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sexta-feira, 6 de maio de 2011

Epílogo - Pietà


- Cada um de vocês foi enviado a um mundo diferente – sussurrou o deus ao pé do ouvido do jovem mortal enquanto fechava aqueles profundos olhos sofredores com delicadeza, induzindo-o ao descanso, ao transe. – Vocês estão mortos, vocês são contradições, vocês jamais poderão coexistir no mesmo mundo e na mesma época outra vez, esse é o preço que deve ser pago para que a família Mimieux continue existindo... – segurou o rosto de Frederico mais uma vez entre as mãos. Uma última vez. Àquela altura ele já estaria a caminho do mundo para o qual fora destinado, para recomeçar.

Lilith caiu sobre seus joelhos, abraçado ao seu nobre Frederico, erguendo seu rosto iluminado para os céus, brilhando assim como havia feito no salão satânico do ritual que o trouxera para fora de seus sonhos profundos de Oráculos e Guerras.

Uma estrela reluzente usando um longo manto branco. Era isso o que ele era naquele momento. Primeiro a luz tomou forma, depois emoldurou-se como se fosse líquida ao redor da cabeça do deus, formando círculos que giravam e ardiam em brasa, e assim sua coroa dourada de quatro sóis surgiu ao redor do seu crânio, produzindo o som de um sabre cortando a pedra. Após isso, seus olhos onde duas grandes galáxias giravam fecharam-se para receberem a venda que brotou de trás das suas orelhas, assim sua vista foi selada. A gola do quimono que lhe caía sobre os ombros de forma tão delicada esticou-se em volta da sua cabeça e seu pescoço, emoldurando-o, deixando seu colo branco totalmente à mostra. Uma gota de sangue tingiu o branco daquela gola de vermelho por dentro. Astros e estrelas surgiram ao longo das curvas do tecido, irradiando luz própria como se fossem reais.

Aquele era o manto do Rei, e aquela era a sua coroa, e seus caninos agora estavam pontiagudos como sempre foram desde que sua consciência gerou sua existência.

Numa cena digna das telas de Caravaggio, Lilith tinha o corpo de Frederico desfalecido em seus braços, a cabeça pendendo para trás em uma expressão de total serenidade, um dos braços musculosos do jovem ainda repousava sobre seu pescoço de forma flácida e superficial enquanto o outro se esparramava abaixo. Uma lágrima vermelha escorreu do olho direito do deus, uma dolorosa lágrima de sangue; aquela criatura jamais havia chorado em milênios de existência, e sua primeira lágrima fora derramada pela dor daquela família desmembrada cruelmente pelo destino. Ele se sentia culpado, condenado a sofrer por tudo aquilo que havia causado. Enfim, o demônio não era tão frio e egoísta como havia sido pintado desde o início; ele era capaz de sentir, não pela sua desgraça, mas pela desventura alheia. Sua alma estaria redimida? Ele possuía uma alma?

Em um segundo ele era a Virgem e Frederico o Cristo, e aquela era Pietà de Michelangelo, e o universo desfez-se em pó e luz ao redor dos dois. Lilith inclinou-se e beijou os lábios de seu descendente mais uma vez antes de espalmar sua mão próxima ao rosto do jovem. Em sua palma, um olho se abriu, um enorme olho azul como aquele que havia sido tão representado desde o princípio das eras em tantos mundos como um sinal de sabedoria, de conhecimento do passado, do futuro, de bom presságio e boa sorte. Aquele era o Olho de Lilith, Figree Hamsa, ou como quer que ele fosse chamado em qual universo ele fosse representado. E aquele olho transformou matéria em luz, e assim, Frederico foi enviado para outro mundo, para recomeçar.












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