Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Vestido Versace, Mulher Versátil


- O que exatamente você estava fazendo no prédio do hotel naquela manhã? – o detetive tomou o último gole do seu café calmamente, enquanto a sedutora Gabriela cruzava e descruzava as pernas várias vezes. Não que estivesse provocando, longe disso, ela estava nervosa e desconfortável naquela cadeira dura de ferro. Ela que era tão elegante parecia uma joia perdida no esgoto, dentro daquela sala.
- Eu não sei do que você está falando, detetive, estive a manhã inteira em casa! Saí somente pela parte da tarde, para fazer um Cooper à beira mar, eu estava de folga e...
- Os empregados da mansão disseram que você saiu alguns minutos após a limusine deixar o pátio, acho melhor você falar a verdade. – sentou-se.
Ela permaneceu calada durante um tempo, sua testa estava cheia de ravinas de preocupação, piscava mais que o normal. Decidiu retirar as luvas, pois estava suando horrores debaixo delas, descruzou as pernas pela quinta vez.
- Tudo bem, olha, pra ser sincera, eu realmente saí de casa naquela manhã, eu saí sim, mas foi por um bom motivo... – ela respirou fundo. – Stella havia se esquecido do seu segundo vestido, a muda de roupa que Aline havia separado para ela, e eu como boa nora resolvi entregá-lo no hotel, foi isso! Nada demais! – cruzou os braços, estava mais tranquila agora. Aquela desculpa era realmente convincente, se não fossem os outros detalhes sórdidos.
- Mas, me diga, Gabriela, que motivos você teria para entrar sorrateiramente pelas escadas de emergência, como mostram as câmeras de segurança?
Gabriela finalmente descobrira o motivo daquele televisor mequetrefe e encardido que a encarava ameaçador com a sua tela escura, séria e julgadora. Ela tinha muitos motivos para entrar em desespero agora. Se eles filmaram a sua entrada no prédio, haviam filmado tudo. O detetive Mimieux puxou um pequeno controle do bolso e apertou alguns botões para dar play no vídeo. As imagens eram claras, claríssimas, nítidas como a água: Gabriela surge caminhando feito um gato, desconfiada, olha para todos os lados, checa a porta sem fazer muito barulho e verifica se está aberta ou fechada. Sobe em seguida. O vídeo permanece numa porta vermelha entreaberta que, após uma rápida acelerada pelo controle remoto, mostra uma Gabriela descabelada e visivelmente nervosa, capotando porta afora e caindo e joelhos, levantando-se logo em seguida e correndo desesperada.
Após alguns minutos seu marido sai pela mesma porta e vomita numa lixeira logo ao lado.
- Porque a fuga, Gabriela? E o que se fez do vestido que você estava carregando? – o detetive se fez de desentendido, debochando da cara de tacho de uma Gabriela pega no pulo do gato – ah! Esqueci! Você não poderia sair andando com um vestido ensangüentado na rua! Você o usou para limpar o sangue do homem que você matou! É muito claro não é?
- Ora, não seja idiota! – grunhiu a mulher – pra que eu iria matar aquele velho?! O que eu ia ganhar com isso?!
- Não sei, me diga você! – ele pôs os braços atrás da cabeça. Ela levantou-se.
- Me desculpe, mas não tenho de aturar esse tipo de acusação! É uma ofensa grave a minha integridade moral! – fez, estufando o peito e erguendo o queixo enquanto jogava os cabelos para trás dos ombros.
- Sente-se, ou vamos declarar prisão provisória assim como fizemos com o seu marido! Você não quer nos dar problemas, quer? – o detetive riu, simpático.
Gabriela bateu o pé três vezes fazendo careta e largou-se na cadeira, derrotada.
- Ai que ódio! Que ódio!
- Porque a fuga? Me explique!
- Eu fugi do tiroteio, tudo bem?! FUGI! Eu pensei que estava acontecendo algum tipo de assalto no hotel e saí correndo! Era isso o que você queria que eu dissesse?! – ela ergueu os braços, se rendendo, depois esmurrou a mesa, fazendo o detetive bufar outra vez – AH, NÃO! ESPERE! Você quer que eu diga que matei um velho que sequer conheço direito!
- E como você explica o vestido encontrado na cena do crime?! E o seu relógio que foi encontrado próximo à porta?! Você esteve naquele quarto, Gabriela! Eu sei que esteve e você está escondendo o jogo! Vamos! Confesse que você o matou!
- EU ENTREGUEI O VESTIDO PARA VERONICA! – gritou a mulher, desesperada, gelada, derramando rios de lágrimas.
- Não, não entregou! O depoimento de seu marido não fala de nenhum vestido nas mãos da empregada, que, aliás, desceu o elevador pouco antes de você subir! Vocês sequer se viram naquele dia, você sequer procurou o quarto de Stella Vazjekovzka! – o detetive assumiu um ar violento, dominador, era a adrenalina subindo ao cérebro, a adrenalina por estar próximo de resolver este grande mistério que o estava deixando maluco. Já eram praticamente sete da noite, e a família Vazjekovzka inteira na companhia de alguns empregados e metade do hotel estavam ocupando a delegacia de cabo à rabo. Era hora de dar fim àquilo de uma vez por todas!
- TUDO BEM, TUDO BEM, EU CONFESSO! EU CONFESSO!
Neste instante, trombetas soaram nos céus e os anjos cantaram em aleluia! Tudo isso no âmago do estômago daquele detetive fatigado de cortar as cabeças das Hidras daquele assassinato! Enfim ele conseguira uma confissão! Enfim alguém se entregou! O caso estava encerrado! Ele poderia voltar para casa, tomar aquele banho delicioso e voltar a assistir a última temporada lançada de Cold Case! Seus ombros relaxaram, ele juntou as palmas das mãos em clamor e ergueu-as para a lâmpada fluorescente de brilho branco espectral. O martírio havia chegado ao fim.
- EU ENTREI NAQUELE QUARTO SIM! EU ENTREI! TUDO BEM?! EU OUVI OS TIROS E ENTREI NO QUARTO! E AQUELE VELHO ESTAVA SE DEBATENDO NO CHÃO, EU ENTREI EM DESESPERO, VOU NESSA HORA QUE O RELÓGIO CAIU! ELE ESTAVA FROUXO, TUDO BEM?! MAS EU NÃO IRIA ME ABAIXAR PARA PEGÁ-LO ENQUANTO AQUELE HOMEM MORRIA NA MINHA FRENTE! EU TENTEI USAR O VESTIDO PARA ESTANCAR O SANGUE, MAS ELE JÁ ESTAVA PARANDO DE SE MEXER E ENTÃO EU CORRI, CORRI PARA LONGE DAQUILO TUDO!
A porta da sala do interrogatório abriu-se de supetão, espantando a mulher alterada que gritava feito uma condenada a sua confissão. O detetive já havia desistido de chegar ao final daquele caso, cada vez mais ele se complicava.
- Encontraram a arma do crime, senhor. – fez Abner, ajeitando o cinto.
- Não me diga! Mas isso é incrível! – e saiu da sala, direto para a galeria dos esgotos de Paris. Esgotos antigos, seculares, cheios de história e fezes de todas as eras. O lugar era lúgubre, fedido era apelido, escuridão era só um brinde à parte, os ratos pareciam fazer festa ali, felizes a cantar suas canções chiadas, as baratas pareciam tão inteligentes a ponto de fazerem verdadeiras aldeias nas paredes e conviverem em sociedade. Tudo isso logo abaixo de um dos hotéis mais luxuosos da capital. Paris, Paris, toda a sua podridão escondida no subsolo, que cidade maravilhosa. Mimieux adorava aquilo tudo.
- Nem tocamos nela, acabamos de encontrá-la – fez um dos oficiais, apontando a lanterna para um ponto distante no rio de imundície. Ali estava um revólver comum, sujo, não era possível identificar o calibre exato, mas lá estava ele, engatado num dos braços de um cabide de metal perdido nas galerias subterrâneas, jogado esgoto abaixo por algum pobre inquilino de um bairro de classe baixa.
- Pegue-o e leve para o exame... Vamos ver se as balas encontradas na vítima condizem com o calibre da arma... – e saiu caminhando, para fora daquele fedor agressivo, esmagando algumas baratas e chutando alguns ratos. Não resistiu, levou um lenço ao nariz, mas isso não adiantou muito. Seu corpo estava ali, caminhando para fora da porcaria, mas sua mente estava na bela Gabriela, que mulher versátil ela era... Prestativa, era tão boazinha com a sua sogra a ponto de sair do conforto da sua mansão para levar pessoalmente o vestido que a pobre velha havia esquecido! Tão prestativa a ponto de prestar os primeiros socorros para um corpo que se debatia ali próximo! Um corpo desconhecido e cheio de sangue!
Não, havia algo de podre naquela história, e não era aquele esgoto. Se bem que, as galerias subterrâneas de Paris também eram bem putrefatas, mas a podridão estava escancarada na história contada por Gabriela. Ela estava mentindo, era óbvio. Todos sabem o quanto ela odeia a sogra, pra que levaria o vestido pessoalmente para a velha?! E com aquele jeitinho cheio de “não-me-toques”, ela jamais poria a mão em sangue sem fazer um verdadeiro escândalo. Mulheres como ela gritariam horrores ao se depararem com um corpo se debatendo, agonizando. Ou talvez ele estivesse sendo um grande preconceituoso... Quem sabe...

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