Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

PARTE QUATRO: COSMOGONY - METRÓPOLE ESPACIAL!




Provavelmente vocês já viram, na tevê ou na internet, aqueles estranhos prédios construídos nos emirados árabes. Gigantescos, colossais, verdadeiras metrópoles construídas na vertical, despontando na paisagem rumo ao céu como espigões de ferro e concreto, vestidos com vidro da base até às pontas, refletindo a luz do sol com toda a força, destacando-se há quilômetros de distância, podendo ser vistos até mesmo – vejam só – do espaço. Lugar onde nossos heróis atualmente se encontram.

Mas a Cosmogony. A Cosmogony era muito mais do que isso, embora a comparação seja válida – e muito – no caso. A estação espacial lembrava mesmo um enorme prédio vagando no infinito, levemente inclinado, porém absurdamente gigantesco. Ela superava qualquer construção humana em tamanho e altura, era colossal – e segundo a planta original, ainda estava em construção – o Burj Khalifa em Dubai não passava de uma espinha de peixe perto do monstro de metal que era a Estação Espacial Cosmogony.

Dois mil e quinhentos metros de uma ponta à outra do cilindro circundado por três anéis artificiais, cada um deles ligado à matriz pelo que de longe pareciam quatro grossos cabos. Na verdade, tratava-se de corredores utilizados pela tripulação para ir e vir entre as unidades cilindro-anel. Apesar da imponência e da tecnologia de ponta investida no projeto, a Cosmogony tinha apenas 20 anos de atividade, tempo utilizado pelos propulsores para atingir a órbita de Netuno e Caronte.

O interior de Cosmogony parecia ser fruto da mais distante ficção científica: seu cilindro era oco por dentro, um fosso que recebia as naves que iam e vinham o tempo inteiro enquanto a jornada de trabalho não findava. As paredes deste fosso eram repletas de janelas, para que os que chegassem e partissem pudessem ver a atividade no interior da estação, que pareciam nunca terminar. Janelas estas que davam vistas privilegiadas – tanto pelo lado de dentro quanto pelo lado de fora – aos que trabalhavam nos escritórios, lecionavam nas salas de aula, pesquisavam nas bibliotecas e concentravam-se nos laboratórios. As janelas para o fosso interno mostravam a atividade das naves, e as janelas para o espaço mostravam a beleza do estranho sistema planetário composto por Plutão, Caronte, Hydra a Nix, gigantescos, quase palpáveis.

- Preparar para acoplar – fez a voz chiada no piloto da Apocalypto-666 nos headphones dos passageiros. As mãos do atrapalhado e esquisito Professor Umbrella suaram. Em pensar que fora ele quem havia começado tudo aquilo, há exatos seis meses atrás, ao inscrever cada um dos alunos da sua querida turma no projeto Universidade Espacial Cosmogony. Quatro vagas foram liberadas, quatro vagas precisavam ser preenchidas, e um único professor para acompanhar a turma. Nem quando se inscreveu imaginava que chegaria tão longe.

Ali estava ele, diante da maior e mais cara construção da história da humanidade. Cada país havia dado um pouco do seu fundo milionário para bancar Cosmogony, que fora totalmente construída no espaço. Nenhum parafuso, nenhuma engrenagem fora colocada ali em território terráqueo. Desse modo, cada país tinha direito a desfrutar do que então havia sido construído, cada uma das nações possuía seu próprio laboratório, sua própria biblioteca, suas áreas de lazer e suas instalações de pesquisa e hospedagem. Havia até um hotel de luxo ali dentro, para receber os cosmonautas milionários que se arriscavam a passar umas férias “fora de órbita”. Eles vinham aos montes nas altas temporadas em ônibus espaciais exclusivos – sejam particulares ou empresariais – traziam família, amigos, vizinhos e até animais. Cachorros, gatos, periquitos e papagaios. Poucos sobreviviam à viagem: atravessar um buraco de minhoca não era uma experiência lá muito boa para humanos, imagine para animais!

Houve até mesmo casos em que pássaros de estimação explodiram em nuvens de penas coloridas após passarem pelo buraco de minhoca. Cenas pavorosas também ocorreram a gatos e cachorros. Outros animais apenas sangraram pelos orifícios e faleceram logo em seguida, até o presente momento os cientistas não conseguiram explicar o porquê dos eventos. Desde então é expressamente proibido trazer animais à bordo.

- Será que nós vamos ficar hospedados no hotel?! – Fábia cutucou as costelas de Ray Ann de leve com o cotovelo, já que as travas de segurança ainda estava bem apertadinhas.

- Duvido muito! Provavelmente vamos ficar junto dos outros alunos e professores nos dormitórios... – fez ela, forçando-se a enxergar através da janela do ônibus espacial. As estrelas estavam tão belas, tão próximas! Era tudo tão maravilhoso visto do espaço! Até a poeira da Via Láctea era visível, quase palpável. O céu noturno não parecia só mais um mito entre muitos, ele era real e tangível. Visto da cidade ele não passava de escuridão e frieza, como um grande manto pesado e negro cobrindo o mundo de uma ponta a outra, abafando tudo... Mas ali... Ali era tudo tão diferente! Tudo parecia tão cheio de vida e pulsante! A Via Láctea era como um rio correndo ao fundo de uma paisagem salpicada de estrelas grandes e pequenas, mundos distantes giravam longe das vistas de todos. No meio daquilo tudo a bolota que era Plutão e seu companheiro Caronte eram apenas um atrativo à parte.

- Espero que os dormitórios tenham janelas pelo menos! Já imaginou perder essa vista maravilhosa antes de dormir?! Eu to no espaço, mamãe! Não vou dormir olhando pras paredes, agora tenho as estrelas como companhia! – Fábia já lutava ferozmente contra as travas de segurança, queria se levantar, queria correr, queria gritar, fazer o que Fábias fazem de melhor!

- Tem razão Fábia! – exclamou o Professor Umbrella, logo à frente das duas – espero realmente que nossos “aposentos reais” tenham ao menos uma janelinha para vermos um pouquinho da Via Láctea antes de uma boa noite de sono!

Pietro e Augusta permaneciam calados. Estáticos, atônitos, em um estado de transe total, admirando o que seria sua nova vista daqui por diante neste último e longo ano na Universidade.

O ônibus espacial se aproximava lentamente de Cosmogony, e esta só se tornava mais gigantesca conforme a proximidade, comprovando que o seu tamanho de proporções colossais não era só uma ilusão. O cilindro oco era largo o suficiente para receber a nave com sutileza e delicadeza, como um carro entra numa garagem. O desembarque foi estranho e complicado, quinze minutos que pareceram horas foram gastos para que todos os procedimentos de segurança fossem tomados e as portas da nave finalmente abertas. As travas de segurança que praticamente prendiam o corpo dos passageiros às suas poltronas soltaram-se automaticamente, apenas as cabeças precisavam ser soltas com cuidado.

- Porque não estamos flutuando?! Cadê a gravidade zero?! – começou Fábia, toda apressada e curiosa. Seu cabelo violeta opaco parecia muito mais brilhante no espaço.

- As coisas aqui em cima não são como nos filmes Fá, o ônibus acabou de entrar numa das zonas de pressurização dentro do cilindro da Cosmogony, aqui a gravidade é regulada pelo sistema. – explicou Ray, desvencilhando-se da claustrofóbica poltrona, esticando as costelas e se levantando aos poucos. – que horror! Parece que eu corri uma maratona!

- Isso é normal quando se é “marinheiro de primeira viagem”! – pela primeira vez, o piloto e capitão da missão estava deixando a cabine de controle do ônibus espacial. Os passageiros ainda não o haviam visto uma única vez sequer desde que embarcaram, sua voz era a única evidência de sua existência, mas ali estava ele afinal dando o ar da graça: Donnick Wolfgang Hills, meio alemão e meio russo com ascendência nórdica, primeiro capitão da aeronáutica soviética escalado para esta missão por ser o homem de maior confiança do governo quando se tratava de viagens interplanetárias e missões espaciais. Era experiente, do alto de seus 39 anos tinha quase 20 só de pilotagem. Estava cruzando o sistema solar muito antes de Cosmogony entrar em atividade!

- Mas... Quem é esse gato?! – rosnou Fábia animada no ouvido da dolorida Ray.

- Ele foi o nosso piloto a viagem inteira... – ela teve a leve impressão de que sua coluna estalou alto demais no momento em que se espreguiçou – acho que fui a única que conheceu ele antes de embarcarmos...

- COMO ASSIM VOCÊ CONHECEU ESSE DEUS COSMONAUTA E NÃO ME CONTOU NADA?! – exclamou Fábia, um pouco mais alto do que o necessário para que um comentário fique em segredo mesmo que você o faça em público. Há um nível de discrição que a caricata Fábia costuma não seguir na maioria das vezes quando se exacerba. É incontrolável, ela sempre acaba aprontando das suas.

Ray Ann meteu a mão na cara. Todos estavam olhando para as duas.

- Ehm, Er, bem, meninos e... meninas – gaguejou o capitão, meio sem jeito e um pouco corado também, entrecortando sua fala com risadinhas nervosas. – sejam bem vindos à Estação Espacial Cosmogony! – ele colocou a mão para trás e estufou o peito, com um enorme sorriso nórdico estampando seu rosto – espero realmente que tenham curtido a viagem, foi um dos voos mais calmos e tranquilos que já fiz. Não tivemos complicação nenhuma e...

- Ao menos a cabeça de ninguém explodiu!

- Pietro! – fez o Professor Umbrella, com um bico de desaprovação. O rapaz revirou os olhos.

O capitão apenas riu, divertindo-se com aqueles jovens. Todos ali eram muito jovens, até mesmo o Professor acompanhante da turma, que não se excedia muito acima dos 25, anos estes gastos todos em pesquisas e viagens a observatórios na Sibéria e no Canadá.

- É, o rapaz tem razão, vocês não imaginam como é difícil limpar os miolos dos estofados brancos depois! – Augusta Franziu o cenho, desconcentrando-se do telefone pela primeira vez desde que livrara suas mãos das travas de segurança nos braços do assento. A brincadeira não pareceu muito divertida a ela, que levantou a mão nervosa

- Com licença! Gostaria de fazer uma perguntinha!

- Sim senhora, pois não? – o capitão Donnick ergueu o queixo.

- A cobertura das operadoras funciona aqui em cima? Meu telefone morreu, literalmente!

Todos riram juntos.

- Ué?! Qual é a graça?! Cadê toda a tecnologia de vocês?! – fez Augusta, guardando o aparelho no bolso de trás do estranho uniforme espacial que eles usavam. Lembrava e muito os macacões dos corredores de Fórmula 1, todo estofado por dentro e por fora. Ray Ann até havia reclamado de se sentir um colchão usando aquilo, e a própria Augusta se achara imensa de gorda nele. Era branco como as botas que acompanhavam o kit, que poderia ser trocado agora no vestiário pelo básico: jaqueta, calças e blusa da corporação. Tudo branco, tudo limpo, tudo clean.

- Infelizmente, Augusta, nós ainda não temos tanta tecnologia assim, mas você pode pedir para a Guia Turística levá-la até uma das salas de vídeo-conferência onde você pode falar em tempo real com seus amigos “terráqueos” direto daqui! – disse o Professor, todo animado. Tremendo dos pés à cabeça de excitação, estava louco para sair daquele ônibus espacial e conhecer a maravilha que aquele lugar era.

- Já que é assim... – Augusta deu de ombros.



DESEMBARQUE AUTORIZADO.



As portas finalmente abriram-se, revelando uma espécie de salão circular gigantesco com uma enorme abóbada de vidro que mostrava o espaço coroando-o, logo acima das cabeças dos viajantes espaciais. A vista dali era bela, estupenda, uma obra de arte da natureza, e aquilo ali era só uma amostra, apenas a “garagem” da Cosmogony! Pelo visto, o ônibus espacial havia entrado por cima do cilindro, ou seja, eles estavam naquele exato momento no topo da unidade principal da estação espacial. Assustadoramente, o teto foi se distanciando, a plataforma estava descendo para nivelar-se à entrada e saída de passageiros. As estrelas mostradas pela abóbada transparente estavam ficando cada vez mais distantes, e rostos curiosos começavam a surgir em janelas retangulares nas laterais que subiam e passavam por eles lentamente.

Fábia não se conteve, e teve de acenar para aquela gente, estava se sentindo uma estrela de cinema. Ray Ann até tentou controlá-la abaixando a mão da garota, sem sucesso, ela estava fazendo sucesso com os rapazes cosmonautas espectadores da sua chegada, o motivo disso é bem aparente e frontal, diga-se de passagem.

- Parece que já temos alguém que mal chegou e já está conquistando a atenção de todos! – exclamou o Professor Umbrella, colocando a mão sobre o ombro de Fábia.

- Mas isso é normal com qualquer garota que chega aqui, até porque estamos passando pelos setores das salas de aula e laboratórios... – fez o capitão Donnick – e nestes setores temos muitos rapazes que não veem garotas há um bom tempo, temos poucas mulheres aqui, e elas são muito duronas, não dão espaço para esses pobres coitados... – ele estalou a língua em desaprovação.

- Certas estão elas! – exclamou Ray Ann, levemente revoltada. Ativista feminista, qualquer comentário com um teor que pendesse a favor dos homens a beliscava feito a pinça de um siri – não é porque estão num lugar de maioria masculina que elas devem ceder aos apelos e provocações deles! Elas têm de mostrar quem manda, tem de mostrar que estão aqui para trabalhar e não para transar no meio do espaço! Mulheres não são pedaços de carne e...

- Tudo bem, tudo bem – foi a vez do Professor Umbrella interceder por Ray Ann, afinal de contas já havia controlado a exacerbada Fábia que insistia em se exibir (inocentemente) para os rapazes nas janelas – nós já entendemos, querida. Entendemos muito bem o que você quis dizer.

O capitão estava todo desconcertado.

- Sim, sim – começou ele, vermelho feito um tomate – peço desculpas pelo comentário e retiro o que eu disse então...

- Retira nada, você não disse nada demais! – foi a vez de Pietro interferir no rumo da conversa. – a viagem deve ter estressado demais a nossa colega, ou ela deve estar naqueles dias!

- Mais um comentário machista desses e eu... – antes que Ray terminasse a frase, a plataforma estancou com um solavanco, e eles se viram no fundo do fosso centro da Cosmogony, cercados de nada a não ser escuridão. Luzes azuis acenderam-se nas laterais e uma porta triangular abriu-se, revelando uma luminosidade intensa e a silhueta feminina e delicada de alguém que se aproximava. Ela tinha compridos cabelos negros ondulados, pele branca como leite e olhos claros de um verde cristalino (ou seria azul?) vinha uniformizada e com um enorme sorriso de dentes perfeitamente brancos estampado no rosto.

- Sejam bem vindos à Cosmogony, estudantes e Professor! – ela juntou as mãos diante do corpo – eu sou Elly Richter e estou aqui para guiá-los até a sala de reuniões onde serão recebidos. Depois, levarei os rapazes e as moças aos seus devidos dormitórios.

- Isso quer dizer que a suíte máster do hotel está fora de cogitação! – sussurrou Pietro no ouvido de Augusta, que relaxou os ombros decepcionada. Estava contando em seus sonhos com uma cama king size e um telão só pra ela.

- Exatamente! – fez a guia, dando um pulinho excitado – o Hotel é só para os hóspedes, vocês não são hóspedes, vocês são praticamente de casa!
Pietro quase entrou no ônibus espacial de novo de tanta vergonha. Nem o Professor Umbrella resistiu a dar umas risadinhas.

- Me acompanhem, por favor!

Eles seguiram por um longo e branco corredor de carpete vermelho, que terminava em uma porta dupla lembrando e muito as portas de um hospital – ou de um navio – com janelinhas redondas bem no meio delas. Elly empurrou-as majestosamente, revelando para os olhos famintos por novidade, algo impressionante: era o saguão do hotel. As paredes daquele lugar eram todas transparentes, com uma vista privilegiada da órbita de Plutão mais ao longe, encantador, poético e solitário nos limites do sistema solar.

O mais estranho, era o contraste que aquilo fazia com a decoração e os motivos daquele lugar totalmente inspirado num cruzeiro caribenho luxuoso e tropical. Poltronas, cadeiras e divãs dourados de estofado branco, vasos com plantas e flores exóticas e um enorme piano de cauda, girando no centro do salão em uma plataforma circular. Nas paredes que não mostravam o universo lá fora, quadros raríssimos de pintores clássicos enfeitavam as paredes perfeitamente brancas. Aquele lugar cheirava a um coquetel de fruta. Os olhos de Augusta quase marejaram ao lembrar de que não ficaria ali.

- Estamos usando o saguão do hotel porque a entrada facultativa principal está passando por alguns reparos! Espero que não se incomodem. – disse a sorridente Elly, seus brincos triangulares azuis balançando nervosos nas orelhas.

“Não, quê isso!” “Imagina!” “Não se preocupe! Que nada!” “Ora, querida!” foram exclamações soltas pelo deslumbrado grupo, que passeava os olhos cheios de prazer por aquele local de requinte impecável. As camareiras, faxineiras e mordomos que passeavam por ali eram tão sorridentes e felizes quanto os hóspedes! Estes rindo em grupos, sentados ao redor de mesinhas de mármore cutucando telas holográficas e fazendo vídeo conferências com os que ficaram na Terra, ou mesmo de pé, deliciando-se com a paisagem alienígena.

- Vamos usar o elevador de serviço para sair do hotel e entrar realmente na Cosmogony dessa vez! – alertou a guia, apontando para um corredor apertado escondido após mais uma porta dupla.

- Com licença, moça! – chamou Ray.

- Sim, querida?

- Onde compro brincos como os seus? São lindos!

- Oh, se você achou meus brincos bonitos espere só até ver o que você vai encontrar no shopping!

- Tem um shopping aqui no meio do espaço?! – exclamou Pietro, surpreso. Por essa ele não esperava!

- É claro que tem! Oras, como uma garota sobreviveria no meio do espaço sem um shopping para se distrair de vez em quando?! Temos pelo menos quinze praças de alimentação, mais de duzentas lojas, cinco salas de cinema e restaurantes que... hmmmmm... – ela fechou os olhos e beliscou o lóbulo da orelha de leve – são um must!

- E nós... podemos frequentá-lo?! – perguntou o Professor Umbrella, ansioso. Ele também gostava de fazer compras tanto quanto uma garota, já estava pensando nas livrarias e nas lojas de MP3. Elly foi a última a entrar no elevador, virou de costas para o grupo já bem acomodado (apertado, na verdade) e apertou o botão para subir.

- Claro que podem! É lá que toda a tripulação da Cosmogony se encontra diariamente! Cientistas, professores, doutores, alunos, viajantes do espaço, empregados do hotel, hóspedes e alienígenas! Todo mundo vai lá!

- Alienígenas?! – exclamou o grupo em uníssono! Apenas o capitão Donnick que permanecera calado até então soltou uma gargalhada gostosa.

- Claro que não seus bobos, eu só estou brincando!

O Professor levou a mão ao coração. Tinha pavor de ET’s. Até tirou seus óculos fundo de garrafa para limpá-los, embaçados pelo susto.

O elevador, após estancar em seu destino abriu suas portas para a lateral de um enorme, colossal corredor triangular. Suas duas paredes se encontravam no topo porque se recurvavam sobre os transeuntes. De um lado, o branco liso e impecável cheio de portas: eram os elevadores, as salas e os salões. Do outro, logo à frente do grupo, o espaço, as estrelas e o resto do universo. E entre estes dois mundos, as pessoas iam e vinham num dia comum e corriqueiro na Cosmogony. Algumas sérias, com ar preocupado passavam às pressas segurando maletas brancas e objetos estranhos, pastas e papéis, recipientes e ampolas. Outros vinham distraídos, admirando a paisagem ou conversando com seus companheiros, rindo com seus amigos ou usando os tablets e aparelhos portáteis para editar arquivos ou comunicar-se com pessoas que estavam do outro lado da Estação Espacial, distantes demais para dar um pulinho até lá.

Um mundo utópico e tecnológico perdido na órbita de Plutão.

- Isso é incrível!

- Isso é fantástico!

- Isso é maravilhoso!

- É impressionante!

Ninguém olhava para o chão, nenhum deles mantinha o foco, seus olhares se perdiam entre a multidão de pessoas em uniformes brancos, azuis, negros e prateados. Cada cor definindo uma categoria diferente de pessoas, cada cor limitando o indivíduo a suas áreas e identificando suas funções ali dentro daquele sistema complexo que era a Cosmogony. Vez ou outra um rosa choque despontava na multidão, um laranja pintava aqui e ali, um vermelho se distinguia mais ao longe. Operários levando peças enormes, arrastando caixas em carrinhos – de mão ou não – planando a poucos centímetros do chão em pequenas naves brancas ovais que lembravam os jipes da terra, com espaço para até três pessoas. Uma maneira de se movimentar mais rápido e chegar ao compromisso pontualmente, coisa de gente que vive atrasada (ou gente preguiçosa mesmo, a maioria dos gordinhos da estação estavam montados num daqueles meios de locomoção eficazes e velozes).

- Surreal! – finalizou o Professor Umbrella. As estrelas do paredão de vidro refletindo nas lentes dos seus óculos.

- Ei pateta, olha por onde anda! – exclamou um jovem em quem o Professor esbarrara, perdido naquela multidão.

- Nos desculpe, sim?! – disse a sorridente Elly ao passante, pegando Umbrella pelo braço e devolvendo-o ao grupo – não se distancie muito de nós, Professor! Além de atrapalhar o fluxo de pedestres você pode se perder! E aqui na Cosmogony quando alguém se perde levamos meses para encontrar! Certa vez encontramos um cara morando num armário de vassouras, um astronauta que achávamos haver se perdido numa missão há pelo menos dois anos atrás!

- Isso só pode ser brincadeira! – exclamou Pietro, desconfiado.

- Antes fosse! – ela deu uma pausa, ajeitou seu vestidinho azul de aeromoça e seu chapeuzinho para guiar o grupo pela avenida. – por favor, deem as mãos se este for o caso, mas não se percam! Acompanhem-me, sim?!

Ao longo do caminho, o grupo viu coisas mais fascinantes ainda. O fluxo de pessoas parecia não terminar nunca, ao que tudo indicava, eles haviam chegado à “Metrópole” (como os tripulantes costumavam chamar Cosmogony entre si) num dia de pico. Tudo ali funcionava como uma cidade. Havia prefeituras, subprefeituras, departamentos e diretorias para tudo. Elly Richter foi explicando ao longo do caminho num falatório sem fim que pareceu durar anos, mas pelo visto estavam todos muito interessados em como aquele lugar funcionava. O corredor era extenso e muito largo, como uma avenida, o chão era de uma polidez impecável graças aos robôs-enceradeiras que funcionavam direto, com pausa de meia hora apenas para recarregar as baterias. Isso deixava o piso tão branco e tão brilhante que era possível ver o reflexo de tudo ao redor bem ali, embaixo dos seus pés.

Aquela longa avenida frequentada por todos os tripulantes da estação espacial formava um verdadeiro labirinto espiralando ao redor Cosmogony desde sua base até o topo, sempre em subida inclinada, dando voltas ao redor do cilindro gigantesco. O terreno só se tornava “plano” quando se alcançava a área onde havia os portões de acesso aos anéis periféricos, onde se encontrava a maioria dos dormitórios e das enfermarias. Estes eram ligados à Cosmogony através de corredores suspensos no vácuo, conectando-se à sua matriz como apêndices. Para alguns era uma sensação apavorante atravessá-los, por terem suas paredes completamente transparentes, para outros, era como desafiar as leis da física e andar no meio do espaço.

- Estamos chegando à ala dos laboratórios! – fez Elly Richter, ajeitando suas luvinhas azuis que combinavam com o vestidinho de ombreiras. Ela parecia ter saído de algum filme de ficção científica vestida naquelas roupas, e não era só ela por ali vestida assim: haviam várias outras garotas (e alguns rapazes também) em azul guiando grupos ao longo do corredor. Provavelmente parte de sua equipe. – aqui nós recebemos amostras de meteoritos para análise e fazemos outras coisinhas também, como testes de novas tecnologias para uso no espaço e mapeamento das áreas do sistema solar por onde a Cosmogony passou...

Uma grande movimentação começou naquele exato momento, interrompendo a explicação de Elly. Sua expressão sorridente mudou imediatamente para frio e sério, ela abriu os braços e parou a marcha do seu grupo imediatamente, como um freio humano.

- O que está acontecendo? – Ray Ann esticava o pescoço tentando ver o que estava acontecendo, parecia uma tartaruga tentando sair forçadamente de seu casco. Por várias vezes ela tentou escalar às costas de Pietro, sem sucesso. Fábia estava na mesma situação por ser baixinha como a amiga, de modo que ambas estavam completamente perdidas no meio daquele furor. Em menos de um minuto aquela ala do corredor lotou, e a avenida congestionou rapidamente, as pessoas se amontoavam e abriam espaço para algo que vinha mais adiante, algo como um tipo de cortejo.

- Ai, que susto! – o rosto sério de Elly se desfez no costumeiro sorriso caloroso de dentes perfeitamente brancos ao qual o grupo já estava habituado desde que ela surgira, há meia hora atrás, no portal de acesso ao hotel. – pensei que fosse alguma emergência!

- O que tá rolando aí na frente hein? – Augusta também era outra que tentava esticar o pescoço ao máximo, sem sucesso.

- A última sonda que enviamos ao cinturão de Kepler acaba de voltar, e os rapazes estão trazendo o material que foi coletado! Abram caminho, por favor! – ela indicou a direita com um gesto lânguido. O mais estranho em Elly era que ela parecia mais uma boneca do que uma humana, até os seus gestos pareciam minuciosamente programados. Talvez o treinamento para guia espacial fosse apenas bom demais...

Meio que se atropelando, o grupo liberou espaço para a passagem do cortejo que viria a seguir, por pouco o Professor Umbrella não foi arrastado junto com as berlindas que eram carregadas por homens devidamente uniformizados dos pés à cabeça como apicultores. Afinal de contas, não se sabia que tipo de material estranho poderia estar sendo manuseado por eles, se um novo tipo de elemento químico ou material orgânico extraterrestre, todas as possibilidades deveriam ser aceitas, e por medida de segurança era melhor manter certa distância. E esta distância era garantida por uma equipe de guias como Elly que afastavam a multidão para trás, espremendo-os uns contra os outros.

Por sorte, o grupo do Professor Umbrella não foi suprimido pela multidão, e acabou vendo o cortejo passar de camarote: bem à frente do público, na primeira fileira. Era como ver um desfile de alegorias de perto. Os três primeiros integrantes dele arrastavam carrinhos de carga, como aqueles encontrados em fábricas e distribuidoras para fazer transporte de mercadoria, carregando contêineres e enormes cilindros metálicos. Os que vinham em pares carregavam enormes berlindas transparentes seladas a vácuo. Pelo lado de fora, era possível ver grandes e pequenos pedaços de rocha e gelo flutuando lá dentro, tudo para que os materiais alienígenas não entrem em contato com o oxigênio e oxidem.

Mas o último carrinho do cortejo foi o que mais chamou atenção. Ele trazia uma enorme caixa de vidro, contendo um grande e estranho objeto dourado que parecia muito mais um fóssil do que qualquer outra coisa: estava coberto por camadas de detritos e gelo, muito gelo, era praticamente um cubo de gelo selando algo dentro de si, alguma coisa cheia de superfícies espelhadas e douradas que refletiam a luz de forma intensa. Lembrava um enorme pedaço de ouro bruto retirado das entranhas de algum planeta estranho.

E quando aquilo passou em frente à ele, seu cérebro deu um giro de 360 graus dentro da caixa craniana, foi algo repentino, instantâneo e desesperador no primeiro momento. Antes de perder a consciência por completo o Professor Umbrela viu os rostos, ouviu os gritos e teve noção de borrões e milhares de braços tentando ampará-lo na queda, dar apoio, segurá-lo antes que ele atingisse o chão. O único que estava próximo o bastante para socorrê-lo era o quieto capitão Donnick Hills, cujo primeiro reflexo foi agarrá-lo no ar.

Mas isso pouco importava, o que ele viu, o que ele sentiu foi muito mais do que isso. Aquela coisa girando dentro da caixa de vidro o perturbou de forma bizarra e estranha. No momento em que ele bateu os olhos naquilo, seu coração parou por um instante e o ar recusou-se a entrar em seus pulmões, um repuxo na mente fez sua cabeça girar feito um pião e enxergar muitas coisas ao mesmo tempo. Delírios ou não?

Havia o espaço, havia o silêncio, e havia aquele rosto. Aquele rosto tão belo intercalado por estrelas, cercado de vida e beleza, mas tão triste, choroso e amargo como nenhum outro. O que aquilo significava? O que tudo aquilo queria dizer?
Algo grande estava para começar, e Sybila Hikikomori sentiu isso. Recebeu a mensagem como um impulso elétrico enviado através do sistema nervoso do Universo.

- É ele!

Continua...

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