Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

sábado, 26 de junho de 2010

Stella, a Fortaleza Humana

- Uma carteira de cigarros por favor... - elaestendeu as moedas. O dia estava bem frio, tão frio a ponto de forçá-la a esconder seus cabelos, a esconder seu rosto atrás de óculos escuros totalmente dispensáveis. Pra falar a verdade, havia um tempo que Stella não tinha coragem de andar por aí tão largada quanto andava antes, se jogando pelas calçadas, batendo carteiras, virando uma garrafa de vodca, na vida. Agora Stella passava horas olhando para a cidade, a cidade com seus gigantes de concreto cinza, rústicos e selvagens, cortando a paisagem sem nenhum remorso, lutando para se sobressaírem. O comportamento dos prédios ali do alto era exatamente o mesmo dos humanos ali embaixo. A cobertura no último andar daquele hotel não era o bastante para Stella, era um mundo sofisticado demais para ela, mas ela agora estava presa àquilo, ela não podia mais ser a Stella que ela era, não mais.




- Oh, meu Deus! - exclamou uma daquelas duas adolescentes irritantes que entraram na loja falando alto, cataram as revistas adolescentes às gargalhadas, e deram gritinhos admirando as típicas fotos dos ricos e famosos. Stella gelou dos pés a cabeça, arrepio na espinha. Aquele "oh, meu Deus" com toda a certeza veio em sua direção, o sexto sentido de vadia estava bem alerta.



Passos às suas costas. Uma cutucada leve.



- Com licença... Por um acaso você seria...



Stella virou-se. Estava gelada, mesmo debaixo de toda aquela roupa.



- É sim, é ela! - gemeu a amiga que se aproximava tímida - é Stella Vazjekovzka! é Stella Vazjekovzka.



O cara do caixa, que fazia um tipo meio nerd com os cabelos na cara, caindo por sobre seus óculos de aros enormes arregalou os olhos e foi forçado a colocar a franja pra trás, levantou-se da cadeira e sorriu de orelha a orelha. Seu coração acelerou, ele estava sem palavras.



Uma das garotas puxou um bloquinho em formato de coração, um bloquinho felpudo, rosa-chiclete, bem nojento, asqueroso como diria Stella.



- Stella, você não sabe o quanto eu te amo! Não sabe o quanto eu esperei pra te conhecer! - exclamava a menina, vermelha, quase lagrimando. Aquilo fez com que Stella ficasse vermelha também, e um pouco constrangida. Fazia um tempo que aquilo não acontecia. Uns três meses talvez. - autografa pra mim, Stella? Autografa?



A amiga olhava ainda tímida por cima do ombro da suplicante, ainda não havia assimilado a situação completamente, era um verdadeiro sonho. Stella Vazjekovzka estava ali, perambulando pelas ruas do seu bairro!



Stella gaguejou um pouco, a frase criou vida própria e forçou saída pelos lábios como um pássaro que escapa da boca de um gato.



- É claro que eu autografo, querida, com todo o prazer! - ela riu sem graça, pegou o bloquinho e assinou. Ela não podia explodir agora, ela não podia começar a chorar justamente agora. Ela estava guardando tudo para si, estava entupindo sua alma até o gargalo com todo aquele sentimento, estava guardando tudo pra si. Entregou a assinatura. Foi surpreendida por um grito. Era o balconista nerd.



- STELLA! AUTOGRAFA MINHA BARRIGA!



Foi a vez de Stella arregalar os olhos, de espanto. O aparelho verde do garoto, cravado em seus dentões de cavalo, estava praticamente saltando da sua boca, era uma coisa assustadora. Stella sorriu sem graça e assinou a barriga dele, que sentou-se tão cheio de emoção que não cabia em si. Stella estava se sentindo uma Megan Fox, uma Megan Fox triste, ferida e magoada.



A amiguinha tímida da garota do caderninho de coração pediu um abraço, e era tudo o que Stella precisava, foi a chave para que o choro descesse numa cachoeira infinita que manchou todo o veludo do casaco da garota. Ela apertou a jovem o mais forte que pôde, ela precisava de um colo urgentemente, aquilo a estava matando. Percebendo o choro de seu ídolo, a pobre moça também começou a chorar, e em pouco tempo o choro tornou-se coletivo, as únicas quatro almas vivas daquele pequeno mercadinho de poucos metros quadrados estavam chorando rios.



- Me desculpem! Me desculpem!



Stella livrou-se dos braços da garota bruscamente e saiu correndo da loja, com os gritos dos jovens ficando pra trás, pedindo calma, espera, chamando pelo seu nome. Ela correu, se escondeu, se fosse uma cobra teria engolido o próprio rabo até se acabar dentro da própria boca. Se fosse uma avestruz, esconderia a cabeça debaixo da terra, para fazer companhia às toupeiras. Ou, no caso de Paris, que era onde ela se encontrava no momento, faria companhia aos ratos do esgoto. O túmulo de um tal Lucas ainda estava muito nítido em sua cabeça, a imagem da cruz, do nome. É, dona Stella, quem procura, acha.



- Sim senhor, o comentário da semana ainda é o beijo lésbico trocado entre a modelo internacional Stella Vazjekovzka e a cantora Florence Welch na premiação das últimas semanas. As duas afirmam serem apenas amigas, e Stella jura que o beijo foi pura encenação, era atuação para as câmeras, mas nós aqui da redação do "Ora Vejam Só" achamos que tem muito coelho escondido nesse mato... Ou seriam caixas de sapato?



- Ora, não sejam tão maldosos, seus filhos da puta - exclamou Ítalo desligando a televisão direto no botão. - Stella meu amor, tem certeza de que não quer voltar pra Nova York? Podemos embarcar agora mesmo, é só guardar as coisas e estamos lá em poucas horas.



- Cale a boca Ítalo, me deixe em paz - fez ela, dura. - tenho uma sessão de fotos amanhã de manhã, depois eu volto pra Nova York. Sei que você está louco pra voltar pra lá por causa de alguma vagabunda, então trate de ficar calado!



- Mas...



Ela sentou-se na cama, furiosa.



- Ou se preferir pode ir tocar uma no banheiro, seu estúpido.



Stella levou um tapa.



- Não fale assim comigo. Eu não sou nenhum moleque.



Ítalo começou a catar as coisas espalhadas pelo chão, a meter todos os seus cosméticos, as roupas, os acessórios de fotografia, tudo o que era de sua propriedade, socados dentro de uma valise vermelha.



- Estou indo pra Nova York, pode ficar à vontade agora! SOZINHA, como você gosta de ficar. Foi assim que eu te encontrei, SOZINHA, no Brooklyn.



- Cale a boca! Cale a boca! CALE A BOCA! VOCÊ NÃO SABE NADA DO QUE ESTÁ SE PASSANDO COMIGO!



Ela gritava. Seus cabelos longos e escuros todos desgrenhados. Seu rosto magro, ressecado pelos anos de trabalho. Cansaço.



- PORQUE VOCÊ NÃO SE ABRE COMIGO! NÃO SE ABRE!



Ele largou a valise.



Ela largou-se na cama, tirou o roupão escuro e se abriu.



- Estou aberta agora! Era isso o que você queria?! - ela estava chorando.



Ele a abraçou também chorando, e assim eles ficaram por um minuto inteiro, abraçados na meia-luz da cobertura de luxo do hotel mais caro de Paris. Ali estava a torre Eiffel, do outro lado da janela, era só tocar. Viver em Paris era como tocar o céu. Era como caminhar entre as estrelas, dançar com os astros, respirar o pó cósmico das nebulosas, seus olhos sugam um brilho sem igual. Garrafas de vinho e vodca, pérolas negras e brancas, colares e joias raras, veludos e crânios de diamante. Abelhas de ouro preto e esmeralda. Seda da mais fina. Sexo toda noite. Essa era a Paris de Stella. A nova Paris de Stella.



- Um tio o enterrou, você diz?



- Sim, um tio que nem o conhecia. - a voz dela ainda estava um pouco chorosa - Paris é cruel, muito cruel.



- O que você descobriu sobre esse Lucas durante todo esse mês em que estivemos aqui?



- Descobri que ele veio a Paris por um acaso, com um ricaço, há muitos anos atrás. Descobri que ele viveu com esse ricaço num hotel por aqui durante uns cinco anos talvez, tempo em que eu já havia sido mandada de volta para Nova York...



- Depois daquela noite, vocês nunca mais se viram? - Ítalo tomou um gole audível de vinho tinto.



- Não, nunca mais, foi um caso de uma noite só que eu nunca esqueci... Lucas... - os olhos de Stella brilharam em refração junto ao lustre. Seus olhos pareciam uma extensão das pedras ali em cima. - naquela manhã, eu me levantei primeiro e o deixei pra trás, parti, eu era assim. Eu era como uma visão, como um fantasma. Eu estava ali, do lado de quem fosse, por uma noite apenas, e na manhã seguinte já havia sumido. Com a carteira do pobre coitado... Mas no caso do Lucas, foi muito diferente, foi algo incrível, foi mágico. Em poucas horas de uma madrugada fria, descobrimos tudo um sobre o outro, despimos nossas roupas e nossas histórias, uma a uma as peças do nosso passado... Mas eu era do mundo...



- E você teve de o deixar. - concluiu Ítalo, sendo compreensível e óbvio.



- Sim, eu tive. Mas não tive coragem de levar a carteira dele, depois de saber que ele dependia do dinheiro que o seu corpo rendia, assim como eu... Nos tempos da baixa Paris. - ela suspirou, tomou um pouco de vinho também, e depois levou seu colar de pérolas à boca. - eu não seria capaz de uma covardia daquelas. Pelo menos ele era sincero, ele se vendia sinceramente, ele não precisava enganar os caras e as mulheres que o contratavam. Eu não, eu escolhia quem eu queria, me fazia de amiga, fingia ser alguém que não era...



- Mas e como ele acabou... Como acabou? Foi Aids? - a voz de Ítalo falhou. Ele estava com medo de ferir os sentimentos de Stella.



- Não, ele foi estuprado. Pelo menos foi o que as "companheiras de trabalho" dele me disseram...



- Stella, meu amor - Ítalo puxou o queixo da mulher para mais perto e fez um carinho em seus cabelos - quantos cabarés você visitou aqui em Paris todas as noites em que você esteve fora?
Fez-se silêncio.
- Ínfimos, perdi as contas. Elas me disseram que num belo dia o ricaço não estava mais na cama com ele, tinha partido e o deixado pra trás. Viveu nas ruas por uns tempos, foi adotado por um cafetão que o fez de brinquedinho por um ano inteiro, que depois que enjoou dele, botou o cara pra trabalhar... Lucas estava economizando para voltar para os Estados Unidos e ficou três meses sem prestar contas... Acabou como acabou.
Ela contava a história trágica de Lucas sem nenhum tipo de remorso ou mágoa. Stella era uma fortaleza humana, que tinha seus momentos de fraqueza. Ela prometeu não chorar mais.
- Está pronta pra voltar pra Nova York agora? - perguntou Ítalo, tímido.
- Estou. Tenho que deixar essa cidade pra trás. A visão daquela torre me dá nos nervos, me faz querer chorar - ela apontou para o monumento do outro lado da janela.
- Então vamos...



(...)



Sete longos anos se passaram desde que Stella conhecera Ítalo. Sete longos anos se passaram desde que Stella estava na capa de todas as revistas, em todos os out-doors pela cidade, nas laterais dos ônibus, na tela da tevê. Aquele rosto de beleza estranha, quase alienígena, estampava quase todos os cantos da cidade no final do ano de 2004, e mais tarde, em 2005, o mundo inteiro. Em 2006, após posar para várias câmeras, dentro e fora dos estúdios, Stella foi pega de surpresa por um contrato súbito para um filme, que a deixou conhecida como uma nova Audrey Hepburn.



- É claro que eu não estou à altura da Audrey, ela era uma respeitável atriz, uma profissional incrível, uma mulher respeitável, eu sou apenas mais uma vadia - foi a primeira declaração de Stella para uma revista sem a supervisão do seu agente, Ítalo Rivera. Isto gerou grande polêmica.
- Está despedida Stella, é impossível trabalhar nesse lugar tendo você como garota do caixa. - foi isso o que Mr. Side disse para ela, poucos meses depois de ter sido admitida como funcionária da cafeteria Side's. Ela simplesmente lotava o estabelecimento todo dia, e as pessoas estavam indo pra lá só para vê-la, não consumiam porcaria nenhuma. - pode continuar frequentando as nossas mesas como você faz desde os 15 anos de idade.
- Quem diria, hein! Stella! Uma verdadeira top model a nível de mundo! - gargalhava Wanda - você tem que me apresentar algumas amiguinhas suas, Stella, eu ando solteira e solitária...
- Não seja tão lésbica, Wanda! - gargalhou Stella de volta, brindando o uísque no copo da sapatão.
- E não me deixa de fora dessa, Stella, eu sei que 90% dos modelos do mundo são gays - fez Haroldo, capotando por cima do novo pufe dourado que agora enfeitava a sala de Stella.
- Vai dormir, viado, tu tá capotando! - foi a vez dela de capotar. Tropeçou em Mariella. Só Wanda continuou de pé, rindo sozinha até perceber que todo mundo estava dormindo.
- Stella! Stella, minha filha! - era a querida mamãe. - estou indo para Nova York essa semana! Eu sei que o seu namoradinho tirou um apartamento novo pra você bem no meio de Manhattan! Nós vamos sair da porcaria do Brooklyn de uma vez por todas!
- Mas, mamãe, e o seu marido? E o filho dele?
- Aqueles dois são uns trastes! Eles que fiquem nessa droga de fazenda! A minha filha agora é rica! Que se dane!
- Você precisa de responsabilidade mocinha, responsabilidade e disciplina! - foi a primeira frase das aulas de etiqueta com a garçonete Rita. - você agora é uma profissional de nível elevado a celebridade mundial e tem de comportar como tal!






- Stella!



- Stella!



Flash.



Fashion.



- Stella! Stella! Stella!



Maquiagem.



Glamour.



Pérolas.



Batom de cereja.



- Stella, Stella!



Rock.



Cultura Pop.



Jeans, couro.



Vinil.



E então a luz...




Nenhum comentário:

Postar um comentário

E então? O que achou?