- Porque você não aceita o convite da Vogue, vovó?
Fez-se silêncio. Um pássaro pousou à beira do laguinho e beliscou as formigas que passeavam por ali. Uma forte ventania arrebatou as árvores, as primeiras folhas alaranjadas de outono já cobriam parte do gramado e das vias de concreto do parque que cortavam caminho entre as gigantes que se preparavam para mais um inverno rigoroso.
- Eu simplesmente não estou a fim. – ela respondeu, jogando pão para os cisnes.
- Não, você quer muito reviver os velhos tempos, tenho certeza.
- Não, não quero, isso já passou. Ninguém mais me para na rua como antes, a cada ano diminui mais o número de pessoas que se lembra desse rostinho aqui.
- Isso não quer dizer nada. Você está velha, mas ainda está viva. Tenho certeza de que seria um ensaio maravilhoso, vovó! – Aline jogou uma pedra que quicou pelas águas até afundar ao longe. – vai ser temático, eles disseram algo sobre ambientação de transatlântico, tipo como se fosse um navio, entende? Com marinheiros, comandante, passageiros, essas coisas vintage, sabe? Achei a proposta o máximo.
- Eu sei, é um tema que me agrada muito, sempre gostei de vintage, mas...
- Sejamos sinceras vovó, é o Lucas não é? Ele já está velho, mais velho que você, acho que ele nem se lembra da senhora!
- Isso doeria muito mais em mim do que se ele me reconhecesse, acredite Aline.
- Desculpe. – Aline ajeitou o cachecol vermelho ao redor do pescoço e passou a admirar a beleza do comecinho do outono ao seu redor. O mundo se tingindo de amarelo, laranja e marrom. Os pássaros voando pro sul, as lagartas se trancando nos casulos, as formigas recolhendo os últimos mantimentos para os longos meses que viriam por aí, mamíferos procurando um lugar para hibernar. Os esquilos estavam bem agitados em suas tocas.
- Você está cantarolando Jonna Lee? – perguntou a avó, jogando as últimas migalhas de pão no lago. Os peixes e os cisnes disputavam violentamente por elas.
- Não pude evitar, o parque lembra demais Something So Quiet... E eu adoro essa música, lembra de quando a mamãe não era um monstro de plástico... – Aline espirrou.
- Opa, não vai gripar agora – Stella abraçou a neta, coisa que raramente fazia, com quem quer que fosse – nunca gostei da sua mãe, ela sempre me pareceu sonsa. Acredito que ela sempre foi esse monstro que você diz, só estava esperando a hora de se mostrar de verdade.
- A senhora tem um pouco de razão...
As duas caminharam por mais algum tempo, até pararem diante de uma grande estátua de anjo para admirar a beleza da arte contida ali.
- Sabe de uma coisa, Aline? Vou aceitar a proposta da Vogue.
Aline deu um gritinho, três pulinhos, bateu palminhas e agarrou a avó.
- Eu sabia, eu sabia! – e desceu-lhe beijinhos estalados no rosto enrugado e cheio de pés de galinha.
Aline era absurdamente parecida com Haroldo em personalidade, às vezes Stella sentia-se de volta ao passado, de volta à Nova York, às ruas do Brooklyn batendo carteiras ou comendo panquecas no Side’s. Era tão natural estar perto daquela menina doce, até o modo como Stella a expulsava de seu quarto, da estufa ou da fumegante sala de estar parecia muito à maneira como ela costumava enxotar Haroldo de seu apartamento sempre sujo e bagunçado. E isso fazia a velha Stella dar risadinhas para dentro. Aline era uma versão de Haroldo com vagina, era uma companheira e tanto, aquela menina. Onde será que aquela bicha velha estaria metida àquela altura do campeonato, na reta final? Se é que já não tivesse morrido de algum mal alheio como esses que assolam os idosos. Isso se ele tivesse chegado a se tornar idoso. Haroldo.
Uma grande lágrima escorreu pelo seu rosto, oculta pelas rugas, tornou-se imperceptível. De modo que Aline sequer percebeu e continuou falando sobre como seria o máximo ver a avó dela deitada num sofá daqueles antigos, estirada, usando apenas um colar de pérolas, ou mesmo uma cópia perfeita do Coração do Oceano, como em Titanic, e isso arrancou risadas gostosas das duas. Era cômico, realmente cômico, imaginar a velha encarquilhada Stella jogada no estofado com as pelancas se espalhando no veludo.
Fez-se silêncio. Um pássaro pousou à beira do laguinho e beliscou as formigas que passeavam por ali. Uma forte ventania arrebatou as árvores, as primeiras folhas alaranjadas de outono já cobriam parte do gramado e das vias de concreto do parque que cortavam caminho entre as gigantes que se preparavam para mais um inverno rigoroso.
- Eu simplesmente não estou a fim. – ela respondeu, jogando pão para os cisnes.
- Não, você quer muito reviver os velhos tempos, tenho certeza.
- Não, não quero, isso já passou. Ninguém mais me para na rua como antes, a cada ano diminui mais o número de pessoas que se lembra desse rostinho aqui.
- Isso não quer dizer nada. Você está velha, mas ainda está viva. Tenho certeza de que seria um ensaio maravilhoso, vovó! – Aline jogou uma pedra que quicou pelas águas até afundar ao longe. – vai ser temático, eles disseram algo sobre ambientação de transatlântico, tipo como se fosse um navio, entende? Com marinheiros, comandante, passageiros, essas coisas vintage, sabe? Achei a proposta o máximo.
- Eu sei, é um tema que me agrada muito, sempre gostei de vintage, mas...
- Sejamos sinceras vovó, é o Lucas não é? Ele já está velho, mais velho que você, acho que ele nem se lembra da senhora!
- Isso doeria muito mais em mim do que se ele me reconhecesse, acredite Aline.
- Desculpe. – Aline ajeitou o cachecol vermelho ao redor do pescoço e passou a admirar a beleza do comecinho do outono ao seu redor. O mundo se tingindo de amarelo, laranja e marrom. Os pássaros voando pro sul, as lagartas se trancando nos casulos, as formigas recolhendo os últimos mantimentos para os longos meses que viriam por aí, mamíferos procurando um lugar para hibernar. Os esquilos estavam bem agitados em suas tocas.
- Você está cantarolando Jonna Lee? – perguntou a avó, jogando as últimas migalhas de pão no lago. Os peixes e os cisnes disputavam violentamente por elas.
- Não pude evitar, o parque lembra demais Something So Quiet... E eu adoro essa música, lembra de quando a mamãe não era um monstro de plástico... – Aline espirrou.
- Opa, não vai gripar agora – Stella abraçou a neta, coisa que raramente fazia, com quem quer que fosse – nunca gostei da sua mãe, ela sempre me pareceu sonsa. Acredito que ela sempre foi esse monstro que você diz, só estava esperando a hora de se mostrar de verdade.
- A senhora tem um pouco de razão...
As duas caminharam por mais algum tempo, até pararem diante de uma grande estátua de anjo para admirar a beleza da arte contida ali.
- Sabe de uma coisa, Aline? Vou aceitar a proposta da Vogue.
Aline deu um gritinho, três pulinhos, bateu palminhas e agarrou a avó.
- Eu sabia, eu sabia! – e desceu-lhe beijinhos estalados no rosto enrugado e cheio de pés de galinha.
Aline era absurdamente parecida com Haroldo em personalidade, às vezes Stella sentia-se de volta ao passado, de volta à Nova York, às ruas do Brooklyn batendo carteiras ou comendo panquecas no Side’s. Era tão natural estar perto daquela menina doce, até o modo como Stella a expulsava de seu quarto, da estufa ou da fumegante sala de estar parecia muito à maneira como ela costumava enxotar Haroldo de seu apartamento sempre sujo e bagunçado. E isso fazia a velha Stella dar risadinhas para dentro. Aline era uma versão de Haroldo com vagina, era uma companheira e tanto, aquela menina. Onde será que aquela bicha velha estaria metida àquela altura do campeonato, na reta final? Se é que já não tivesse morrido de algum mal alheio como esses que assolam os idosos. Isso se ele tivesse chegado a se tornar idoso. Haroldo.
Uma grande lágrima escorreu pelo seu rosto, oculta pelas rugas, tornou-se imperceptível. De modo que Aline sequer percebeu e continuou falando sobre como seria o máximo ver a avó dela deitada num sofá daqueles antigos, estirada, usando apenas um colar de pérolas, ou mesmo uma cópia perfeita do Coração do Oceano, como em Titanic, e isso arrancou risadas gostosas das duas. Era cômico, realmente cômico, imaginar a velha encarquilhada Stella jogada no estofado com as pelancas se espalhando no veludo.
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