Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

sábado, 27 de novembro de 2010

Segredos de Prada


- Então você realmente esteve dormindo durante todo esse tempo, durante o decorrer do crime até a batida policial no seu camarim?
- Logicamente, pensei que isso estivesse óbvio detetive Mimieux, vocês me encontraram semi-morta, minha hérnia de disco quase me levou pro outro lado dessa vez – ela tentou cruzar as pernas para parecer mais irônica, porém sua coluna chiou alto, fazendo-a estremecer dos pés à cabeça. Ela gemeu baixinho. Havia se esquecido que estava na cadeira de rodas e que não tinha mais 20 anos. – mas dizem por aí que vaso ruim não quebra, então...
- Como você explica todos aqueles pertences que remetem a você, no apartamento de Lucas Lustat, espalhados por lá?
Ela gargalhou. Uma gargalhada seca e áspera como uma esponja de aço. Se esponjas de aço pudessem gargalhar, esta seria a gargalhada de uma.
- Ora, está mais do que na cara que há alguém por trás desse crime tentando me incriminar, e você, detetive Mimieux, está fazendo papel de idiota, pensei que fosse mais inteligente!
- A Senhora sabe que pode ir presa por desacato a autoridade, não sabe?
- Ora, lógico que sei! – ela respirou fundo, com seu sorriso sádico antes sedutor, agora enrugado e amassado pela idade, ela mais parecia uma múmia sem as ataduras na ausência da maquiagem pesada costumeira. Nem os cílios postiços, nem a sombra de glitter preto ou o blush cor-de-rosa ajudaram a esconder as marcas de uma vida inteira. – mas me diga detetive, quem vai jogar uma velha de quase oitenta anos no presídio feminino?! Olhe para mim, eu estou na cadeira de rodas! Sou uma inválida! Se eu realmente matei Lucas, seu esforço em me incriminar será todo em vão! Jamais vão me colocar junto da ralé, porque acima de tudo... – ela debruçou-se sobre a mesa, de olhos semicerrados, sibilando feito uma draga maquiada – eu sou rica! EU SOU RICA! – gritou, levantando os braços para o alto. A fera estava abrindo as asas para voar.
O detetive cruzou os braços e escorou-se na vidraça escura. Do outro lado, a polícia francesa inteira assistia ao interrogatório mais esperado do ano.
- Você sabe que agindo assim, está dando cada vez mais motivos para acharmos que você é a culpada.
Ela esmurrou a mesa. A unha do mindinho quebrou.
- Não seja imbecil! – gritou – Você está sendo estúpido, estúpido, estúpido! Está sendo um idiota! Babaca! BA-BA-CA! Sabe soletrar? Seu detetivezinho de merda! Só eu sei o inferno que passei naquela noite! Só eu sei as dores terríveis que senti por todo o meu corpo! Deus sabe como me contorci naquela cama até desmaiar! Você sabe o que é hérnia?! Você sabe o que é ter uma hérnia tão avançada que você não pode sequer abaixar para pegar um sabonete?! Não brinque comigo! Não brinque comigo! Não mesmo! – esmurrou a mesa de novo. As lágrimas já começavam a brotar. Por trás do sadismo, da grosseria, da agressividade e da arrogância, a dor da acusação injusta gritava. Stella tentara se controlar ao máximo. As dores estavam misturadas agora, ela não fazia ideia do que era a coluna e do que era o seu ego, os dois eram um só agora.
O detetive permanecia impassível, sério, até um pouco sereno, absolutamente controlado.
- Você sabe que não pode se estressar tanto assim, Senhora Vazjekovzka, sua saúde é frágil demais, é melhor controlar os ânimos.
- Se eu morrer aqui nesta sala escura, úmida e suja, será tudo culpa sua! É você quem está fazendo isso comigo! Você! – disse, apontando seu dedo indicador longo e ossudo para o homem, feito uma bruxa lançando uma maldição. – durma com a minha morte nas costas! Seu filho da mãe!
- A porta do apartamento aberta pode ser explicada facilmente pela entrada e saída constante de sua empregada e de sua neta, isso é algo que será interrogado mais tarde às duas... Mas como você explica isso? – jogou sobre a mesa um objeto retangular, preto, de aparência antiga e pesada, brilhava feito o casco de um besouro à luz daquela única lâmpada fluorescente pendurada no teto. Stella pegou-o com dificuldade e viu do que se tratava: um aparelho celular, semelhante a um IPhone, tendo a palavra “PRADA” em letras pequenas e douradas coroando o alto do visor, logo acima do alto falante. – dê uma olhada na caixa de entrada, nas mensagens.
Stella pôs seus óculos de grau no rosto. Seus dedos eram velhos e ossudos, mas eram rápidos quando se tratava de aparelhos celulares. Em seus tempos áureos, ela deveria ter uns cinco ou seis, um para cada rede social da qual ela fazia parte, um para cada alta roda da sociedade que havia lhe acolhido e acolhido a sua fama e fortuna também. Após alguns segundos, sua expressão facial fechada foi abrindo em uma máscara de surpresa, espanto, assombro, como se algo que há muito lhe havia fugido da memória houvesse voltado de repente. Seus olhos eram duas luas enormes agora, acentuadas pelas lentes grossas, estavam cheias.
- Eu não passei nenhuma destas mensagens! Eu não estava com meu celular naquela manhã! Ele estava nas mãos de Veronica! Eu o confiei a ela!
- A questão é por que...
- Isso mesmo! Por quê?! Veronica não faria algo desse tipo! Ela é uma pobre garota ingênua, ela é uma tola, uma tapada, às vezes eu tenho de dar uns gritos com ela porque ela é uma anta em todos os aspectos... Ela não teria a malícia necessária para se passar por mim! Não teria mesmo!
No viso do celular, as cinco últimas mensagens recebidas estavam empilhadas na caixa de entrada, acusando uma conversa que nunca acontecera, quarenta minutos antes do assassinato.
- Não, a pergunta que eu ia fazer se referia a outro ponto de vista... Se você não tinha contato algum com Lucas Lustat há anos como seus amigos e familiares afirmam, o que seu número estava fazendo no celular dele? A impressão que essa conversa nos dá é de que vocês andavam trocando mensagens há algum tempo, não é mesmo? – o detetive sentou-se para encarar uma Stella pega no pulo do gato. A expressão de culpada estampada no rosto da velha o divertia muito. Ele estava prestes a pegá-la de uma vez por todas.
- Tudo bem, tudo bem – ela baixou a guarda – vocês iriam descobrir isso mais cedo ou mais tarde – foi sua vez de cruzar os braços e recostar-se nas costas da cadeira de rodas – há um ano e meio, Lucas descobriu o número da casa onde nós vivemos, Veronica o atendeu mais de uma vez...
- Quantas exatamente? – Mimieux estava desconfiado.
- Umas três ou quatro vezes... Ele telefonava perguntando por mim, e eu pedi a ela que mantivesse estes telefonemas em segredo, pedi a ela que lhe desse o número do meu celular para que ele ligasse diretamente para mim. Eu tinha muitas coisas para dizer a ele, mas acontece que ele nunca telefonou, e nunca passou nenhuma mensagem... Até agora, pelo visto!
- Você acredita então que...
- Após me ver pessoalmente depois de tantos anos, ele finalmente havia criado coragem para mandar um sinal... – as lágrimas voltaram a escorrer pelos sulcos ancestrais de seu rosto enrugado, a maquiagem estava escorrendo novamente – e justamente quando eu havia criado coragem para perdoá-lo também... – ela abaixou a cabeça e puxou um lenço do bolso, escondeu o rosto atrás dele. Stella Vazjekovzka não chorava nunca, não na frente de estranhos, principalmente de inimigos, ela não daria o prazer da sua fraqueza àquele detetive audacioso de araque. Mas estava dando. – ele morre! Assim! De uma hora pra outra! Porque eu o mataria, detetive? Eu o amava com todas as minhas forças! Mas fui a grande idiota orgulhosa da história, e agora é tarde demais...
De repente, aquele homem acusador, impassível e inflexível pareceu tão injusto, tão tolo, tão infantil. De repente, aquela velha amarga e sádica pareceu tão frágil, tão agredida, tão invadida, injustiçada. Você está sendo um canalha, detetive, está coagindo a pessoa errada, Stella definitivamente não é a culpada, pensou consigo mesmo.
- Alguém se passou por você naquela manhã, Stella – fez ele, dando a volta na mesa para pousar suas mãos sobre os ombros frágeis da velha senhora – alguém usou seu telefone para trocar mensagens com Lucas Lustat e marcar um encontro... E eu lhe prometo que vamos achar o culpado...
“Você está linda hoje, uma rainha nunca perde a majestade” – de: Lucas Lustat.
“Toda rainha precisa de um rei... demorei um pouco para perceber isso...” – de: Stella.
“Estou no meu apartamento agora. Sua bolsa está aqui comigo” – de: Lucas Lustat.
“Não saia daí, precisamos conversar. Qual o número do seu quarto?” – de: Stella.
“107” – de: Lucas Lustat.
“Estou chegando” – de: Stella.

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