Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

domingo, 28 de novembro de 2010

Uma Incógnita de Dior


- Estamos com Stella Vazjekovzka na sala do seu lado direito e a neta dela, Aline em seu lado esquerdo...
- E porque eu preciso saber disso?! – grunhiu Veronica, com um sotaque búlgaro pesado.
- Para que saiba que não adianta mentir, elas duas já contaram a história inteira, e sabemos que você estava com a bolsa pouco antes dela ser encontrada suja de sangue, no apartamento de Lucas Lustat. – o detetive Mimieux acendeu um charuto, cruzou os braços e encostou-se no vidro escuro outra vez.
No mesmo instante, Veronica começou a chorar e a tremer, a gritar feito uma condenada.
- O que ela está falando? – perguntou o chefe de polícia do outro lado do vidro.
- Eu não faço ideia! Não falo búlgaro! – respondeu um dos oficiais.
- Acalme-se Senhorita Petrova, acalme-se, por favor! – o detetive aproximou-se da mesa e empurrou-lhe o copo d’água que lhe era destinado. Ela esvaziou-o com voracidade como se tivesse caminhado um deserto inteiro, sozinha e sem uma gota do líquido tão precioso.
- Eu não estive naquele quarto! Não estive! Eu juro que não estive! A bolsa não estava comigo! – fez a mulher, ainda tremendo, seus olhos profundos e vermelhos.
- Mas você foi a última pessoa vista em posse da bolsa, Veronica!
- NÃO!
Esmurrou a mesa. O detetive Mimieux relaxou os ombros e jogou-os para trás, bufando e revirando os olhos. Muitos atos estavam se repetindo naquela manhã, estava virando costume vangloriar-se da sua riqueza ou esmurrar a mesa.
- Eu não estava com a bolsa! Eu não estava! Eu entreguei a bolsa para ele! Para ele!
- Ele quem?! – o detetive estava começando a se irritar profundamente com aquela búlgara nervosa. Ela era escandalosa demais, não parava de gritar. Era óbvio o seu nervosismo com relação ao caso, ela estava praticamente gritando “CULPADA!” para si própria.
- Para o Senhor Stefan! Foi para ele que eu entreguei a bolsa! – e voltou a chorar como uma criança. Chorava dolosamente, deixando o detetive cada vez mais aflito; a sala estaria inundada em poucos segundos se ela continuasse chorando nesse mesmo ritmo com a mesma intensidade.
- Espera um instante... Stefan Vazjekovzka estava no prédio?! Stefan estava no hotel?!
Veronica, tremendo, com as duas mãos na boca, fez que sim, meneando a cabeça para cima e para baixo com dificuldade. Ele virou-se para o vidro escuro com o olhar sério, como quem diz “você sabe o que fazer”.
- Traga-o para nós agora! – ordenou o chefe de polícia. No mesmo instante, todos os oficiais se mobilizaram. Stefan estaria dando seu depoimento em poucas horas, assim que o posto de polícia do aeroporto internacional de Paris localizasse sua posição com a ajuda das câmeras de segurança. Ele tentou correr, ele tentou esconder-se no banheiro feminino, chegou até a fingir que estavam lhe confundindo quando foi abordado na fila do despacho da bagagem.
“Estou indo para Miami, seu guarda! Ver a família! Já me disseram que eu era muito parecido com o Stefan, mas me chamo Michael e preciso mesmo fazer o despacho dessas malas!”
Os guardas se entreolharam.
“Nos acompanhe por favor.”
E correu, correu feito um condenado, deixou cair a peruca e os óculos escuros, tirou a jaqueta e os sapatos para ser mais rápido, mas ele estava cercado, por todos os lados, suando feito um porco. Nervoso como jamais estivera. Stefan Vazjekovzka, o neto criado como filho pela rainha das passarelas Stella agora era algemado, e todos ali presentes foram testemunhas da decadência de uma grande estrela. O terceiro homem mais bonito do mundo, flagrado fugindo da polícia, se escondendo num banheiro feminino e mergulhando numa fonte cheia de peixes, no meio de um aeroporto lotado de franceses, ingleses, americanos, espanhóis e turistas em geral. E os paparazzi, os fotógrafos? Voaram feito abutres famintos para cima da confusão. Para cima da carne putrefata. Aquilo era alimento de primeira para as revistas sensacionalistas carniceiras. Stefan havia assinado a sentença de morte da sua carreira naquele momento.
Na manhã seguinte, estaria em todas as revistas, ou até mesmo em edições extraordinárias impressas de última hora para serem distribuídas com urgência pela parte da tarde nas bancas de todo o país, quiçá do mundo todo: “Prenda-me se for capaz: Stefan Vazjekovzka flagrado numa fuga alucinante pelo aeroporto internacional de Paris! Confira com exclusividade aqui!”. E os noticiários já estavam exibindo as imagens amadoras filmadas por câmeras de celulares por turistas em menos de uma hora!
“Autógrafo aqui! Autógrafo!” gritava um brasileiro, tentando furar o bloqueio policial. Stefan deu um tapa na caderneta que voou longe, para dentro da fonte, e toda a tinta azul se desfez como a sua carreira e a sua reputação. Ele era aquele caderno, se desfazendo na água, para sempre.
- Agora a incógnita está resolvida! – riu o detetive Mimieux jogando o bracelete dourado assinado pela marca Dior sobre a mesa do interrogatório. – nós não fazíamos ideia de como esta pulseira fora parar na cena do crime, sendo que nenhuma das suspeitas interrogadas até agora estavam em posse do objeto naquela manhã... Mas graças à sua mamãe, sabemos que ela lhe fora presenteada há alguns anos e que nunca saíra de seu pulso... Até o exato momento do assassinato...
- ME SOLTE AGORA! EU EXIJO MEUS ADVOGADOS! SÓ ABRO A BOCA NA PRESENÇA DELES! – chutou a mesa uma dúzia de vezes, virando-a para cima do detetive ao mesmo tempo em que caía para trás com a cadeira, onde estava algemado.
O detetive empurrou a mesa de pernas para o ar com delicadeza para o lado, aproximou-se do indivíduo em questão que se debatia feito um peixe fora d’água, preso a uma cadeira de ferro caída de costas no chão. Agachou-se com calma e levantou-o num piscar de olhos usando um só braço. Abriu então suas pernas, sensual, e sentou-se no colo de seu interrogado, pegou o queixo de um acuado Stefan entre as mãos e aproximou seu rosto até os dois narizes suados e nervosos se encontrassem. Ambos tremiam. De raiva. De nervoso. De aflição.
- Mas o que ele está fazendo?! – mugiu o chefe de polícia.
- Você tentou fugir para outro país, é nosso principal suspeito e podemos decretar prisão provisória se você continuar bancando a criança mimada, e nem o advogado mais eficiente da França vai poder te tirar do xadrez, está me ouvindo?! – sibilou. Stefan fez que sim com a cabeça. Num pulo, ele levantou-se do colo do suspeito e com um leve impulso de seu pé, devolveu a cadeira ao chão. Stefan urrou de ódio.
- EU VOU TE PROCESSAR! VOU TE PROCESSAR! SEU DETETIVEZINHO DE MERDA! VOCÊ ESTÁ MORTO! MORTO! ACABADO!
- Acabada está a sua carreira, depois do escarcéu que todas as revistas e jornais do mundo inteiro fizerem!
- E ainda zomba de mim! Você está perdido!
- Calado, e agora me diga exatamente o que estava fazendo no prédio do hotel poucos minutos antes da morte de Lucas Lustat!
- Eu fui ver minha mãe, seu imbecil! Idiota! Babaca! Estúpido! Minha mãe estava dando o último voo da sua carreira brilhante, eu tinha que dar pelo menos os parabéns pra ela! Ou será que você é tão burro que não ligou A+B?! AGORA ME LEVANTE DO CHÃO IMUNDO DESSA SUA DELEGACIA DE ARAQUE!
- Mas segundo a própria, você tinha uma reunião importante com a equipe de produção do último “The Big Machine”, filme esse em que você terá o papel principal...
- EU DESMARQUEI A REUNIÃO, TUDO BEM?! NOSSA! VOCÊ É UM ÓTIMO DETETIVE! – e gargalhou alto, irônico. – SÓ PORQUE O FILHO DE UMA MODELO VELHA ESTEVE NO PRÉDIO ANTES DO AMANTE IDOSO DELA SER MORTO, ELE JÁ É CULPADO! SERÁ QUE NÃO PASSA PELA SUA CABEÇA EM NENHUM MINUTO QUE EU SÓ FUI LÁ DAR OS PARABÉNS?! – e começou a chorar, alto, quase um uivo.
O detetive Mimieux ficou sério e abalado. Estava ele sendo um babaca pela segunda vez naquela mesma manhã? Impossível. Ele não podia errar duas vezes. Errou, foi injusto com Stella, mas com Stefan ele não poderia ser injusto, nunca! O cara fora pego usando um disfarce, tentando fugir do país! Era praticamente culpado!
- Então porque você fugiu?! – gritou Mimieux, já confuso e aturdido com tudo aquilo – porque sua pulseira foi encontrada engatada na alça de uma bolsa ensanguentada?! POR QUÊ?!
- PORQUE EU SEI QUEM O MATOU! PORQUE EU VI! EU VI! EU VI TUDO!
Se o detetive Mimieux queria perder o chão e enlouquecer, essa era hora certa.

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