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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

PARTE DOIS: HIKIKOMORI EM FUGA!



- Arquiduquesa Hikikomori, filha de Sybila Alethea, a bruxa traidora do império, o que tem a dizer a seu favor? – perguntou a estranha anã magricela assentada em seu trono de ouro flutuando acima de todos na assembleia. De sua testa um par de cornos bovinos esticava-se para fora lhe proporcionando um ganho de altura desproporcional ao tamanho de seu corpinho. Entre os chifres, uma chama alaranjada bruxuleava.

- Nenhuma palavra direi, Aib’somar, além da mais pura verdade: o Cavaleiro Intergaláctico logo estará entre nós, e ele encontrará a Caixa Dourada como minha mãe predisse um dia, este dia está tão próximo quanto a chama que arde entre teus cornos! – bradou a incrivelmente alta mulher. Esta era um monumento, totalmente o oposto de sua repressora: Hikikomori possuía exatamente dois metros e vinte centímetros de altura, logos cabelos negros escorridos que lhe batiam pela cintura e uma estranha placa triangular prateada que pairava atrás da sua cabeça como uma auréola. Fazia parte da cultura de seu povo, todas as Sybilas deveriam passar pelo mesmo processo: conectar sua alma ao universo através daquele estranho objeto, que pairaria para toda a eternidade logo atrás da cabeça, emitindo um brilho espectral infinito. Seu corpo estava enlaçado por longos cordões de pérolas, sua nudez era tapada por apenas um triângulo invertido, enquanto seus mamilos eram ocultados por dois pequeninos cones de borracha salientes. Uma deusa interestelar.

- CALÚNIA! – exclamou uma criatura semelhante a um roedor verde pelado, encarquilhado e encolhido em seu manto branco, esticando seus asquerosos e longos braços que terminavam em três garras como a pata de um papagaio.

- MENTIRAS! – gritou uma criatura feminina, detentora de longo pescoço de girafa com a terminação em uma estranha cabeça felina de olhos amarelos. Suas membranas coriáceas que ligavam o dedo mindinho aos calcanhares vibraram de nervosismo.

- CALADOS, SEUS BASTARDOS – urrou Aib’somar, a pequena Arquiduquesa magrela com chifres de boi. De todas as criaturas com certeza ela parecia a mais estranha, um pequeno gnomo vestido em manto branco de pele amadeirada, nariz arrebitado e dentes de coelho. Seu cabelo tinha cor de cobre, tão liso quanto os de Hikikomori, mas esta era a única semelhança entre as duas. – apesar deste zoológico me irritar profundamente, eles têm toda a razão, Hikikomori querida. Quando juntou-se ao exército da Imperatriz Azura de Shantrya prometeu fidelidade total à ela até o final de sua existência, foi submetida a terríveis testes de vida ou morte nos Pilares da Criação e provou sua fidelidade ao Império com honra... Mas agora, o que vejo?! Você tornando-se uma traidora como sua mãe! E você JUROU que não era igual a ela!

- E EU NÃO SOU!

- É SIM! É SIM DE TODA CERTEZA! – Aib’somar levantou-se de seu trono e desceu flutuando até Hikikomori, que estava sendo contida por dois androides sem face do exército mortal. Aquelas criaturas eram feitas de uma estranha liga metálica encontrada apenas nas regiões mais inóspitas do universo, como berçários de estrela semelhantes à Nebula Carinae, e podiam assumir a forma que bem entendessem quando fosse necessário, transformar seus braços em armas ou se agruparem até formarem uma unidade seis vezes maior que eles não passava de brincadeira para aquelas coisas. – todas as Sybilas são iguais, todas! Vocês são falsas, ludibriosas e libidinosas! Criadas em templos e mosteiros intergalácticos, em luas inóspitas, treinadas para mentir, para controlar as forças ocultas do universo, para serem bruxas, feiticeiras!

- CALE A BOCA! – urrou a prisioneira, e seu urro de leoa ecoou por toda a assembleia circular. As constelações estranhas que banhavam aquela estranha versão do Coliseu de Roma pareceram tremer diante da fúria da Sybila – eu ainda sou uma Arquiduquesa! Eu ainda tenho minha autoridade, e pela legislação e regulamento estabelecido há milênios atrás pela Imperatriz Azura de Shantrya, eu AINDA SOU SUA SUPERIOR, AIB’SOMAR, VOCÊ DEVE RESPEITO A MIM!

Aib’somar gargalhou alto, jogando a cabeça pra trás freneticamente e depois voltando-se para seus congregados, convidando-os a acompanhá-la naquele riso debochado e sórdido. As outras criaturas alienígenas imediatamente começaram a rir também, até que a assembleia inteira estava contagiada por gargalhadas revoltantes e odiosas.

- CHEGA! – gritou a chifruda, interrompendo sua risada teatral no meio e fazendo calar toda uma multidão com uma mínima exclamação, sinal de que era temida e respeitada. Aproximou-se mais ainda de Hikikomori, com um sorriso maldoso no rosto.

Era patética a comparação entre as duas: Aib’somar não chegava nem à metade das canelas de Hikikomori em altura, seus chifres davam o ganho de alcançar a metade da barriga da Sybila, mas mesmo assim ainda era uma cena ridícula. Até os androides metamorfos eram mais altos que sua soberana e mais ameaçadores que ela. – Pobre, poooobre Hikikomori! Acha mesmo que nossa Imperatriz liga pra você? Que se importa com você ou com a sua autoridade?! ELA TE DESPREZA! Assim como eu e toda a corte d’Os Nove! Se ela estivesse desperta nesse exato momento, estaria rindo da sua cara votando a favor da sua condenação! TRAIDORA DO IMPÉRIO!

- Ele vai chegar, e vai abrir a caixa, e vai encontrar o coração, e vai amá-lo por guardar tanta dor e tanta solidão. Vai encontrar a metade de sua alma que faltava! Uma única alma foi dividida em duas no nascimento deste universo, e voltará a ser uma só! O Império logo cairá! – ela respirou fundo, e seus olhos que eram de um negro profundo tornaram-se cinzentos como uma tempestade. Era assim que se distinguia o momento em que uma Sybila fazia uma profecia – E VOCÊ NÃO SERÁ NADA ALÉM DE POEIRA ESPACIAL, ARQUIDUQUESA AIB’SOMAR!

- JÁ CHEGA! PRENDAM-NA! LEVEM ESTA TRAIDORA DAQUI! – as chamas entre os cornos da anã chifruda dobraram de tamanho em arderam e fúria meteórica, mas nem isto foi o bastante para deter Hikikomori. Ela era uma Sybila, ao longo de sua vida inteira fora treinada para controlar a matéria através de anos inteiros de meditação, transes que duravam eras. Foi assim que ela fez os indestrutíveis androides metamorfos liquefazerem-se ao seu lado, deixando seus pulsos livres para que ela corresse.

O estranho e futurístico coliseu tinha suas arquibancadas sustentadas por enormes arcos abatidos, e foi através deles que Hikikomori correu, esquivando-se dos androides que iam surgindo no caminho, daqueles que tentavam impedi-la de escapar, de frustrar seus planos de fuga. Logo, os gritos e urros de indignação da assembleia foram ficando para trás, e os brados furiosos de Aib’somar cada vez mais distantes. Mas isto não era motivo para alívio algum. Cercando-a pelos lados e por trás vinham batalhões inteiros de androides metamorfos do exército mortal, fechando o cerco ao redor dela, deslizando nas sombras, mudando de forma, aproximando-se e unindo-se numa massa disforme e elástica, moldando-se no corpo de uma enorme serpente prateada com olhos de fogo e presas letais. Ela rastejava furiosa entre os pilares de sustentação da estrutura do coliseu, caçando seu rato, caçando sua presa.

- Eu não permitirei... Jamais! – rosnou ela, aumentando sua velocidade, correndo o mais rápido que podia, para as luzes da saída, para as luzes do estranho mundo onde ela fora capturada pelo exército de Aib’somar, traída pelo seu próprio batalhão de androides designados para servir a ela e somente a ela. Metade desta corja vinha atrás dela em perseguição incorporados na serpente prateada. Ela não seria capturada assim, uma Sybila jamais desiste sem lutar, uma Sybila sabe ser um monge mas também pode ser uma amazona!

Assim, Hikikomori lançou-se através de um dos arcos de saída, que eram escassos ali, e em queda livre viu-se indo em direção ao chão, planando acima de uma cidade de estranha arquitetura, onde domos de vidro e pirâmides de pico arredondado dominavam a paisagem até o horizonte, a perder-se de vista. Onde as luzes eram de um violeta forte e as bizarras construções, em azul-turquesa e verde marinho; grandes e grossas pilastras brancas despontavam em direção ao céu no meio daquela utópica metrópole onde as ruas não passavam de enormes linhões e cabos que cruzavam a paisagem por cima dos prédios, sustentados por estruturas frágeis, vias de locomoção usada por esferas coloridas, o meio de transporte daquele povo.

A serpente prateada também lançou-se atrás da Arquiduquesa renegada, e em plena queda dividiu-se em milhares de estranhos seres cuja tipologia física lembrava muito um morcego. Logo aquilo tornou-se uma nuvem de coisas prateadas voadoras cujo bater das asas lembrava o som de lâminas de tesoura raspando uma na outra. Hikikomori não hesitou dessa vez e fez o que deveria ser feito. A auréola triangular que pairava logo atrás da sua cabeça emoldurando o seu rosto dobrou de tamanho, esticando-se para as suas extremidades até que tomasse a forma de uma enorme asa-delta, e com a ajuda daquele meio de transporte improvisado, Hikikomori planou sobre a capital daquele planeta desértico em plena noite. O frio era cortante. Se Yura já era quente por orbitar Aldebaran mesmo à distância, imagine aquele inferno de dia!

- Preciso escapar deste lugar, preciso encontrar uma maneira... Uma forma...

Com a nuvem de tesouras voadoras em seu encalço, a solução caiu do céu, literalmente: uma MiniBat 3000 passava voando por ali naquele exato momento. Nave para turistas que não pretendem fazer viagens muito longas através dos atalhos de hiperespaço, mas ainda assim a melhor de todas as soluções para aquela situação emergencial e desesperadora. Hikikomori planou ao redor dela, desceu sobre o meio de transporte interestelar e rendeu a família de estranhos seres humanoides com asas de morcego que ocupava-o.

- Me perdoem, mas acreditem em mim, é por uma boa causa! – colocou-os para dormir com a ajuda de seus poderes paranormais e estourou uma das pérolas dos cordões que a envolviam, formando uma bolha gigantesca e artificial imediatamente, onde pôs a família com cuidado soprando-a para longe. A nuvem de tesouras assassinas já se aproximava. – hasta La vista, baby!

E com um enorme sorriso no rosto, a ex-Arquiduquesa, agora inimiga número 1 do Império, ativou o dispositivo de viagem acelerada e forçou a falha mais próxima no espaço-tempo para atravessar o buraco de minhoca, deixando o estranho planeta artificial que orbita à distância a gigante vermelha Aldebaran para trás...

- Preciso encontrar o cavaleiro... Eu vou encontrar o cavaleiro! – aos poucos, a constelação de Touro foi desaparecendo às suas costas no hiperespaço. Hikikomori teve vontade de parar para admirar o aglomerado das Plêiades no meio do caminho, já que ele parece muito menor naquela versão compacta do universo chamada hiperespaço. As estrelas que o compõem não passam de um mero e belo conjunto de lâmpadas admiráveis ali, uma verdadeira obra de arte da natureza. Mas ela tem uma missão a partir de agora, e ela vai até o fim, mesmo que sua vida dependa disso.

- Alteza – fez uma criatura com corpo de foca e cabeça de bagre em reverência – a Arquiduquesa Hikikomori conseguiu escapar, infelizmente nosso exército não foi páreo para a esperteza de uma Sybila.

- Deixe Arganack, deixe que ela acredite que está livre, deixe que ela pense que escapou! Faço questão de caçá-la pessoalmente, nem que eu tenha de ir até os cantos mais escuros deste universo! Nem que eu tenha de atravessar o Multiverso! Hikikomori morrerá pelas minhas mãos! – ela virou-se para a criatura que ainda a observava com seus olhinhos perolados negros – prepare o exército, escolha as melhores naves do Império, vamos partir amanhã mesmo!

Continua...

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