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sábado, 9 de abril de 2011

Capítulo X - Amélia Mimieux e a Profecia da Lua Vermelha

Pouco antes de montar o pássaro gigante e voar rumo aos confins das Cordilheiras, Amélia recebeu a visita das Feiticeiras das Montanhas, em suas máscaras de crochê e seus mantos coloridos ou brancos. Elas surgiram como fantasmas alados, esvoaçantes por entre as árvores, macacos místicos de pele da cor do leite, saltando de galho em galho com a graça de bailarinas celestes, sem quebrá-los ou sequer provocar um leve farfalhar daquelas folhas dos pinheiros, das araucárias, dos bambus e dos ciprestes. Eram anjos mascarados.


Aquela que sabia a língua humana e que falara com Frederico há um dia atrás desceu de seu galho, enquanto as outras observavam das alturas, os olhos esbugalhados curiosos, outras desconfiadas, assustadas ou até mesmo desgostosas e reprovadoras. Kärla, como se chamava, aproximou-se sorrateiramente da jovem que a observava séria, fez uma reverência e se apresentou.

- Humana, eu me chamo Kärla, A Caçadora. – começou, tirando a sua máscara de samurai da cabeça. As outras feiticeiras estremeceram e soltaram exclamações em gemidos e murmúrios.


Era proibida a retirada da máscara fora dos limites da aldeia, que ficava há quilômetros de distância dali, quase no fim da floresta, longe o bastante do mundo humano para que as árvores ficassem escassas. – falo a tua língua porque já estive no teu mundo, já fui do teu mundo, e quando caí neste mundo por acaso, ainda pequena, fui acolhida pelas irmãs... – fez um gesto para os vultos nos galhos – estivemos observando vocês com atenção durante todos esses dias, sem saber como reagir ao que estaria por vir...


- Aonde você quer chegar com tudo isso? – perguntou uma irritadiça Amélia, com o pequeno pássaro que havia sido seu pai pousado no ombro.

- Há coisas que você precisa saber antes de partir até os limites das Cordilheiras...


A conversa durou certo tempo, elas sentaram-se no chão mesmo, de pernas cruzadas na posição do lótus, frente a frente uma da outra. O grande pássaro do tamanho de um pônei também arriou-se ao chão ao lado das duas, procurando proteger a jovem o máximo possível, como se a própria fosse seu filhote, e ali Kärla iniciou sua história...

Há muitas eras atrás, não havia nada no vácuo, ele era apenas um espaço vazio ocupado por névoa branca e espessa, onde os restos de um estranho mundo perdido flutuavam, eram grandes pedaços de terra sem vida. No vácuo havia moradores muito antigos, seres sem corpo, seres sem alma, feitos de sombra, que não tinham propósito algum, vagavam errantes, e por vezes caíam no mundo humano, onde causavam grandes desastres. Os Espectros, como são chamados, já tiveram um rei, um senhor de sombras, que sonhava em dominar o universo. Foi derrotado pelas cinco guerreiras lendárias, e após a derrocada de tal ser, o vácuo viu-se abandonado, e os Espectros voltaram às origens como seres errantes nas sombras.


Antes de mais nada, você precisa saber que o tempo varia muito entre o seu mundo e as Cordilheiras. Você pode passar um segundo aqui, mas não se espante se ao voltar para o seu mundo deparar-se com todos aqueles que você amava mortos. Assim como mil anos aqui neste lado podem ser um piscar de olhos lá do outro.

Mas um dia, as grandes massas de terra flutuante começaram a se unir e a formar enormes montanhas bem no meio do vazio, se reuniam formando verdadeiras trilhas, antes caminhos de pedra estreitos, depois estradas sólidas e em seguida blocos colossais e pontiagudos. As montanhas se reuniam aos poucos em uma linha errante que seguia em direção ao infinito, e com o passar dos anos, as massas de terra ficaram tão unidas que pareciam ter nascido grudadas, juntas, ali. Pensou-se que algo grandioso estava para acontecer, e foi exatamente isso o que aconteceu


Um grande cortejo de espectros passou por entre as montanhas pedregosas, e nossos primeiros antepassados presenciaram isto, porque chegaram junto ao cortejo vindos de mundos distantes. A caravana cortou os vales e a beirada dos penhascos, uma enorme caminhada que levava quatro luxuosas liteiras para o vazio mais adiante onde a linha montanhosa terminava. Lá, aquele a quem os espectros chamaram de Lilith, O Sanguinário, desceu de sua liteira, e seus outros três irmãos fizeram o mesmo.

Os quatro deuses deram as mãos e usando seus poderes demoníacos deram a luz a um novo mundo, isso demorou algum tempo, de modo que os deuses tiveram de construir uma morada temporária no cume da montanha mais alta, a última montanha das cordilheiras, aquela que eles chamaram de Auriel. Lá no topo foi erguido um enorme palácio de ouro, onde os quatro deuses meditaram durante muito tempo em silêncio, concentrando todos os seus poderes na criação de outro mundo, e no final, os espectros comemoraram porque tinham um novo rei e um mundo concreto para viver.


Mas logo se decepcionaram, pois Lilith e seus irmãos partiram para o novo mundo, agora já habitado por criaturas trazidas de outros universos ou criadas a partir da mente dos deuses. Os quatro deuses se foram para aquilo que chamaram de Oráculo, a fonte da sabedoria, sem sequer olhar para trás. Mas Lilith prometeu aos seus servos que voltaria quando chegasse a hora, e eles saberiam quando seria hora.

Um dos espectros perguntou como, e Lilith sorriu, esfregou as mãos com força e espalmou-as em forma de concha. Ali entre seus dedos havia um pequeno sapo de grandes olhos amarelos, e assim, foi profetizado que quando aquele sapo estivesse tão grande e gordo a ponto de explodir e a lua cheia no céu tornar-se vermelha como sangue, Lilith voltaria do Oráculo para governar.


O Sanguinário contou-lhes a profecia do fim das Cordilheiras e contou-lhes sobre o que aconteceria após a queda daquelas montanhas no abismo. Ensinou-lhes também o ritual necessário para que ele viesse a este mundo, e por fim partiu para o Oráculo junto de seus irmãos, deixando para trás de si um grande milagre, uma vasta e farta floresta que tinha origem no mundo humano.

E da curta estadia de Lilith neste pequeno mundo restou este palácio de ouro, resplandecente, coroando o alto da montanha mais alta de toda a Cordilheira, onde este mundo termina. E os espectros então consagraram aquele lugar como um templo, e ali fizeram oferendas e rituais de adoração a Lilith nas noites de lua cheia, esperando a noite da lua vermelha. Enquanto isso o pequeno sapo crescia, se alimentando no começo apenas dos insetos que aqui viviam... Foi ele quem deu fim a toda a fauna que habitava este lugar, ele devorou os insetos um a um, e depois os coelhos, os esquilos, os pássaros, os cervos, os veados e até a família de lobos, a família de panteras e os ursos. As criaturas que restaram esconderam-se nas entranhas das montanhas...


No final de seu banquete ele já estava tão grande e gordo que passou a ser adorado como rei no templo, e os espectros o chamaram de Ousama, O Poderoso. Ele havia criado consciência também, pensava como gente, e após ver o pequeno Frederico na clareira há alguns anos atrás, decidiu que se faria homem de um jeito ou de outro, seria gente. Em seu nome, porcos foram trazidos do mundo humano e sacrificados nas pedras, da carne do porco Ousama se alimentou, pensando que se faria gente, mas não se fez.

Não bastava querer ser gente, queria também ser rei. Reinar sobre os espectros, sobre os monstros e sobre os homens, queria ocupar o lugar de Lilith, aquele que o criou, e por isso ordenou aos espectros que trouxessem o humano da profecia, aquele que consagraria seu corpo na noite da lua vermelha. Mas os espectros erraram não só uma, mas duas vezes, trazendo primeiro o pai e por último o filho, na companhia da irmã, a qual sequer deveria ter vindo. Isso deixou Ousama furioso. Ele queria provar do sangue humano, se o sangue humano traria Lilith de volta, porque não o transformaria em gente?


Mas ele era grande e gordo demais, jamais poderia sair do palácio sem morrer esmagado pelo próprio peso, e os espectros não podiam sair à luz do dia porque desapareciam, tornavam-se invisíveis, e sequer podiam entrar na maldita casa amarela, que os repelia e os amedrontava. Havia um encanto nela, e eles sequer sabiam de onde ela havia saído. Certa vez Ousama criou um monstro feito da sua própria carne, mas a criatura, uma cópia menor sua, não sobreviveu. Após perseguir Dimitri, o pai, na floresta, desfez-se em muco e evaporou, e isso deixou Ousama muito frustrado, quem levaria o sangue humano até ele?

Eis então que no mundo humano, alguém se matou numa banheira, alguém próximo a Frederico. Era exatamente disso que Ousama precisava: alguém que não quisesse viver, alguém descartável para servi-lo somente naquele momento, alguém que não o atrapalhasse e que ele pudesse jogar fora. E então você se pergunta “porque ele não tomou do sangue dela?”. Ora, pelo simples motivo de ela não conter o sangue de monstro, o sangue da profecia, o sangue mágico. E assim, os espectros trouxeram Geraldine para as Cordilheiras, e possuíram seu corpo, mudando sua essência por dentro, transformando-a naquele corvo monstruoso que sequestrou Frederico.


“O que eles vão fazer a ele?” Você se pergunta.

E eu lhe respondo.


Vão ungi-lo nos óleos sagrados, perfumá-lo nas pétalas mágicas e uni-lo em matrimônio simbólico com a lua. Ele será o primeiro alimento de Lilith neste mundo. O seu coração saciará a sede do Rei dos Monstros por sangue, e assim que Lilith estiver de pé, Ousama o matará, assumindo então a coroa do reino das aberrações, tudo isso sob a luz maldita da lua vermelha, o crepúsculo das eras.

Um comentário:

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