitando ao máximo, contatos com o povo que agora governava.
- Ivi’ka, strohn’hem, darylehn farrast! – ela cacarejou, Os nativos pularam gritando, alegres em suas roupas tão modernas quanto a de Rose. Vai ver ela havia as costurado para eles, e ensinado sua língua a eles também, porque alguns deles falavam um português de sotaque angolano. – preparem a festa da oferenda! Abim’raso, a Grande Klaàpacthu finalmente terá uma refeição à altura, que trará energia e vitalidade nova ao seu corpo apodrecido que desperta em busca da cópula de a cada 6 anos, no dia 6 do mês 6! E este dia é hoje, enfim!
Os nativos iniciaram a baderna e a gritaria de “vivas!” outra vez.
- Pois Abim’raso me deu o poder e a majestade para lhes governar, e eu lhes digo: alimentem-na! Em nome de Klaàpacthu!
Eu ergui a minha voz, finalmente tive coragem para isso.
- Alto lá, Rose Nilde, sua farsante! Nós sabemos quem você é, afinal de contas, e de realeza não tem nada! Só se aproveitou da ignorância desses nativos para se fazer autoridade!
Os nativos olharam-se confusos depois olharam duvidosos para Rose Nilde. A mulher arregalou seus olhões assustados, de modo a parecer mais um bicho do que uma gente, e aquilo me apavorou por completo. Ela colocou o dedo diante do rosto e fez um “shhh” nervoso, cochichou alguma coisa no ouvido de um dos seus “guarda-costas” que transmitiu a mensagem aos nossos carcereiros, e esse troca-troca de informações nos direcionou imediatamente a uma das cabanas de couro.
Após um tempo nos cozinhando naquele calor infernal da selva acentuado pelo abafamento das nuvens pesadas no céu do lado de fora, transformava a barraca de couro numa verdadeira fornalha, viraríamos pernil se ficássemos ali mais do que o necessário. Assim, após repararmos no interior estranho que aquela barraca tinha, Rose Nilde entrou, com os seus olhões mais esbugalhados do que o normal, ela parecia transbordar de felicidade e euforia, como um andarilho que, perdido no deserto, estava vendo a água pela primeira vez em semanas. Ou talvez um náufrago que tivesse passado tempo demais preso numa ilha desconhecida.
Ela nos explicou aos sussurros chiados e mal-compreendidos por nós, havia dado de cara com esta “ilha” que mais tarde revelou ser parte do continente. Enfim, nos disse a mesma estória que a Vó Darcy nos contara em seu vilarejo sombrio. Disse que seus amigos desertaram e deixaram-na para trás para morrer no lugar deles, pois os nativos queriam oferecer todo mundo ao seu deus com asas de morcego. Ray Ann sorriu e sacudiu a cabeça dizendo para a pobre Rose Nilde que seus amigos foram pegos por algo dentro do nevoeiro assim que deixaram a costa.
A velha só faltou pular de felicidade ao saber que fora vingada pelas feras do local. Mas agora ela precisava da nossa ajuda, precisava escapar dali. Peter perguntou o porque de ela tanto querer fugir se ali era uma rainha, e ela disse que odiava e temia tudo naquele lugar, pois previa o momento em que seus súditos se virariam contra ela e a entregariam para a besta alada. Capitão Maurice começou a bolar um plano imediatamente, mas mandamos que ele parasse, pois nosso objetivo era, acima de tudo, filmar o interior da cidade maldita e mostrar para o mundo o que havia naquela mata.
Rose gargalhou, assustando a todos nós. Fábia quase caiu dentro de um balde de tripas secas. A mulher disse com um sorriso sombrio que ninguém jamais voltava de lá. Foi então que um grito nos surpreendeu, vindo de longe, um grito descomunal e apavorante que deixou a todos alarmados. Um grito impossível de ter sido produzido por qualquer criatura viva deste mundo, um grito de alma penada, de demônio, macabro e agourento como nunca antes fora ouvido um grito antes.
Abim’raso. Os sussurros, sibilos, choros e gemidos que vieram do lado de fora pareciam uma maré maligna de agouro e sofrimento vindo de fora. Até a fria Ray Ann arrepiou-se toda. Fábia Paola e eu já estávamos fraquejando naquele momento. Era hora de desistir e fugir...
Fim da Terceira Parte!
Ex-Repórter e Antropólogo da Universidade Real Franco-Italiana em 16 de Novembro de 1996.
O dia amanheceu claro e ensolarado, e não mais parecia tão tenebroso quanto fora antes. Mas tudo continuava deserto e silencioso por ali. Nosso capitão mandou preparar a canoa que iria nos atravessar até além do nevoeiro, e garantiu que um de seus homens iria remando ao seu lado, de modo a não arriscar a vida de nenhum morador local. As águas do mar eram amareladas à luz do dia, e ao provar o sabor, percebi que aquilo não era água de mar, e sim de rio! Seria aquilo um delta e não sabíamos?
Prosseguimos com roupas arejadas e sem nenhum complemento além de máquinas fotográficas, papéis e canetas, câmeras de filmagem e binóculos. Tínhamos tudo o que precisávamos: primeiros socorros, roupas limpas e comida básica numa sacola, e assim cruzamos canal após canal até desembocarmos numa baía enorme, tão ensolarada quanto os córregos que deixamos para trás, ladeados por pura mata virgem e verde vibrante de vida e harmonia.
Por volta de meio dia o tempo foi fechando, e um dos marujos disse que aquilo não era coisa da natureza, e sim da maldição que aquele lugar tinha. Após isto, mais adiante, já não se via um palmo na frente do nariz, porque o nevoeiro era quase palpável de tão grosso e pesado. O calor era intenso, e por várias vezes pensei em me refrescar com um pouco de água, mas os outros me repreenderam, disseram para não por um dedo para fora da embarcação. Isso me assustou. O nevoeiro durou meia hora, meia hora que pareceu a mim um século de inferno e calor. E quando eu jurei que esse martírio não teria mais fim e eu morreria cozido ao lado dos meus companheiros de expedição, um vento forte me pegou em cheio, e eu abri os olhos então.
Estávamos diante de uma praia de areia de rio tão extensa quanto uma praia de areia branquinha do mar. Era a frente da cidade maldita. Na beira da água cresciam muitas árvores e arbustos, plantas de várzea. Mais uma vez a atmosfera de pântano sombrio me pegou em cheio, e após remarmos todos juntos, encalhamos na praia suja de troncos, cocos, sementes, raízes e plantas aquáticas deixadas para trás pela maré, e caminhamos em direção à uma estranha estrutura de concreto e pedra que lembrava muito um cais, só que era muito estreito para cais e muito distante da costa também, era quase uma passarela para dentro do rio. Subimos por uma velha escada, moderna demais para pertencer àquelas bandas, e mais uma vez estávamos caminhando sobre tábuas de madeira, só que desta vez eram grossas e seguras, nem um pouco podres.
Acreditem se quiserem, havia até um trilho abandonado ali, como se antes houvesse andado um trem sobre o rio, aquilo deixou a todos nós confusos, aturdidos, espantados e cheios de expectativas e perguntas que fazíamos e resolvíamos para nós mesmos, pois ninguém se atrevia a falar. Havia bancos ao longo daquela ponte, e em cinco minutos já havíamos chegado ao vilarejo dos nativos refugiados. Ali haviam muitas e muitas árvores de todas as espécies, crescendo sobre a estranha e moderna cidade abandonada, tudo ali era caos e destruição. Ray Ann estava maravilhada, deslumbrada, fotografando tudo e identificando traços de arquitetura e tecnologia alienígena. Uma avenida tomada pelo mato levava em direção ao coração da cidade, mas antes de podermos passar desapercebidos, fomos surpreendidos por lanças, flechas e arpões.
Os nativos nos viram.
Fomos levados até a tal chefe deles, e realmente, ela tinha todos os traços europeus que a velha Cyvalda nos havia avisado existirem. Por isso nem nos subtraímos diante do cocar de penas, folhas e pedras preciosas que ela usava, e nem mesmo diante do trono de couro e ossos em que ela estava sentada com seus cabelos loiros e com seu rosto de trinta e pouco. Ela tinha todo o jeito, toda a atitude de uma dama da sociedade, e se portava como aquelas madames de butique evitando ao máximo, contatos com o povo que agora governava.
- Ivi’ka, strohn’hem, darylehn farrast! – ela cacarejou, Os nativos pularam gritando, alegres em suas roupas tão modernas quanto a de Rose. Vai ver ela havia as costurado para eles, e ensinado sua língua a eles também, porque alguns deles falavam um português de sotaque angolano. – preparem a festa da oferenda! Abim’raso, a Grande Klaàpacthu finalmente terá uma refeição à altura, que trará energia e vitalidade nova ao seu corpo apodrecido que desperta em busca da cópula de a cada 6 anos, no dia 6 do mês 6! E este dia é hoje, enfim!
Os nativos iniciaram a baderna e a gritaria de “vivas!” outra vez.
- Pois Abim’raso me deu o poder e a majestade para lhes governar, e eu lhes digo: alimentem-na! Em nome de Klaàpacthu!
Eu ergui a minha voz, finalmente tive coragem para isso.
- Alto lá, Rose Nilde, sua farsante! Nós sabemos quem você é, afinal de contas, e de realeza não tem nada! Só se aproveitou da ignorância desses nativos para se fazer autoridade!
Os nativos olharam-se confusos depois olharam duvidosos para Rose Nilde. A mulher arregalou seus olhões assustados, de modo a parecer mais um bicho do que uma gente, e aquilo me apavorou por completo. Ela colocou o dedo diante do rosto e fez um “shhh” nervoso, cochichou alguma coisa no ouvido de um dos seus “guarda-costas” que transmitiu a mensagem aos nossos carcereiros, e esse troca-troca de informações nos direcionou imediatamente a uma das cabanas de couro.
Após um tempo nos cozinhando naquele calor infernal da selva acentuado pelo abafamento das nuvens pesadas no céu do lado de fora, transformava a barraca de couro numa verdadeira fornalha, viraríamos pernil se ficássemos ali mais do que o necessário. Assim, após repararmos no interior estranho que aquela barraca tinha, Rose Nilde entrou, com os seus olhões mais esbugalhados do que o normal, ela parecia transbordar de felicidade e euforia, como um andarilho que, perdido no deserto, estava vendo a água pela primeira vez em semanas. Ou talvez um náufrago que tivesse passado tempo demais preso numa ilha desconhecida.
Ela nos explicou aos sussurros chiados e mal-compreendidos por nós, havia dado de cara com esta “ilha” que mais tarde revelou ser parte do continente. Enfim, nos disse a mesma estória que a Vó Darcy nos contara em seu vilarejo sombrio. Disse que seus amigos desertaram e deixaram-na para trás para morrer no lugar deles, pois os nativos queriam oferecer todo mundo ao seu deus com asas de morcego. Ray Ann sorriu e sacudiu a cabeça dizendo para a pobre Rose Nilde que seus amigos foram pegos por algo dentro do nevoeiro assim que deixaram a costa.
A velha só faltou pular de felicidade ao saber que fora vingada pelas feras do local. Mas agora ela precisava da nossa ajuda, precisava escapar dali. Peter perguntou o porque de ela tanto querer fugir se ali era uma rainha, e ela disse que odiava e temia tudo naquele lugar, pois previa o momento em que seus súditos se virariam contra ela e a entregariam para a besta alada. Capitão Maurice começou a bolar um plano imediatamente, mas mandamos que ele parasse, pois nosso objetivo era, acima de tudo, filmar o interior da cidade maldita e mostrar para o mundo o que havia naquela mata.
Rose gargalhou, assustando a todos nós. Fábia quase caiu dentro de um balde de tripas secas. A mulher disse com um sorriso sombrio que ninguém jamais voltava de lá. Foi então que um grito nos surpreendeu, vindo de longe, um grito descomunal e apavorante que deixou a todos alarmados. Um grito impossível de ter sido produzido por qualquer criatura viva deste mundo, um grito de alma penada, de demônio, macabro e agourento como nunca antes fora ouvido um grito antes.
Abim’raso. Os sussurros, sibilos, choros e gemidos que vieram do lado de fora pareciam uma maré maligna de agouro e sofrimento vindo de fora. Até a fria Ray Ann arrepiou-se toda. Fábia Paola e eu já estávamos fraquejando naquele momento. Era hora de desistir e fugir...
Fim da Terceira Parte!
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