Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

domingo, 27 de junho de 2010

Epílogo - Pour Quelqu'un Très Spécial, Stella



A gata pulou da almofada e caiu de pé, é claro, com classe. Esticou seu felpudo rabo comprido e caminhou cheia de ginga até a porta que havia acabado de se abrir. Um caminhar único, um caminhar sexy, os passos de felino. Desviou dos móveis, pulou uma mesinha de centro e finalmente alcançou ao par de saltos em vinil de vermelho-neon. Sua dona voltara de viagem. Um mês não fora o bastante para apagar da curta memória daquele animal o rosto portador de rara beleza, o rosto estranho de Stella. Seus cabelos escuros e seu cheiro forte de álcool. Mas não álcool de bebida, álcool de perfume, um aroma que remetia à Índia e ao oriente. Cheiro de vadia humanizada, cheiro de Stella.


- Baby! Baby! Que linda que você está! - a mulher abaixou-se, jogou sua Louis-Vuitton para o lado como se fosse um mero saco de supermercado e catou a gata no colo. Uma gata gorda de cara, pés e rabo preto. Engana-se quem disser que talvez fosse uma siamesa. Aquela gata era filha de vagabunda, era uma miscigenação, a mais bela miscigenação existente. Baby, filha de Mariella.


Baby poderia perguntar a sua dona como fora de viagem. Baby poderia perguntar se a dona trouxera algum presente. Mas seus sentimentos estariam apaziguados e devidamente expressados com um longo misto de miado e ronronado.



- A Rita cuidou bem de você, meu amor? A Rita cuidou? - Stella transferiu sua pulseira de ouro cravejada de diamantes para o pescoço da felina - aqui, esse presentinho, só porque eu esqueci de comprar algo pra você. - desceu a gata no chão. - tomara que essa safada não vá perder a minha pulseira...


- STELLA! - Rita surgiu no corredor, ligando os abajures feito um vulto, uma visagem de máscara facial e touca, surgida das trevas para assombrar a recém-chegada. - minha filha!Porque não avisou que viria, meu amor?! Cadê o Ítalo?


Stella calou a boca da sua "mãe" com um abraço.


- Rita, Rita! Porque tanto nervosismo?! Tá com homem no quarto é? Sua danada!


Rita deu uma risadinha e em seguida um tapa de leve nas costas de Stella.


- Me respeita, menina! - alertou - sabe que eu teria arrumado tudo isso aqui e preparado uma janta! A viagem é longa, o estresse é muito!


- Eu sei, Rita, to de zueira... - Stella pegou um porta-retrato de dentro de um armário de vidro e deu um beijinho de leve, devolveu para o lugar. Na foto, uma gata rajada. Mariella, a bela Mariella, gata matreira, esperta, falecida há um ano e meio, logo depois do seu quarto parto de seis grandes filhotes, dos quais Stella preferiu a única semi-siamesa, Baby. - Só coloca o almoço no micro-ondas e põe à mesa, to morta de fome!


Rita correu para a cozinha. Stella puxou uma poltrona branca, abriu uma garrafa de vinho da adega, encheu uma taça pela metade, abriu as cortinas da vidraça por completo e se largou diante da vista infinita e luminosa da cidade de Nova York. Os prédios e suas luzes piscavam para Stella, os carros ali embaixo comemoravam seu retorno, e os helicópteros, tão receptivos, passavam pra lá e pra cá, desviando das torres de sinalização no alto dos edifícios. Nova York, Nova York, o celeiro da vaca Stella, em alta definição, se estendendo de um lado a outro no seu cinema particular, que só exibia filmes da vida real. Tão íntima era aquela vista, tão íntimas aquelas vidraças gigantescas da fachada de vidro da cobertura no último andar. Sempre com uma garrafa de vinho, de um bom vinho.


Outra poltrona pediu espaço.


- Sua mãe ligou mais cedo, pediu pra que eu avisasse que o dinheiro acabou e ela não tem como voltar de Dubai. - Rita encheu sua taça de vinho também. Baby pulou no colo da dona subitamente.


- Vamos deixar a velha um pouco desesperada... - Stella riu, abriu os primeiros botões do seu cardigã para ventilar - vamos fingir que eu ainda não voltei de Paris e que eu não estou em nenhum dos meus telefones.


Rita gargalhou e brindou com a filha de criação.


- Haroldo tem visitado?


- Vai sonhando... Desde que se meteu com aquele macho dele... o tal Ed...


- NÃO! Não diga o nome completo dele, podemos ser processadas! - ironizou Stella, lembrando-se da ameaça que o namorado de Haroldo fez a ela se caso seu nome tão conceituado acabasse sujo por um incidente de tal tipo. - ele é famoso demais, famoso demais para ser gay.


Rita gargalhou, e as duas vararam a noite gargalhando.


- Vai assumir o relacionamento com o Ítalo de uma vez por todas, Stella, minha filha? - perguntou Rita, já bêbada - acho que está demorando demais, você está ficando velha e está mais do que na hora de se casar. Envelhecer solteira não é nada legal. Eu que o diga! Não dou uma rapidinha sequer desde que o Geraldo morreu!


- Não fale besteira, Rita! - Stella jogou uma almofada na mulher, que capotou pro lado de lá, rindo feito uma hiena. A queda de Rita acordou a gata dorminhoca que voou feito vento pra debaixo do armário, com medo. - pare de rir, sua tola, a Mariella até fugiu assustada! Eu não vou me casar com o Ítalo, ele é meu agente, meu empresário, e nas noites vagas, meu boneco inflável!


- A Mariella morreu, Stella! - disse Rita, se levantando - Você e o Ítalo são solteiros, desimpedidos e independentes, e aliás, bonecos infláveis furam, não duram pra sempre...


- Ai, não seja tão cruel! - Stella virou a poltrona pra parede.


- Mas é a verdade! O Ítalo não vai ficar aqui pra sempre e...


- NÃO, sua boba! Eu quis dizer com relação à Mariella! Eu sei que ela morreu! Eu sei eu sei eu sei!


Stella começou a chorar. Rita foi a seu encontro para consolar.


- Oh, meu anjo, desculpe... Vamos pra cama, vamos? Acho que já está tarde demais. Amanhã podemos ir ao MET de manhã cedo e depois passar na SAX para fazer umas compras, que tal?


Stella parou o choro e riu.


- Acho ótimo. Acho gay e ótimo! - ela se largou no chão, foi mais difícil assim para Rita levantá-la. - vamos chamar o Haroldo também.


- Tudo bem, tudo bem! Chamaremos o Haroldo então!


O relógio de pêndulo bateu as quatro da manhã. Stella estava no banheiro, fazendo xixi. As últimas lágrimas da noite caíram no piso do banheiro, junto à maquiagem e às suas unhas pintadas de vermelho. Ela tinha de retomar a vida. De uma maneira, ou de outra.


Batidas na porta.


A voz de Rita retumbava alguma coisa.


Voz negra, voz forte.


Voz afro.


- O que é Rita?! Eu to mijando!!


- Minha filha! Tem um Lucas no telefone! Já pensou? Uma hora dessas? É hora de ligar?! Pelo amor da Virgem Santíssima!


O coração de Stella praticamente explodiu dentro do peito. Ela levantou a calcinha e cambaleou até a porta do banheiro, correu até a sala, pegou o telefone e, tremendo dos pés à cabeça, colocou no ouvido.


- Alô? - fez Stella.


- Olá? Stella? Meu anjo, você me escuta? Me escuta?


Naquele momento, não se sabe exatamente o por quê, Stella lembrou-se exatamente do que havia escrito quando assinara o caderninho daquela frenética adolescente, há um dia apenas, em uma loja de conveniências qualquer de Paris. Talvez porque a cara que ela estava fazendo ao telefone era exatamente a mesma cara que a amiga tímida e descrente da jovem fazia naquele momento. Há controvérsias, sim há. Mas o fato foi que ela lembrou-se do aparelho saltado da boca do balconista, e talvez porque estivesse bêbada ou talvez grávida, vomitou no carpete. A remoção da mancha ia custar caro.


Havia apenas uma certeza em tudo isso: as surpresas de Stella só estavam começando. Daqui há uma semana, ela vai descobrir o que carrega no ventre. Daqui há uma semana, Ítalo vai morrer de overdose. Daqui há uma semana, Wanda vai se casar com uma fazendeira. Daqui há uma semana, Rita vai voltar pro Brasil.


Daqui há uma semana, seu amado Lucas vai bater à sua porta.


E ao que me cabe contar à vocês já foi contado, pois modelos tão famosas assim como Stella não autorizam a se aprofundar tanto assim em suas vidas particulares, são cheias de estória, cheias de não-me-toques, cheias de frescura, com seus advogados, seus agentes e seus Dolce&Gabbana. Quem te viu, quem te vê, Stella. Uma vadia das boates mais sujas de Nova York, às vezes brinquedinho das ricaças do Upper East Side, nas sextas e nos sábados. Eu tenho uma puta inveja de Stella, confesso a vocês pela segunda vez. Uma criatura tão simplória e sem profundidade alguma, sem ambição nenhuma, acaba assim, por um acaso, rica e famosa. Cheia de complicações, mas ainda assim, rica e famosa.


Ah, Stella, Stella...



Clique para conferir a OST deste conto.



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