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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O PRÓLOGO DE AZURA!


Esta é a história de uma princesa. Mas não uma princesa comum, não uma princesa qualquer. Seu castelo não fica entre campos verdejantes salpicados de flores coloridas e árvores frondosas, onde os coelhos fazem das raízes suas tocas. Não.

O castelo de Azura – este era o nome da princesa – ficava no vazio, flutuando no espaço, cercado por densa poeira cósmica e inúmeras estrelas brilhantes, tão brilhantes quanto os mais preciosos diamantes. Seu reino, que ela herdara de seus pais pouco antes dos dois morrerem em um trágico acidente atravessando o campo magnético de um sistema solar distante, se estendia por grande parte do universo, e resumia-se a cadeias inteiras de sóis e planetas – habitados ou não – galáxias e cinturões de asteróides. Muitos buracos negros também se encontravam em seus domínios, e Azura administrava tudo isto com a calma e paciência necessárias para lidar com este tipo de situação. O universo era bem vasto, metade dele era seu, e para cuidar de um território tão colossal eram necessários intrincados sistemas de governo: secretarias, departamentos, principados e monarquias.

Todos eles eram leais ao legado dos pais de Azura, todos eles eram leais a ela.
Mas Azura sentia-se muito solitária, muitíssimo solitária, apesar de viver cercada de pessoas o tempo inteiro que lhe davam a mão para praticamente tudo e lhe serviam de apoio nas horas em que ela mais precisava. Mesmo assim, algo sempre estava faltando o tempo inteiro.

Segundo a lenda, Azura tinha uma jóia para cada planeta conquistado em seu nome. Juntas elas enchiam um salão inteiro da sua gigantesca nave, e o mesmo valia para os vestidos: closets que eram verdadeiros corredores repletos das peças mais distintas e elegantes da moda intergaláctica. Dizia-se o mesmo também dos tesouros e pertences que ela tinha em mãos, Azura era uma princesa intergaláctica extremamente rica, e nenhum de seus pertences foi comprado por ela, todos eles, sem exceção, haviam lhe sido presenteados. Até a grande nave na qual sua corte cruzava o espaço fora lhe dada de presente pela Casa Real no último encontro entre as famílias. O que significava que a quantia de riquezas em nome de Azura extrapolava os limites da imaginação de qualquer um, isso inspirava muito respeito dos outros seres habitantes das galáxias que seu império comandava.

Mesmo assim, Azura sentia-se constantemente desamparada, solitária, amargurada, chorando dores do passado e dores que ainda viriam, sofrendo por guerras que eclodiram e que eclodiriam. Tinha o coração muito bondoso e gentil para suportar qualquer tipo de mal alheio, pobreza e doença deixavam seu coração partido em mil pedaços, Azura era um alguém realmente muito bom, e as pessoas não conseguiam entender porque ela estava sozinha o tempo inteiro. Quem a conhecia pessoalmente passava a lhe admirar imediatamente, pela sua personalidade, pela sua aparência, pelos seus gestos, pelas suas opiniões, pelo seu jeito de lidar com as pessoas, ela era um ser admirável, uma criatura amabilíssima, por este motivo as pessoas não conseguiam entender porque ela estava sempre sozinha.

Era uma moça inteligente, culta, dona de uma biblioteca assustadoramente gigantesca que ocupava alas inteiras do cruzeiro espacial onde a corte residia, se vestia bem, era bela e incrivelmente alta, tinha as formas bem definidas e fartas, além de cheirar como uma mesa repleta de doces. Mas nada disso parecia atrair os cavalheiros intergalácticos. Incrivelmente os homens não davam a mínima para ela, lhe admiravam, lhe respeitavam, nutriam muitas vezes um carinho especial pela sua imagem, mas não a ponto de amá-la como uma dama merece ser amada. Isso fazia com que as pessoas se perguntassem o que havia de errado com a Princesa Azura, que era quase uma divindade encarnada, e se destacava entre as outras de maneira que nenhuma outra criatura poderia roubar-lhe o brilho, era rica, era culta e era distinta. O que estava errado em Azura? Porque ninguém a desejava?

Cansada de sofrer em sua solidão eterna, Azura certa vez, enquanto a nave imperial cruzava um cinturão de asteroides que cercava lentamente um enorme buraco negro, pediu ao Real Cirurgião Eliakim que servia à corte muitos éons antes de Azura nascer, que lhe retirasse o coração do peito e o trancafiasse numa caixa dourada com lacre de diamante. Desta maneira, nada nem ninguém no universo poderia abri-la. Reza a lenda que a caixa era como um dado enorme possuidor de 36 faces diferentes, uma para cada coração partido que a Princesa Espacial Azura guardava em sua memória e alma, e seu lacre cintilante tinha o exato formato de seu coração.


O Real Cirurgião Eliakim questionou ferrenhamente aquela decisão, criatura nenhuma no universo inteiro sobreviveria sequer um segundo sem um coração, Azura morreria deixando um império milenar órfão de sua única e amada princesa! A Princesa por sua vez apenas riu tristemente e disse-lhe que sabia o que estava fazendo, certa de sua decisão, afirmou que apesar de sua pouca idade era possuidora de conhecimentos ocultos muito mais antigos de que qualquer império espacial, e saberia a maneira certa de continuar viva sem um coração que lhe bombeasse o sangue. O importante era não mais sentir, o importante era tornar-se oca, vazia de sentimentos, para que a solidão não a perfurasse tanto e lhe trouxesse esta dor sem fim, que parecia só se prolongar ao longo dos séculos.


Isso porque as pessoas no espaço vivem muito mais do que as pessoas na terra, elas podem hibernar durante eras e acordar milênios no futuro, para elas será como se uma sesta de 30 minutos houvesse passado – e por isso, ela preferia viver sem um coração, para que a dor não parecesse sem fim.


Sendo Eliakim o cirurgião a serviço do império e consequentemente fiel às ordens de sua Princesa, ele jamais poderia lhe negar algo que ela pedisse com tanta convicção, e assim foi feito. Azura teve seu pedido atendido, seu coração retirado e trancafiado na caixa.


Assim que o peito de Azura tornou-se vazio, algo negro, pastoso e sem vida escapou do buraco negro pelo qual o cruzeiro espacial passava próximo, era de consistência grudenta como asfalto e odor repugnante, atravessou o cinturão de asteroides se espalhando no espaço como um fungo e alcançou a nave em questão de segundos. Aquela coisa maligna e odiosa criou vida no exato momento em que conheceu a luz, fora do buraco negro em que habitava, e ao sentir a existência de outro lugar vazio tão profundo e doloroso quanto o sepulcro da estrela onde vivia, ele invadiu a nave e espalhou caos até encontrar sua nova morada: o buraco onde antes estava o coração de Azura.


Lá ele se alojou, e antes do último suspiro da Princesa, ele a dominou por completo e a despertou de sua quase-morte, tornando-se tão parte dela quanto ela própria, e em poucos segundos os dois eram um só, corpo e alma. Não havia distinção entre Azura e o mal agora.


A Princesa despertou da morte totalmente diferente de como havia partido: sua pele tornou-se quase transparente, suas veias tomaram a tonalidade violeta e estavam tão marcadas na pele que pareciam raízes de alguma planta parasita terrível enlaçando braços, pernas, peito e rosto. Seus olhos dourados agora eram de um púrpura profundo e cintilante, sua expressão sempre doce e dolorida havia dado lugar a algo pretensioso e maldoso. Já não era mais Azura, e seu império não fora mais o mesmo desde aquele dia.


As guerras frias eclodiram, o império foi devastado, os planetas foram explorados até o último recurso natural. Seus súditos foram escravizados do mais velho até o mais jovem, postos para trabalhar em pedreiras estelares espalhadas pelo universo inteiro, luas e planetas habitados foram virando desertos aos poucos, e as criaturas que antes viviam neles foram escolhidas a dedo para habitarem planetas usados como zoológicos cobertos por selva de um pólo ao outro.


Azura também mandou construir um exército de estranhos androides que pareciam ter a mesma consistência da Matéria Escura que havia tomado o lugar em que seu coração habitava. Estes podiam assumir a forma que quisessem no momento em que desejassem, e jamais poderiam ser destruídos, a forma verdadeira destas criaturas era como uma estátua móvel de chumbo líquido e ambulante, algo pavoroso. Para controlar este exército, Azura nomeou Os Nove, para os quais ela deu o título de Arquiduques das Trevas, e para cada um deles ela deu terça parte de seu exército artificial, sobrando ainda milhões em seu poder.


Mais tarde, veio a descobrir-se que a Matéria Escura está espalhada por todo o universo e se acumula em pontos de “baixa pressão”, onde há muita energia negativa concentrada. O espaço vazio deixado pelo coração da princesa foi fruto da mágoa, e por isso foi ocupado e tomado pela Matéria Escura...


A Casa Real – que era composta por milhares de famílias da realeza espacial – uniu forças para tentar derrotar Azura e seus Arquiduques... sem sucesso. Cada um dos braços da realeza intergaláctica foi erradicado dos quatro cantos do universo, e seus descendentes e herdeiros foram caçados e mortos assim que localizados, um a um. É claro que este trabalho durou milênios, e enquanto o império cruel da nova Azura se alastrava como uma sarna demonstrando poder e mão de ferro por todo o espaço sideral, planetas inteiros foram ruindo, desaparecendo, morrendo, tornando-se nada mais nada menos que pedra flutuante em meio ao vazio. Sistemas solares inteiros foram mortos.


E então a história da princesa que trancafiou seu coração numa caixa dourada e lançou-a no espaço tornou-se um mito nos quatro cantos do universo, a lenda da doce e bondosa princesa que virou a maléfica e cruel imperatriz das trevas após ter o vácuo em seu peito transformado na morada da Matéria Escura. Durante milênios a fio, Azura da Família Real Shantrya dominou com mão de ferro grande parte das constelações e galáxias que já estavam em seu poder antes, e também as que foram conquistadas depois, até que ela simplesmente desapareceu, sem deixar vestígios.


A grande nave usada como palácio, o Cruzeiro Espacial Frontier Δ (Delta) nunca mais foi visto, e os nove Arquiduques também evaporaram sem deixar vestígios, embora seus exércitos e sub-generais tenham continuado a exercer o seu poder e representá-los em cada planeta conquistado...


Reza a lenda, que a Caixa Dourada que contém o Coração de Azura vaga pela imensidão do universo sem rumo, e pode ser vista como um cometa de cauda arco-íris quando entra em contato com a atmosfera dos planetas que cruzam seu caminho. Há quem diga também que a viu perdida entre os escombros de um planeta extinto, nos limites de um sistema solar abandonado, nas proximidades de Alpha Centauri, onde antes funcionava a principal pedreira do império de Azura.


Os mais otimistas e fantasiosos acreditam na profecia de que um guerreiro misterioso irá encontrar a caixa e abri-la. Encontrando o coração da Princesa Espacial Azura de Shantrya Soberana de Todas as Galáxias, apaixonar-se-á por ela de imediato, conhecendo quem ela foi um dia, por ela cairá de amores, e derrotará os nove arquiduques com a ajuda dos quatro Escolhidos. Esta profecia foi feita por Sybila Alethea, guardiã do Compêndio das Eras, que desapareceu misteriosamente logo após a profecia ser revelada. Alethea costumava dizer que Azura e Os Nove estariam em sono criogênico, esperando o momento de despertar, com a CEFΔ vagando entre a poeira cósmica de alguma nebulosa distante.


Mas a verdade... A verdade é que o futuro é tão incerto quanto o presente!




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Arte:
img01: Anja Millen (editada por Cezar A. & Louie Mimieux)
img02: Louie Mimieux

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