Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Stella e Bob, O Palhaço



Madrugada alta, a sede é tanta, ela não vai aguentar ficar na cama por muito tempo, vai ter de se levantar e vai ser agora. Essa é uma noite rara em que este espécieme em extinção dos becos e bares de Nova York resolve passar a noite em casa, de preferência, dormindo, o que é absurdamente incrível tratando-se de Stella, uma porraloca qualquer num apartamento qualquer, no derradeiro horário de quatro da manhã.

Ela praticamente galopou até a cozinha, abriu a porta da geladeira quase vazia e puxou uma garrafa de água bem gelada, lá do fundo. Desenroscou a tampa e sequer procurou por um copo, bebeu ali no gargalo mesmo. Soltou uma expressão de alívio quando já estava satisfeita, feito um animal que percorreu o deserto há dias, fechou a porta da geladeira e deu de cara com quem ela menos esperava, olhando para ela, ali no escuro, fixamente, com seus estranhos olhos em cruz, sua boca pintada e seu cabelo ruivo, chapeuzinho verde e macacão de bolinhas amarelas.

- Olá Stella!

- Ah não, você de novo não! Eu precisei de três anos de terapia pra te esquecer da primeira vez, e não vou te aturar de novo! Não vou!

Stella tapou os ouvidos e começou a cantarolar uma cantiga tirada de "A Noviça Rebelde" enquanto o palhaço chegava mais perto.

- Ora, Stella! Vamos! Onde está toda a sua animação, menina?! Sorria! Vamos! Sorria! Deixa a tristeza de lado, vamos curtir a vida! Vamos sair e ver o mundo! Vamos dançar e cantar!


- Dóóó é pena de alguéééém, Rééé eu ando para trááás...

- É assim que eu gosto de ver! Mais animação nessa música! Vamos!

Aquela estranha criatura vestida para animar uma festa infantil estava realmente pulando de um lado para o outro na cozinha enquanto Stella cantava! Era aterrorizante! Ela então fechou os olhos e começou a cantar mais alto, tentando ignorar as gargalhadas do palhaço que subira na mesa para dançar folkstrot com um cabo de vassoura. Sua canção estava virando um quase chorar. E então ele desapareceu, e tudo se calou.

- Isso é bom, muito bom - suspirou, aliviada, relaxando os ombros. - eu não sou louca, repita comigo Stella, eu não sou louca... - caminhou vagarosa e pausadamente para o quarto, certificando-se de que não ia mais encontrar o medonho ser colorido pulando no escuro ali do lado, repetindo a mesma frase talvez umas trinta vezes, ela deitou-se na cama tremendo de medo, e começou a rezar. Talvez a mãe dela estivesse certa quando disse, há alguns anos atrás, que com relação a esta alucinação do palhaço, ela poderia estar sendo perseguida por espíritos malignos.

Então sua boca cansou e seus olhos também cansaram e foram fechando aos poucos.

- Steeeeeeeeeeeeeeeeeellaaaaaaaaaaaaaaaaaa... - sussurrou a voz.

- Steeeeeeeeeeeeeeeeeellaaaaaaaaaaaaaaaaaa... - sussurrou a voz outra vez.

- Estou dormindo, estou dormindo, estou dormindo - grunhiu a jovem, virando para o lado de lá.

- Steeeeeeeeeeeeeeeeeellaaaaaaaaaaaaaaaaa... - sussurrou a voz, de novo.

Stella abriu os olhos. Aquele rosto estava encarando-a próximo demais. Rolou assustada para fora da cama, bateu de cabeça no piso e se escondeu feito uma rata embaixo da cama.

- Tem certeza de que não quer conversar sobre o assunto, Stella? - ali estava o palhaço, embaixo da cama, com todas as suas bexigas coloridas, bem do seu ladinho.

Stella tapou os ouvidos.

- Olha Bob, você está cortado da minha lista de amizades, excluído da minha vida, apagado de todas as minhas lembranças, e quero que continue assim, tudo bem?! Estávamos indo muito bem sem você, estávamos sim! - esbravejou ela.

- Não seja tão grossa assim, Stella, minha melhor amiga! Somos Best Friends Forever, se lembra?!

- Não me venha com essa agora! Está tarde, você ERA, repito: ERA meu amigo imaginário, agora eu já sou uma mulher adulta e não preciso dividar as minhas frustrações com um cara de boné verde usando maquiagem!

- Poxa, assim você me magoa! - Bob fez um bico. Stella ficou com um peso enorme na consciência, afinal de contas, Bob pode ter perturbado bastante a paciência dela depois da morte do seu pai, e demorou um tempo considerável para que ele parasse de aparecer de madrugada no seu quarto cantando canções de programas infantis e oferecendo bexigas de animais para ela, mas ele realmente fora seu amigo num tempo remoto. A abraçara, a empurrara no balancinho, a ajudara a subir na árvore, ensinara a pequena Stella a andar de bicicleta, contara para a pequena Stella história e cantara canções animadíssimas que lhe tiravam todas as frustrações das brigas que aconteciam em casa naqueles tempos difíceis no interior, quando seus pais ainda eram juntos.

- Mas o psiquiatra me disse que você é apenas uma alucinação paranóica causada por grandes traumas, como as brigas em casa nos tempos de fazenda e a morte de papai por causa do tabaco!

- E por acaso o psiquiatra é especialista em amizades, Stella?!

A jovem rastejou para fora do esconderijo, o palhaço fez o mesmo.


- Então tudo bem, vamos pra cozinha que eu te faço um chá.

As luzes do apartamento foram acesas e a tigelinha de Mariella chei até o topo de ração. Bob sentou-se à mesa, Stella ofereceu-lhe a xícara, pegou a garrafa de chá gelado de dentro da geladeira e sentou-se para fazer companhia ao seu velho amigo.

- Você disse que ia ser chá, chá pra mim só serve se for quente!


- Não seja exigente Bob, você me acordou bem no meio de uma das minhas raras noites boas de sono. Tirei o dia hoje pra descansar e prometi não sair pra lugar nenhum, O QUE JÁ É BEM ESTRANHO, e aí você me aparece, ACHO QUE ESTOU REALMENTE FICANDO LOUCA.

Fez-se silêncio, o palhaço bebeu um gole.

- A propósito - fez Bob - não gostei do penteado novo.

- Ninguém pediu a sua opinião - retrucou Stella, tomando um gole de chá.

- Está grossa demais, Stella, onde estão os bons modos que nós ensaiamos?

- Enfiei no...

- POR DEUS! QUE BOCA SUJA! - Bob levantou-se da mesa com a mão na boca, uma das suas bexigas estourou.

- Está satisfeito? Acho que já conversamos o bastante, agora é hora de ir embora, Bob - fez Stella, levantando-se da mesa também e guardando a garrafa de chá.

- Ah, não mesmo! - o palhaço sentou-se de novo - não vou sair daqui enquanto não falarmos sobre o Ítalo!

- OH, MAS QUE... O QUE... COMO VOCÊ SABE SOBRE O ÍTALO? - berrou ela, assustada. Havia um palhaço espionando sua vida! - ah, esquece, você é uma alucinação minha, tem que saber tudo sobre mim mesmo... - deu de ombros e sentou-se - o que quer saber sobre ele? VAMOS, eu respondo! Estou disposta a encarar essa loucura toda! - deu um tapa na mesa.

- Você vai ou não, aceitar o pedido dele?


- Eu o conheci esta tarde, não posso revelar muita coisa a respeito disso - ela cruzou as perninhas.


- Mas a proposta que ele fez é irrecusável! Stella! É a sua chance final de mudar de vida para sempre!

- Eu não quero um homem me regulando

- Ele não vai lhe regular, ele só vai lhe mostrar as possibilidades de...


- Não, não me venha com essa, sou ativista feminista de carteirinha, não quero saber de homem!

- Então entra pro time da Wanda! - Bob deu um tapa na mesa.

- EU NÂO, DEUS ME LIVRE

- Então desencalhe!


- Também não quero, gosto de ser solteira e poder transar com um homem diferente toda noite sem compromisso. Sou totalmente independente!


- Você é uma pessoa carente, Stella, e aliás, ele não quer nada demais, ele só quer que você seja modelo por um dia, só isso, faça as fotos pro cara!


- Não, não e não! Eu sei muito bem o que ele vai querer depois!

- Vou te confessar uma coisa... - Bob se debruçou sobre a mesa e colocou a mão na frente da boca, olhou para um lado e para o outro antes de fazer sua declaração - eu acho que ele é gay!

- Não seja idiota, ele ficou de olho nos meus peitos! É só isso o que ele quer! Eu até posso dar, mas depois, é tchau e bença...


- Stella, não seja tão cabeça dura!

Stella pegou um garfo e estourou uma por uma das bexigas de Bob.


- Tem certeza que é isso o que você quer mesmo?

- Tenho sim, você bem sabe como eu sou!

E assim, Bob virou fumaça. Stella voltou correndo para a cama, um pouco assustada, rindo de si mesma, e pensando se realmente esta era a sua decisão, e sendo assim, rezou um pouco, caindo no sono logo em seguida.






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