Do Meu Diário Particular.
Dia 6 de Novembro de 2009.
A gente só ia visitar uma casa abandonada, combinávamos isso desde a terça-feira à tarde, quando íamos de verdade, mas o Raimundo do portão prendeu todo mundo no corredor e disse que ninguém ia sair. Mas hoje, quando cheguei ao canto da Funasa, local onde costumamos sentar, conversar, mexer e ser “mexido” por quem passa, bem na hora marcada (3:00 da tarde), Rayanne e Fabíola estavam todas muito bem maquiadas e usando blusas sexys hiperdecotadas por debaixo do uniforme. Me perguntei naquele momento se a intenção delas era seduzir algum espírito. Aos poucos o pessoal foi aparecendo, usando das roupas mais simples às mais esquisitas. O erick parecia até que ia pra praia, de bonezinho e até creme corporal dentro da mochila de costas!
A Suzana, que entrou de cabeça nessa perigosa aventura de ser uma apocalíptica após ter brigado com as suas amigas e mudado de lado dentro da sala de aula, agora ex-popular e ainda toda patty, apareceu usando óculos Rayban de aro dourado, blusinha de oncinha e uma máquina fotográfica no pulso, as bochechas levemente rosadas de blush. É incrível como ela se encaixou tão perfeitamente entre nós, apesar de ser tão diferente, pra falar a verdade, somos um grupo de pessoas diferentes, não temos absolutamente nada a ver uns com os outros, mas apesar disso, nossa amizade é verdadeira, e a Suzy teve o privilégio de participar disso também. Assim que a Bia Chegou, me senti mais à vontade, ela também tinha vindo só de uniforme como eu, e então fomos todos pra casa do Pedro chamá-lo!
A Dona V, mãe do Pedro, odeia visitas, principalmente se forem amigos dele, ela não deixa ninguém entrar de maneira alguma, e ainda não sabemos exatamente o porquê, só sabemos que ela não gosta que entrem na casa dela. Aproveitando que ela estava tirando a soneca da tarde, Suzana entrou para ir ao banheiro porque estava muito apertada, e pra resumir a história, eu, Fabíola e Erick entramos também, só de enxeridos pra ver como é lá dentro, porque nunca tivemos coragem o suficiente para correr todos os riscos de sermos pegos por lá pela furiosa Dona V. Foi o Erick que, ao sair um instantinho do quarto enquanto ficávamos mexendo por lá, voltou correndo desesperado dizendo que ela vinha descendo as escadas!Corremos todos para o espaço ao lado do guarda roupa, onde ficava a porta metálica do banheiro, e quase morremos espremidos por lá, e pra completar, a porta do quarto estava aberta, aí já viu o desespero! O que faria Dona V se nos pegasse ali dentro? Arrancaria-nos de lá pelos cabelos? Expulsaria a todos nós, ou nos devoraria vivos? As nossas risadas nervosas tentávamos abafar desesperadamente, o que só nos fazia rir mais e mais. Meu coração estava a mil, eu via a hora em que a Fabíola, escandalosa que só, se espocaria na risada e denunciaria a todos nós!
“PEDRO HENRI-QUÊ!”
Gritou a Dona V, bem ali ao pé da porta do quarto, um guarda-roupa nos separava! Eu comecei a suar.
Gritou a Suzana de dentro do banheiro! Pronto! Foi dada a sentença de morte! Com certeza Dona V havia ouvido aquele grito, e você tinha de ver as caras de pavor quando a Suzana gritou! Eu já calculava o que faria quando visse a cara sonolenta e irada da Mamãe-Sauro (foi assim que o Erick a batizou) que teve sua soneca perturbada nos descobrindo espremidos contra a porta do banheiro do Pedro. Mas para minha surpresa, quem saiu das trevas foi ele, dizendo que era melhor correr enquanto ainda dava tempo. Fomos então, percorrendo ruas paralelas e pouco movimentadas que não são nem do Centro nem do Laguinho, nem do Santa Rita e nem do Centro, fronteiras indefinidas de bairros ensolarados e cheios de árvores tropicais sobre calçadas sujas, ruas que o Pedro conhece muito bem. “Aqui mora fulano que fez isso, isso e aquilo, aqui mora cicrano que faz isso e tal coisa, e bem aqui mora uma macumbeira que sempre pega santo!”, dizia ele, e após cruzarmos a FAB, finalmente chegamos à casa.
Na verdade, ruínas de uma antiga construção contemporânea, com aparência de mais de 20 anos atrás, sem portas nem janelas nem telhas e nem forro. Já fora lar de moradores de rua antes, os barracos de pernamanca, papelão e lona denunciavam isso, agora são só escombros tomados por poeira, folhas secas e mato. Primeiro rimos da Rayanne por ter nos relatado este lugar que pelo lado de fora parecia tão patético como ponto de satanismo, mas após entrarmos vimos que tudo ali era mistério.
A frente do local tinha a estrutura típica de fachadas de centros religiosos, como templos evangélicos e igrejas espíritas. Mais ao fundo havia um quarto com banheiro e ao lado disso uma sala de aula abandonada. Deduzi isso pelos traços de pintura restantes com temáticas infantis nas paredes enegrecidas pelas intempéries do tempo. Quando mais a fundo íamos, mais meu coração pesava e a atmosfera tornava-se tenebrosa. Algo morava ali. Tudo era um labirinto de quartos, corredores e banheiros, cômodos secretos levavam a outros que nos deixavam sem saída, alguns de nós já diziam que nem sabiam voltar. Haviam roupas espalhadas pelo chão, brinquedos, malas, bolsas, sapatos, revistas, armários, grades de garrafas vazias, galões de tinta, cadeiras, potes de shampoo, vasos com flores artificiais, tudo largado ao léu, espalhado no chão em um caos, como se ali tivesse acontecido um verdadeiro armagedon, como se as pessoas que antes ali moravam tivessem simplesmente saído de lá e deixado tudo para trás, para ser depredado pelos marginais e pela própria população.
E que planta estranha que aquele local tinha! Vasculhamos tudo de cabo a rabo, e fizemos piada de muitas coisas também, nós não resistimos, vocês sabem! Alguns de nós ligaram a maioria dos objetos à uma certa amiga nossa das perninhas finas,,, Os fundos daquele templo eram uma casa, uma casa que se ligava a outra pelo quintal, esta também abandonada. Marcas de mãos na parede bem ao estilo “A Bruxa de Blair” davam um toque horripilante e macabro ao local, estávamos nos divertindo. Tiramos fotos na máquina da Suzana (as que vocês veem agora) e partimos pra casa do Pipo, namorado da Rayanne, que fica ali na mesma rua das ruínas. Na verdade, foi ele quem mostrou a casa a ela.
O mais engraçado de tudo isso era ver a Suzana ali no meio da gente, nós, os esquisitos da sala, os deslocados sociais que não se dão bem com ninguém, e como esta interação foi perfeita e como ela entrou em sincronia conosco. Parece até que ali era o lugar dela.
Lá na casa do Pipo, sentamos na calçada e deliberamos sobre quem ia pra onde depois daquilo tudo. Suzana e Rayanne voltariam para a escola (no caso da Rayanne, pra casa, porque ela não pode ficar até muito tarde na rua e já eram quase seis da tarde), Fabíola pegaria ônibus comigo na parada e Bia e Erick iriam pra praça ver um show que ia ter por lá. Eles até queriam que eu fosse, mas eu estava louco para chegar em casa, tirar minha roupa e fazer cocô! ;>
Enquanto isso, Fabíola ouvia da Rayanne algo que o Pipo havia dito sobre o ursinho de pelúcia sujo que vimos jogado no chão. Reza a lenda urbana que um garotinho fora assassinado ali dentro (aí está a explicação para a energia ruim que eu senti ao adentrar mais nos cômodos), o corpo foi retirado, mas esqueceram-se do brinquedo. Agora dizem por aí que quem pegasse no ursinho seria perseguido pelo espírito do menino e em seguida possuído. Foi o que bastou para a Fabíola ficar dizendo que ia porque ia tocar no “urso maldito”. Nos recusamos a acompanhá-la nessa porque eu já estava muito cansado, Rayanne tinha de voltar, Suzana estava com medo e Bia porque achava perda de tempo.
Então Fabíola, Pedro e Erick entraram, e eu o restante seguimos. Quando estávamos a uma esquina de distância, ouvimos um grito, o grito mais feio que eu já ouvi em toda a minha vida, ao vivo pra falar a verdade, um grito digno de Jamie Lee Curtis! Eu e Rayanne voltamos correndo temendo pela Fabíola, e a Bia veio logo atrás dizendo “Olha! Tu ouviste? Eu não disse? Eu sabia!”.
Quando chegamos lá, surgem Pedro e Erick com Fabíola gargalhando logo atrás. Perguntamos o que havia acontecido, e Fabíola só conseguia rir. Quando o surto de risadas parou, Pedro disse que ela simplesmente pegou o urso, gritou e o largou no chão. O Erick disse que ela se espocou... Bem, ignoramos essa. Rayanne deu três tapas nela e disse pra ela nunca mais fazer isso porque era muito sério e havia deixado todos nós preocupados. Na volta ela ficou dizendo que a mão dela estava cheirando a sangue...
Na parada, por pouco não perdi o ônibus porque o Erick parou ele pra mim quando ele ia saindo, e eu subi. Foi quando eu percebi que não tinha o dinheiro da passagem na carteira e tive de procurar em todos os bolsos todas as minhas moedas. Por um minuto eu quase me desesperei, mas lembrei dos cinquenta centavos que eu havia pegado de cima da raque do Pedro só de sacanagem quando ele virou de costas. Depois ele ficou perguntando o que eu tinha pegado de lá de cima, e eu disse que nada, mas na manhã seguinte eu o paguei e ficamos quites, porque se não fosse ele, eu não teria voltado pra casa porque havia me esquecido do dinheiro do ônibus dentro do bolso da bermuda!
Mas que sexta-feira maluca!
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