Assim se passou a história que vou lhes contar, e sinto em ter de cortar a cabeça de quem disser que é mentira.
Havia uma gata, mas não uma gata qualquer, uma gata preta e gorda chamada Pumpkin, que nas noites de lua cheia pode mudar de forma e se transformar numa formosa moça de pele branca e aveludada, olhos verdes como esmeraldas e cabelos encaracolados e negros como a ônix, e aqui eu lhes conto a história de como essa gata preguiçosa e peluda salvou o natal.
“A quem você está chamando de preguiçosa e gorda?!”
Ah, você estava aí...
“Estava não! Estou!”
E que tal fortinha e Entediada?
“Mas nem pensar!”
Ora, cale-se Pumpkin! Estou tentando contar para as pessoas sobre como você livrou o traseiro do bom velinho de uma confusão daquelas.
- Yo-ho-ho! Feliz Natal!
“Papai Noel?!”
Papai Noel?!
- Não! É o coelhinho da Páscoa!
Ora, Papai Noel! Estou tentando contar para as crianças como Pumpkin salvou o seu traseiro de uma confusão daquelas, mas parece que vocês dois não vão colaborar com isto não é?
- Só vim lhes mostrar a jaqueta da Gucci que acabei de comprar! Acabou de sair nas lojas!
É pessoal, ao contrário do que vocês pensam, Papai Noel não é um velhinho simples, gordinho e desajeitado vestido de vermelho, e sim um velhinho cheio de estilo, gordinho e vestido em qualquer roupa de marca que você possa imaginar. Há muitos anos ele não era assim, pode crer, mas foi só ele eleger a nova Mamãe Noel lá pelas bandas dos anos 50 que ele inventou de andar na moda... Eu particularmente preferia vê-lo naqueles trajes encantadores dos quais me lembro nos filmes e nas histórias de Natal...
- Yo-ho-ho! Mas nem pensar! Eu nunca usei vermelho em toda a minha vida, quem me vestiu de vermelho foi a Coca-cola sabiam crianças?
“Pelo amor de Deus, olha o marketing não remunerado hein?!”
Sabia que Coca-cola com Aspirina causa buraco no estômago?
- Olhem para o rumo que esta conversa tomou! E não culpe a pobre Marriet pela minha mudança de estilo! Fui eu que percebi que aquela minha roupa estava muito passada...
“Quem é Marriet?”
É a Mamãe Noel! Você a conheceu nesta história que estou tentando contar!
“Então o que você está esperando homem de Deus? Começa logo!”
Pois bem, que assim seja. Sem mais interrupções, Pumpkin como uma legítima gata de bruxa, mora numa mansão mágica com as Primas Dellabóboras, quatro bruxas e sua tutora que vivem aventuras estranhas em uma vila distante chamada Vila de Mônica. Era véspera de natal, e toda a casa estava em silêncio, nenhum camundongo fazia “peep”, nenhuma porta rangia e o fogo da lareira muito menos pipocava. Pumpkin, a gata, dormia de barriga para cima, esquentando seu traseiro gordo no fogo aconchegante da lareira da Mansão Dellabóbora...
“Como é que é?! Traseiro Gordo?!”
Calada! Ao contrário do que tradicionalmente acontece, lá fora não nevava, mas o chão estava coberto por uma manta branca de neve que caíra pela parte da tarde, dando assim um clima aconchegante de Natal com o céu estrelado e cravejado de lindas estrelas brancas e azuis. Já era o meio da madrugada quando Pumpkin se acordou e foi espiar a árvore de Natal, lindamente enfeitada com abóboras e vassouras e varinhas e chapéus cônicos. E achou muito estranho que lá ainda não houvessem presentes. Muito intrigada com tudo aquilo, a gata resolveu postar-se no parapeito da janela para investigar o céu lá fora. E ela não gostou nenhum pouquinho do que viu, nada de trenós, nem de rendas de velhinho barrigudo nem nada de nada.
Pumpkin foi para sala, atravessou sua pequena portinhola e por pouco não ficou entalada, então ela pensou que seria uma boa idéia fazer um regime.
“Porque VOCÊ não faz um regime?!”
Ao irromper pela sua portinhola instalada nas portas do hall da mansão, Pumpkin caminhou pela maravilhosa terra de inverno da noite de natal, escapando pela varanda da mansão e pulando por entre os montes de neve e as abóboras gigantescas, maduras e agora cobertas de gelo. Lá, na colina onde se encontra a Mansão Dellabóbora, as abóboras crescem o ano inteiro! Dizem que foi um feitiço posto pelas primeiras moradoras da casa depois que Briselda, a Matriarca foi morta.
Sendo assim, Pumpkin brincando na neve, feito um gatinha que acabara de abrir os olhos, esbarrou em algo duro e gelado, que não eram abóboras nem montes de neve se você quer saber, e muito menos bonecos de neve. Finalmente a gata se deu conta de o quão longe fora brincando na neve, a mansão agora parecia um casebre de dar medo mais ao longe, e ao virar-se para analisar no que ela havia dado de costas, eis que ela enxergou o trenó mais lindo e iluminado que já vira em toda a vida, enfeitado com bordas de ouro e guizos pendurados. Porém, o belo trenó onde se lia “Sonho de Natal” estava partido em dois, e das rachaduras lhes saíam faíscas de mágica natalina, as luzes verdes, azuis e vermelhas cintilavam refletidas na neve intocada e perfeita manta invernal.
- Por Deus, Mas o que houve por aqui? E como eu não ouvi essa coisa enorme se chocar contra o nosso quintal? – questionou-se Pumpkin, a gata. Agora ela se dava conta de que estava à beira da floresta tenebrosa que ficava nos fundos da mansão, ao pé da colina. Foi então que a gata escutou o resmungar de algo que parecia estar sendo esmagado por outro algo bem pesado, e não muito longe dali.
Eis que Pumpkin avistou uma rena, sim uma rena! E a pobre da rena estava sendo esmagada por uma vaca amarela, o que Pumpkin achou bizarro, bem mais bizarro do que as aventuras de suas donas, as Primas Dellabóboras. O que uma vaca amarela estaria fazendo às beiras da Selva das Macieiras – tão perigosa que é – esmagando a pobre da rena? E ainda mais na noite de natal?
- Tem algo ali... – a gata chapinhou pela grossa camada de neve já com muita dificuldade seguindo um brilho vermelho falho, quase apagado, e viu que aquele brilho vinha do nariz da robusta e lustrosa rena resmungante.
- Claus... Claus... – resmungava a rena.
- Quem é Claus? – perguntou a gata.
- MUUUU! – mugiu a vaca – é ninguém menos que Papai Noel!
- Vaca, você deveria estar em um celeiro não deveria? – questionou Pumpkin.
- Deveria, afinal trabalho o ano todo rendendo o leite para o biscoito junto com as minhas centenas de irmãs, então deveria estar descansando na noite de natal, mas nããão – mugiu a vaca muito revoltada, colocando os cascos na cintura e sacudindo a cabeça pra lá e pra cá, fazendo balançar seu sino dourado. – Essa rena maluca me convenceu de que precisávamos salvar o natal das milhares de criancinhas do mundo e olhe para nós, estatelamos o último trenó da fábrica em uma plantação de abóboras sendo que abóboras JAMAIS deveriam crescer no inverno!
- É que aqui as coisas são diferentes, dona vaca... – explicou Pumpkin agora um pouco irritada com a pose que a vaca tomara para si.
- Saia de cima de mim, Resmungona! – exclamou a rena jogando a vaca amarela longe. – Bom Dia, já passa da meia noite então já é dia. Meu nome é Rodolfo, e sou a rena do nariz vermelho.
- Sei, conheço essa história... – Pumpkin rodeava a rena como um leão pronto para atacar a presa, mas na verdade, ela analisava cada detalhe da rena, o pêlo grosso e demasiado, preparado para a neve, a galhada lustrosa que parecia uma coroa de ouro no alto da cabeça, pelo visto ela era uma autêntica Rena do Papai Noel – mas, me diga seu Rodolfo, o que o fez se chocar com o meu quintal na noite de natal?
- Você mora na mansão? – questionou a rena erguendo a cabeça para observar a figura tenebrosa dos fundos da mansão, lá no alto da colina.
- Moro eu e minhas cinco bruxas, mais uma trupe de monstros peludos e ratos de porão... Típica casa de bruxa!
- Sim, sei... O que fez com que meu trenó se chocasse com o seu quintal foi o seguinte fato:
Há meio mês que Papai Noel, ou como eu os seus leais amigos costumamos chamar, o Senhor Claus estava agindo de modo estranho, parou de comprar roupas até! E comprar roupas é o passatempo favorito dele e de Dona Marriet, a atual Mamãe Noel... Eis então que ele passou a invadir a fábrica à noite e destruir todos os brinquedos que os elegantes elfos construíam arduamente todo dia, e nós não entendíamos nada do que estava acontecendo até então, sendo que ele dizia não lembrar de nada na manhã seguinte. Marriet estava muito preocupada e chamou o médico, que é um elfo muito inteligente e fiel se quer saber, para fazer a consulta, mas – veja só você – Claus abriu uma boca de tubarão com milhares de fileiras de dentes e engoliu o médico! Sim, engoliu o médico!
- Ora, mas isto é terrível! Papai Noel enlouqueceu de vez ou será que está possuído por algum demônio da neve?! – Espantou-se Pumpkin estarrecida com tal situação.
- E aí chega à parte pior... Ele então trancou todos os elfos nas celas e os forçou a construir brinquedos possuídos por pequenos demônios que estão saindo de um portal que ele mesmo abriu com seu mágico Cajado Doce... – a rena suspirou – Não sei o que ele pretende com isso, mas estamos atrás da Família Noel para resolverem o problema... Íamos para a Alemanha atrás de Nourie Hadig, a amável Filha Noel, mas o trenó bateu em alguma coisa e caiu! Nourie Hadig é a única que sabe o Amargo Segredo cantando na canção da Boneca Profeta, a primeira boneca construída por Papai Noel em seu primeiro Natal...
- Esta história está um tanto absurda não acha? – questionou Pumpkin, a gata outra vez.
- Eu concordo, mas você tem de acreditar em mim, a única que me ouviu foi a Vaca Amarela Resmungona, mas como você viu, ela não ajuda muito...
- Tá legal, vou te dar essa chance de que isso seja verdade... – começou Pumpkin – mas se caso não for, vou fazer uma lanterna de brinquedo com o seu nariz está certo?
- Combinado!
Sendo assim, Pumpkin montou nas costas da rena falante e os dois alçaram vôo para a noite natalina estrelada, sendo seguidos de perto pela vaca que por incrível que pareça também voava graças ao Pó Mágico de Natal que é o que faz as renas do trenó voarem se você quer saber. Com a gata nas costas e a vaca de encosto, a rena sobrevoou as capitais mais importantes da Europa!
Sobrevoou Veneza:
- Olhem as gônadas! Que românticas elas são! – exclamou a gata fazendo tremelicar seus bigodinhos brancos como a neve.
- Você está indo pro lado errado, Veado! – exclamou a Vaca Amarela Resmungona de encosto.
- Não sou um Veado, sou uma rena! - respondeu a rena mudando no mesmo momento de direção, ela estava indo para o sul ao invés do norte.
Sobrevoou Roma e o Vaticano:
- Vamos ver se conseguimos enxergar o papa daqui de cima? – propôs Pumpkin, a gata procurando pela figura regente da igreja.
- Mamma Mia! - mugiu a vaca.
Sobrevoou Mônaco e Paris:
- Vai um pão francês? – ofereceu Pumpkin aos seus companheiros de viagem.
- Eu quero um croissant! - exclamou a vaca.
- Omelete du Formage! - pediu a rena.
Sobrevoou Londres:
- À sua direita, o Big Ben! – disse a rena direcionando seu focinho luminoso em direção ao grande relógio.
- OOOOH! – exclamaram a gata e a vaca.
E Amsterdã:
- Você está indo na direção errada de novo! – mugiu a vaca.
E por fim o vasto mar os esperava mais adiante, e por fim, uma floresta encantadora e toda coberta de neve que ficava na Alemanha, e dentro de um pequeno e aconchegante chalé vivia Nourie Hadig, ou em português, Pedacinho de Romã. E assim se deu o fato de que a rena pousou no telhado da casa de Nourie Hadig, e como não havia nenhum homem na casa, Nourie Hadig nunca consertava o telhado, e por isso as telhas se partiram e a rena, a vaca e a gata amorteceram seus traseiros gordos na macia e quentinha cama de Nourie Hadig.
- Oh, por Deus! Uma vaca amarela, uma rena do nariz brilhante e uma gata preta e gorda! – exclamou a doce Nourie Hadig de pele branca como a neve e de maçãs do rosto vermelhas como a semente da romã.
- Doce Filha Noel, aqui viemos, eu, uma vaca e uma gata pedir-lhe sua mais humilde ajuda pois seu pai não passa bem! – baliu a rena, se é que as renas podem balir, porque quem bale é a ovelha, mas foi assim que me contaram a história e assim lhes conto. Se rena não bale, isso não é problema meu!
Assim, Pumpkin, já muito impaciente com toda aquela situação desconfortável tomou a frente e miou toda a história para a Doce Filha Noel, que ficou estarrecida com tal situação e por pouco não chorou.
- Monte na vaca, Neta Noel ou seja lá o que você for! Eu estou montada na rena e assim partiremos para o Pólo Norte!
Pumpkin, a gata, decidida por salvar o Natal e envolvida por um estranho espírito natalino que não é de sua natureza, tomou as rédeas da rena e partiram à toda velocidade para o deserto gelado que era o Pólo Norte. Mas ao invés de irem pelo mar, preferiram cortar caminho pela Rússia à toda velocidade, assim a lua surgiu no céu, transformando Pumpkin numa bela e formosa donzela, a que descrevi no começo da história com cachos negros como a ônix e olhos verdes como a esmeralda com rabo e orelhas de gato, fazendo todos levarem um grande susto por essa repentina transformação, e assim Pumpkin explicou que um acidente de alquimia a tornara uma gata encantada que poderia se transformar em mulher na noite de lua cheia.
Eis que a trupe de animais e donzelas chegou ao deserto gelado, acenando para os esquimós, sereias e ursos polares. Estava muito frio lá, mas como Pumpkin era uma gata realmente muito gorda, pouco se importou com o frio.
“Ora, seu...”
E assim a rena e a vaca pousaram num grande campo aberto, cercado por montanhas de todos os lados, e lá murmurou estranhas palavras mágicas, estas que fizeram o chão abrir-se sobre seus pés e patas levando-os para uma câmara escura e assustadora toda feita de vidro, paredes e piso, o único brilho que iluminava aquele lugar era o brilho azulado vindo do gelo dos icebergs ao redor, e então Pumpkin lembrou-se da aventura que vivera em Janeiro com suas donas, da vez que aventurou-se dentro da nave abandonada por extraterrestres e que agora servia de fábrica para Papai Noel e os elfos, ali, naqueles mesmos corredores abaixo do nível do mar onde peixes coloridos nadavam ao redor, como se eles estivessem em um grande aquário como daqueles que vemos em filmes.
Só que ela não lembrava de tudo ser tão escuro e bagunçado. Depois de muito andar pelos corredores escuros de luz fraca e azulada, a trupe de criaturas chegou a ouvir o lamento dos pobres elfos presos em várias celas, e ao virar em mais uma esquina dos corredores intermináveis cheios de portas e salas secretas, eles deram de cara com uma grande prisão onde belos rapazes e moças de orelhas pontiagudas lamentavam sua desgraça. Mas ao contrário do que vocês podem pensar, esta tal prisão não era como outra qualquer. Os pobres elfos estavam presos em gigantescas bolhas de sabão em grupos de três, bolhas estas que flutuavam em um grande salão branco e redondo como um ovo.
- Elfos, Elfos! – clamou Rodolfo, a rena do nariz vermelho – digam à Nobre Gata Pumpkin que se dispôs a nos ajudar e à Doce Filha Noel que veio em socorro do pai o que nos aflige desde que o natal se aproximou!
E aí todos os elfos começaram a falar ao mesmo tempo, dando uma forte dor de cabeça em todos, já que as exclamações ecoavam de modo que batiam nas paredes brancas e retornavam aos ouvidos dos que estavam fora das bolhas de sabão.
- EPA-EPA-EPA! – berrou Pumpkin – vamo acabar com a patifaria! Falem um de cada vez, pelo amor de Deus! Será que a mãe de vocês não lhes deu educação?!
- Pumpkin! A gata de estimação de Kerbina Dellabóbora, prima de Cordélia Dellabóbora! – disse o elfo Nathaniel que participou da aventura passada no Pólo Norte quando Kerbina foi seqüestrada por Macacos-do-Ártico até Nabaztag.
- Nathaniel! Que bom vê-lo! Agora, já que foi o primeiro que falou, diga-me o que lhe aporrinha! - miou Pumpkin.
- O fato foi que um segredo de mil anos foi revelado, e agora a desgraça caiu sobre todos aqueles que serviram o Nobre Noel em todos os seus anos de bondade e compaixão! – clamou o elfo, fazendo com que a multidão de elfos recomeçasse a euforia.
- CALADOS! – rugiu a gata, assustando-se com o próprio rugido que ecoou nas paredes – prossiga Nathaniel...
- Nobre Marriet nos disse que a única criatura capaz de impedir que a terra gelada caia em desgraça é Nourie Hadig, a Filha Noel! – concluiu o elfo.
- Sim, e o que isso tem haver com Papai Noel ter ficado doido da cabeça? – perguntou Pumpkin agora já muito irritada, tinha sido tirada de seu sossego para ouvir estórias e elfos malucos! – e quem é Marriet?
- O fato que se consumiu foi o seguinte: um segredo do qual não fazemos idéia do que seja foi revelado, e dizem este segredo ter mais de mil anos, e a revelação deste segredo fez com que Papai Noel sofresse as conseqüências, e as conseqüências foram estas: Papai Noel enlouqueceu e tornou-se um homem maldoso e avarento que também não fazemos idéia do que ele pode querer... Mamãe Noel sumiu, e ele está prestes a lançar a nave aos ares para entregar brinquedos enfeitiçados para todas as crianças do mundo!
- Mas que história porreta! – exclamou a Vaca Amarela Resmungona de Encosto.
- Concordo com a vaca, devemos fazer alguma coisa e já! – rosnou Pumpkin dando um soco na palma da mão – vaca, rena, vocês vão estourar essas bolhas de sabão, reuniremos um exército de elfos bonitões e acabaremos com os planos malignos desse Papai Noel maluco!
- Não! Vocês não podem! – expôs-se Nourie Hadig – enquanto ele estiver com Cajado Mágico dele, nada poderemos fazer!
- E o que você sugere? – perguntou a gata cruzando os braços.
- Eu sugiro – começou a donzela Nourie Hadig – sugiro que usemos o meu Cajado Mágico Amargo, o contrário do Cajado Mágico Doce de meu pai! Esta é a única forma de desarmá-lo e pensarmos em fazer alguma coisa!
- E onde está o seu Cajado Mágico Amargo? – questionou a vaca.
Nourie Hadig puxou uma linda boneca de pano vestida de rainha do gelo, jogou-a para o alto e esta virou uma esfera e explodiu em um brilho de mil cores, tornando-se o Cajado Mágico Amargo que flutuou até a mão de sua verdadeira dona, a donzela Nourie Hadig.
- Então esta é a lendária Boneca Profeta! – exclamou a rena Rodolfo, surpresa com tal fato.
- Nunca pude imaginar que ela era o Cajado Amargo! – surpreendeu-se Nathaniel. Então, Nourie Hadig direcionou seu cajado preto-e-branco para as bolhas de sabão e estourou-as apenas com um leve balançar dele, cheio de mágica. Assim, os elfos choveram aos montes, parecia mais uma chuva de colírios, pois os elfos eram uma raça de seres altos e esbeltos, de pele macia e olhos azuis, orelhas pontiagudas e feições sedutoras, e Pumpkin não perdeu a chance de se jogar no meio deles!
- Ah, as meninas não vão acreditar quando eu lhes contar! – miou Pumpkin feliz da vida boiando no meio dos elfos bonitões.
Assim, o exército guiado por Pumpkin, a Gata e coordenado por Nourie Hadig, a Doce Filha Noel seguiram para a cabine central da nave espacial, que era uma pequena torre que se erguia do corpo traseiro da nave cuja ponta era uma esfera redonda.
- Escutem, caso os brinquedos enfeitiçados apareçam, destruam-nos sem dó nem piedade! – ordenou Pumpkin – eu e Nourie Hadig subiremos à esfera brilhante e renderemos o Papai Noel!
Assim as duas encantadoras moças subiram pelo elevador de vidro e adentraram na esfera brilhante que agora não imitava mais um lugar quentinho, natalino e aconchegante e sim uma cabine de nave espacial, pelo visto ele restaurara a verdadeira aparência do lugar como quando ele o encontrou. As duas arrastaram-se furtivamente pelos objetos estranhos e pelas máquinas e pelos computadores até acharem um lugar bom que servisse de esconderijo, e não puderam conter o espanto ao verem o bom velhinho vestido em um casaco de peles preto, os cabelos brancos penteados pra trás, óculos escuros na cara e coturnos, nem de longe era o bom velhinho, e nem sinal de gorro.
- Mas o que houve com meu querido pai? – perguntou Nourie Hadig assustada.
- Não sei, nem quero saber! Mas sei que é melhor você fazer algo agora mesmo, pois ele está ligando os motores!
Então Nourie Hadig surpreendeu seu pai lançando um raio amargo em sua direção, desarmando-o no exato momento em que o raio preto-e-branco atingiu sua mão. Papai Noel apenas sorriu para a filha e disse:
- Ora! Minha estimada filha! Veio ver o papai dominar o mundo? Veio ajudar? – perguntou o bom velhinho estendendo os braços para a filha.
- Papai, o que aconteceu com você? Porque está agindo dessa maneira? Logo você que tanto adorou o natal, que estimou tanto as criancinhas!
- O Natal... O que é o Natal? É apenas mais uma desculpa para os grandes empresários do mundo todo ganharem mais dinheiro! E as crianças remelentas e birrentas mesmo sendo mal-criadas são mimadas pelos pais incondicionalmente! Está mais do que na hora de dar um fim à esta data comercial dos infernos!
Ao ouvir isso, Pumpkin surgiu de seu esconderijo e rosnou:
- Eu não acredito! Papai Noel? O que houve com o bom velhinho que eu conheci?! Onde está a sua esperança? Onde está o seu amor e a sua compaixão? Este não é o Papai Noel que conheci! Lembra-se de mim? Pumpkin, a gata d’As Dellabóboras?
- Claro que lembro! Sabe o que houve com Papai Noel? Ele morreu! Morreu! Este que vocês estão vendo não é Papai Noel, e sim o irmão gêmeo dele, Leon Claus! – e assim disse, soltou uma gargalhada mortífera que fez tremer toda a esfera de vidro.
- O que você fez com Papai Noel?! – rugiu Pumpkin.
- Você não entende! – respondeu Nourie Hadig – assim reza a lenda da Boneca Profeta: “Dentro do doce velhinho, um amargo senhor vive, irmão gêmeo, trancado por anos, assim ele viveu, e quando a personalidade destrutiva de Leon Claus acordar, ao Natal daremos tchau!” E esse é um dos versos da canção do Amargo Segredo, guardado por mim dentro da Boneca Profeta... E se Leon Claus retornou, apenas uma pessoa foi capaz de trazê-lo de volta! Minha 15ª mãe, Dona Marriet!
E assim ela surgiu, inundando os olhos de Pumpkin com toda sua beleza. Mamãe Noel na verdade não era uma velhinha enrugada e gentil, e sim uma mulher esbelta de cachos loiros na cabeça trajando uma roupa vermelha de dar medo, ela tinha um olhar maligno e as bordas de seu vestido vermelho voejavam violentamente sem nem haver vento algum soprando. Ela flutuava sobre as cabeças de Pumpkin, Nourie Hadig e Papai Noel, que na verdade era Leon Claus, um maligno irmão gêmeo que viveu anos aprisionado dentro do bom velhinho.
- Por Deus! Nunca imaginei que a Mamãe Noel fosse tão bonita! - miou Pumpkin muito admirada, Mamãe Noel era quase tão bonita quanto Pumpkin.
“Ah, agora eu gostei! Finalmente um elogio!”
Psst! Não me interrompa! Chegamos ao ápice de nossa história quando voltamos ao distante passado de mil anos atrás, quando Papai Noel nasceu...
Papai Noel nasceu nos distantes e gelados montes da Lapônia, concebido por dois camponeses pobres, ele cresceu entre os animais encantados da floresta gelada e aprendeu a ter amor e compaixão para com o próximo, mas o que ninguém fazia idéia era de que dentro do nobre menino Claus havia um menino malvado e cheio de rancor, proveniente de uma encarnação de alma mal-entendida. Foram mandadas duas almas para um mesmo corpo, porém, o lado bom foi o que dominou aquele corpo até que um dia, brincando em cima de um pinheiro, o Menino Claus desequilibrou-se e caiu de cabeça em cima de uma pedra. Quando acordou já não era mais o mesmo, e sim uma criatura destrutiva e maligna, assim, os pais assustados lhes deram o nome de Leon Claus, já que o menino tinha a fúria de um leão.
Depois de uma semana de muito choro e coisas sendo destruídas e atiradas no ar, os pais de Claus rogaram à uma fada da neve que lhes desse um meio de mandar aquele espírito ruim para um lugar de onde ele jamais pudesse sair, então, a fada lhes deu um alfinete de cabeça vermelha e ordenou que espetassem o alfinete no topo da cabeça do garoto, e não mais tirassem, assim, aquela personalidade maléfica jamais voltaria. Então, quando o menino maligno finalmente dormiu depois de ter balado 5 passarinhos, dado nós em todos os gatos da vila e capturado 10 esquilos, a mãe de Claus alfinetou a cabeça do filho. E pela manhã, quando o menino se acordou, era novamente um garotinho amável e educado como sempre.
Assim o irmão mal ficou aprisionado para sempre na cabeça do alfinete, e para que os outros não notassem a presença de um alfinete na cabeça da criança, deram-lhe um gorro verde com uma bola de lã na ponta, e o resto da história – acredito eu – vocês já sabem! Ah, o gorro ficou vermelho por causa da Coca-Cola, acho que já disse isso...
- Agora eu entendo – disse Pumpkin ao ouvir a canção da Boneca Profeta – se Leon Claus voltou, quer dizer que alguém tirou o alfinete da cabeça de seu pai!
- Sim, e essa pessoa foi Marriet! – revelou Nourie Hadig apontando para Mamãe Noel.
- Isso mesmo! EU arranquei o alfinete! – confessou Mamãe Noel com um largo sorriso no rosto – ele já havia me contado sobre esse segredo, e disse a mim que nunca tirasse o alfinete, mas eu não sou uma garota boazinha se vocês querem saber.
No mesmo momento, Pumpkin percebeu que na verdade, não era a bela Mamãe Noel quem tinha causado toda essa confusão, e seus olhos experientes de gata de bruxa notaram um pequeno detalhe que ninguém havia percebido, mas antes que a experta gata preta pudesse falar alguma coisa, Mamãe Noel estendeu seu comprido braço branco e chamou pelo exército de brinquedos possuídos. E eles vieram de todas as partes, do chão, do teto, das paredes, dos móveis, eles estavam escondidos em toda a parte, prontos para o ataque final! Mamãe Noel soltou uma gargalhada de rasgar a espinha de tão tenebrosa que foi, e tomando o Cajado Mágico Amargo das mãos de Nourie Hadig, os brinquedos amarram-nas, ela e Pumpkin, com cordas fortíssimas feitas pelos elfos.
- Vocês não impedirão nossos planos com sua magia contrária! – gargalhou Leon Claus, abraçado à Mamãe Maligna Noel.
- Porque faz isso, Marriet? Por quê? – questionou Nourie Hadig achando que tudo já estava perdido. Pumpkin iria dizer naquele mesmo momento o porquê de ela estar fazendo tudo aquilo, mas novamente, antes que ela pudesse abrir a boca, algo aconteceu: o exército de elfos irrompeu pelo elevador e pelas entradas de ar, acompanhado da vaca e rena. A vaca deu-lhe uma dolorosa chifrada no traseiro de Dona Marriet, e a rena Rodolfo deu um coice daqueles no traseiro de Leon Claus, deixando os dois desnorteados por alguns minutos, o bastante para que os elfos desamarrassem Pumpkin e Nourie Hadig e desarmassem o casal Noel.
A nave agora já sobrevoava Londres de tão rápida que ela era, mas assim que o casal Noel foi rendido, ela parou, bem em cima do Big Ben.
- Agora diga-nos, Marriet! Porque arrancou o alfinete da cabeça de Papai Noel? – perguntou Nourie Hadig.
- Porque ela está possuída por um demônio! – rugiu Pumpkin apontando para Mamãe Noel, esta soltou um grito digno de uma mortalha voadora, seja lá o que isso for, mas com certeza é algo bem assustador.
- Entregue-nos o alfinete da fada se não eu direi o seu nome! – ameaçou a gata. Se você quer saber, os demônios não podem ouvir o nome deles enquanto eles estiverem possuindo um corpo, quanto mais chamarem-no pelo nome da pessoa possuída, mais ele ficará grudado ao corpo, mas se chamarem-no pelo seu nome original ele irá embora para sempre.
- Jamais! – rosnou Marriet.
- Ah é assim é, sua vaca?!
- Ei! – mugiu a vaca.
- Desculpe, dona Resmungona Amarela! – sendo assim, Pumpkin, a Gata apontou para o rosto de Marriet e disse:
- Seu nome é Lilith!
Mamãe Noel contorceu-se milhares de vezes, inchou, desinchou, mudou de cor e por fim cuspiu uma mariposa branca, e assim que a mariposa alçou voou para fora da boca de Mamãe Noel, ela evaporou no ar e Mamãe Noel voltou a ser uma velhinha gorducha e gentil, arrancando exclamações e sussurros de surpresa de todos.
- Ainda bem que ela voltou à sua forma original, pensei que nunca mais fosse ver minha mãe! – disse Nourie Hadig abraçando Mamãe Noel, esta que sorria aliviada e cansada.
- Não sei como posso lhe agradecer por isso! – disse a Mamãe Noel às Pumpkin colocando de volta o alfinete no topo da cabeça do Papai Noel. A cabeça do alfinete tremeu e dela saiu um brilho empoeirado muito semelhante ao da Aurora Boreal, brilho esse que soltava faíscas como as que saem do bico do maçarico usado para soldar o metal, e este brilho envolveu o corpo rechonchudo do bom velhinho em uma espiral que percorreu-o todo e retornou para a cabeça do alfinete. Assim que Papai Noel acordou, de um sobressalto olhou-se no espelho e repudiou suas roupas vermelhas originais, dando um susto em todo mundo novamente porque achavam que ele ainda era Leon Claus, e então ele disse:
- Marriet! Marriet! Temos de ir comprar roupas novas UR-GEN-TE-MEN-TE!
- Mas nem pensar, querido! Milhares de criancinhas estão esperando seus presentes! Já passa da meia noite!
- Não me diga uma coisa dessas! – exclamou o bom velhinho – vamos! Elfos queridos meus! Ao trabalho! Temos de entregar todos os brinquedos e ainda encontrar tempo para comprar roupas novas!
- Tem certeza que esse alfinete não é um presentinho particular da Coca-Cola? – brincou a gata.
“Desculpem pelo marketing não-remunerado!”
Sim, nós a desculpamos! Assim, Papai Noel fez uma mágica com seu Cajado Doce, e com um toque da ajuda do Cajado Amargo, todos os brinquedos voltaram ao normal, e na passagem de volta, deixaram Pumpkin, a gata preta, gorda e preguiçosa, no mesmo lugar em que encontraram-na e em seguida sumiram zunindo pelas estrelas. O coração de Pumpkin ficou apertado, ela fez muitos amigos nesta doce viagem natalina, e ela sabia que quando acordasse tudo não passaria de sonho distante...
E foi assim que Pumpkin salvou o Natal das criancinhas do mundo todo! E ai de quem disser que é mentira!
“Na verdade, não foi bem assim... Onde estão os robôs gigantes que eu enfrentei? E o sapo de um olho só?”
Não havia nada disso no que Nourie Hadig me contou! Sabe que não existem sapos no Pólo Norte!
“Aquela Branca de Neve falsificada!”
Não fale assim da Doce Filha Noel!
- Quem está falando mal da minha filha? Fui ao banheiro um minuto e já falam mal da minha família!
Foi a Pumpkin, essa gata gorda e preguiçosa!
“Só mentira!”
Alguém me passe uma foice! Vamos ter gato assado hoje, e é carne gorda, vejam só!
- Bom crianças, enquanto os dois brigam, gostaria de desejar um Feliz Natal para vocês e para todas as famílias do mundo nesta noite especial, tão linda que une de forma tão adorável os amigos e os inimigos... Não acham que há um toque de mágica nessa noite? Pois eu acho! Aproveitem para se desculpar com alguém que foi magoado ou fazer as pazes com alguém com quem você nunca foi com a cara... Enfim, aproveitem o Natal, é só uma vez por ano viu?
Feliz Natal!
Antonio Fernandes
24 de Dezembro de 2008.