Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A Segunda Experiência - Chase Suite II of III

Primeiro foi o desespero, o pavor em me imaginar naquela fila enorme desde as onze da noite, e depois as exclamações de indignação e de recusa. Eu me recusei a passar por tamanha humilhação! Mas nem pensar! Eu, Louie Mimieux (no caso, Antonio Fernandes, mas tanto faz), virar a madrugada numa fila esperando pra ser atendido como numa fila de hospital público? Mas nem pensar!

E então foi tudo desmentido: o neto da amiga da minha mãe (e também tia que faz o meu cabelo com toda a paciência do mundo) havia mentido para passar a madrugada fora, afirmando que "a fila pro alistamento no exército já tá dobrando a esquina do quarteirão!" e isso em plenas onze da noite! Mamãe, a meu pedido, foi verificar se havia alguém na frente da repartição pública a esta hora, e voltou de lá confirmando a mentirada: está deserto. Nenhuma alma viva ou morta.

Por um minuto quase morri, me imaginando em tal situação tão imprópria para mim, alguém tão fino e cheio de classe (pra não dizer metido ou boçal). Porém, fui dormir com a certeza de que iria enfrentar uma fila enorme na manhã seguinte. Mas não fazia ideia do quão enorme era:

No final das contas, às oito da manhã, a fila estava virando a esquina, quase dando a volta completa no quarteirão! Eu não sabia se ria ou se chorava.

Meu cabelo (que ainda está NAQUELA situação que só será resolvida sábado) estava todo assaranhado, minha maquiagem toda borrada, havia restos de esmalte nas minhas unhas e minha cara, completamente amassada pela noite mal dormida ao som de Janelle Monáe e seu ArchAndroid. O alter-ego robótico da artista, Cindi Mayweather, ainda dançava e cantava na minha cabeça enquanto fugia do governo de Metropolis, onde os organismos cibernéticos são proibidos de desenvolver qualquer tipo de sentimento humano, principalmente o amor. E foi o que aconteceu à Cindi: ela aprendeu a amar, e por isso passou a ser perseguida pelo governo que quer desativá-la! A história é cantada nos álbuns de Janelle, escrita nos encartes dos CDs e interpretada no palco, inspirada no filme distópico alemão "Metropolis" de 1927 dirigido por Fritz Lang. Uma coisa louca, um album que mistura elementos do eletro, do soul, do R&B, do Jazz e do legendário rock de Elvis Presley. Uma salada que deu muito certo.

Dobrei a barra das calças, amarrei o cabelo pra trás e dei a cara à tapa. Passei então a manhã inteira pegando sol, poeira e fumaça na cara, suei e passei frio, mas por sorte ninguém mexeu comigo, as pessoas finalmente aprenderam a ignorar minha existência, principalmente quando eu estou feio, o que era o caso, o que foi muito conveniente para mim. E vamo combinar, nunca vi tanta bicha reunida na minha vida, depois reclamam que eu sou afeminado demais, mas aquelas bee's que marcaram presença na fila do alistamento eram um estouro de gazelas coloridas, eu ficava com o ouvido atento à conversa delas o tempo inteiro, e morria de rir internamente com as pérolas que elas soltavam.

- A Cupim foi morar pra São Paulo, mana! - disse a mais magra.

- Porque Cupim? - perguntou a mais gorda.

- Porque ela gosta de roer pau, ora essa! - respondeu.

E as duas gargalharam. Meu estômago deu uma cambalhota! Então havia aprendido um novo apelido e um motivo para colocar ele em alguém desagradável que não se dá ao respeito... É vivendo que se aprende! Outra coisa que elas comentaram que fez meus rins baterem palmas foi "nenhuma gay de macapá vai servir o exército, só os soldados!". Hm, isso explica muita coisa!

O neto da amiga da minha mãe também estava lá, ora pois, na companhia de um amigo, provavelmente com quem ele passara sua suspeitíssima noite, e quando a dupla atravessou a rua, as duas que estavam fofocando atrás de mim soltaram hordas de comentários maldosos a respeito do duo. É nessas horas que agradeço por ser totalmente esquisito, geek e antissocial, isso evita que meu nome caia na boca de gente desse nível.

E então mais lá pra frente, já perto da porta de entrada da 045ª Junta Militar do Estado Amapá, eu o vi, e fiquei cara a cara com ele... ele... o rosto daquele ser humano jamais vai sair da minha cabeça, não enquanto eu viver! Era um rapaz, de rosto jovem, comum, quem o visse por foto não veria nada demais em sua aparência, tinha uma beleza simples e jovial... O comum acaba aqui!

Senhoras e Senhores, eu lhes apresento: O GAROTO MAIS ALTO QUE EU.

Detalhe: eu tenho aproximadamente 1,93 de altura. E perto dele eu me senti uma criança de novo! Ele tinha cara de quem está na faixa etária de uns 14 anos, mas lá estava ele, e tinha talvez dois ou três dedos a mais de comprimento do que eu! EU ME SENTI TÃO NORMAL, ME SENTI TÃO BEM, TÃO SEGURO, TÃO PROTEGIDO PERTO DAQUELA CRIATURA! Queria que ele fosse meu amigo ou coisa parecida, aí então eu dividiria os olhares de espanto que eu recebo quando entro em algum lugar público ou onde haja pessoas, de todo modo. Ele parecia ser uma pessoa legal, mas eu não troquei nenhuma palavra com ele, coisa da qual me arrependo profundamente. Eu encontro alguém mais alto que eu fico calado, mudo que nem uma estátua. É, eu sou foda.

E aí o rapaz que estava na minha frente (bem mais baixo que O Garoto Mais Alto Que Eu) entregou a documentação para a mulher que estava na porta, e ela deu uns ralhos com ele por causa dos óculos escuros e da ausência do comprovante de residência.

- Cadê teu comprovante de residência?! - ladrou a mulher, estressada.

- Não tem... - grunhiu o menino, pra dentro, como uma mula pastando.

- TIRA ESSE ÓCULOS DA CARA RAPAZ, FALA DIREITO COMIGO! - o menino pegou um susto e retirou os óculos, foi empurrado pra dentro acompanhado de muitas exclamações - DEIXA TEUS DOCUMENTOS LÁ E VAI ATRÁS DESSE COMPROVANTE AGORA! ORA PORRA, DESFILE DE MODA É LÁ FORA!

Quando chegou a minha vez, pensei que fosse tomar uns ralhos também. Mas não, ela apenas fez a mesma cara feia que sempre fazia quando pegava os papéis de qualquer um e me disse:

- Te mete naquela fila ali e entrega os documentos assim! - ela virou minha foto 3x4 de costas e prendeu com um clipe. Será que eu sou tão feio assim?!

E foi o que eu fiz, rapidamente entrei e me meti naquela fila, entreguei meus documentos para uma velha senhora que os pegou e me indicou o caminho para o que deveria ser uma sala de espera, mas era na verdade o quintal da Junta Militar, o que eles chamam de "A Área". "Você aguarde lá na área!" disse a senhora pra mim. E foi o que eu fiz.

Pra falar a verdade, eu estava com um mal estar terrível, meu peito estava doendo, meus ombros doíam quando eu respirava e me faltava ar. Consequência da meia hora embaixo do sol quente de nove horas da manhã.

Não deu muito tempo e outra tia surgiu de dentro da repartição, agora esbravejando contra alguns rapazes que se acumulavam no pátio aos montes. "vão! vão esperar pra lá! vão dar uma volta! vão passear, sei lá! vocês que entregaram os documentos agora só vão ser atendidos lá pras duas da tarde!". Ela gritou com uns e outros que a questionaram e expulsou uns dois ou três com empurrões, enxotou os mais fracos como se enxota galinhas, pegou um cigarro e voltou-se pra mim (eu havia me sentado numa caixa de gordura ou algo parecido, não sei, mas era de concreto e estava sujo de terra).

- Não adianta nada né? - falou ela para mim, meio que desabafando - se amontoar aqui e ficar esperando! Tem gente que chegou 4 da manhã sendo atendido ainda, vocês só a partir das duas da tarde! - comigo ela foi bem simpática e até legalzinha, acho que ela foi com a minha cara, acendeu o cigarro e eu lhe disse:

- Vou pra casa tomar um banho e voltar, é o que mais convém agora!

- Isso, isso mesmo - assentiu ela, tinha cara e voz de quem gostava de uma boa prosa - vão pra casa de vocês, almocem e voltem!

E eu saí de lá, tomei uma água na padaria e fiquei procurando pelo Garoto Mais Alto Que Eu, afinal de contas ele é um ícone raríssimo! Então eu peguei o ônibus e vim para a casa, e cá estou, esperando dar a hora de tomar banho e voltar para aquele lugar. Nem vou poder ir pra faculdade hoje, isso é mau, adoro aula de História da Arte, e aquele professor é super bacana.

Enquanto eu vinha no ônibus, me imaginei como um androide, me imaginei no lugar de Cindi Mayweather, contextualizei sua fuga fora da lei na minha situação atual:

Eu, um androide que desenvolveu vontade própria e não deseja servir às tropas de defesa da cidade de Metropolis, ou sequer se alistar, mas precisa fazer isso para ganhar a sua carteirinha de dispensa...

No final das contas eu transformo tudo em um Conto de Fadas... Falando em Conto de Fadas, quando saí de casa pela manhã, a futura rainha da Inglaterra estava se casando com o príncipe William... Essa moça, Kate Middleton, é a prova de que histórias de amor e Contos de Fadas acontecem mesmo... Para pessoas ricas e bonitas. Gente como eu nunca tem um final feliz...

Enquanto Kate Middleton se torna princesa, eu continuo a eterna, suja e descabelada gata borralheira, com seu blog que quase ninguém lê.

É, é a vida.



Continua...



2 comentários:

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