Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

sábado, 22 de maio de 2010

Stella, Quatro Ratos e Uma Decisão Radical




- Stella, minha filha, você precisa de um marido.

- Ora mamãe, não me venha com essa pelo amor de DEUS!

- Querida, não blasfeme a esta hora da manhã, você precisa ir à igreja de vez em quando, tirar um pouco desses pecados...

Estava fazendo muito calor naquele dia.

- Mãe, dá pra ligar outra hora? EU ESTOU LIMPANDO A CASA.

Fez-se silêncio do outro lado da linha. A mulher devia estar em estado de choque, com certeza.

- Mamãe, está me ouvindo?

- Minha filha... Você... - fez-se silêncio e mais um pouco de respiração foi ouvida, uma respiração nervosa - IVAN! IVAN VAI BUSCAR UM COPO DE ÁGUA PRA MIM! PORCARIA! NINGUÉM ME ESCUTA NESSA CASA! - fez-se mais silêncio, a mulher engoliu em seco. - agora, repita pra mim pausadamente, Stella, o que você está fazendo?!

- EU-ESTOU-LIMPANDO-A-CASA!

Ouviu-se um sussurro do outro lado da linha, algo como "com a graça divina" ou "Ai meu Deus". Stella só não soube dizer se aquilo era uma expressão de alívio ou desespero, sua mãe sempre fora uma mulher indecifrável afinal. Continuava sendo então. Era bom ouvir a voz da mãe de vez em quando.

- Stella, meu anjo, vai receber visitas? - perguntou a mãe de Stella, forçadamente, segurando a emoção, ou talvez estivesse tentando engolir uma bolacha seca sem água.

- Claro que não! É que eu estive fora por dois dias e a louca da Mariella pariu BEM NO MEIO DA SALA, e isso aqui tá um nojo e... - ouviu-se agora, do lado de cá da linha, um tipo de som gutural como a provocação de um vômito, a mãe da garota tomou isso de sobressalto e fez uma careta do lado de lá.

- Stella! - gritou a mulher - Stella?! Você não está vomitando no bocal desse telefone está?!

- Não mamãe! Não! - respondeu a moça, ojeriza na voz, asco na ponta da língua. Se caretas fossem transmitidas pela linha telefônica, mãe e filha se poupariam desta conversa desnecessária para trocar caretas muito mais significativas do que tudo aquilo, ou qualquer outro tipo de comunicação que as duas tiveram. Desde que ela se lembra, a relação com a mãe era na base do grito. Com o pai eram só grunhidos, o pai de Stella vivia mascando tabaco, costumava abrir o cantinho da boca para gemer alguma coisa às vezes.

Alguém esmurrava a porta do apartamento aos gritos naquele momento.

- ABAIXE ESSA MALDITA MÚSICA! - urrava uma mulher estressada ao fundo. Talvez ela não gostasse tanto assim de Björk.

- VAI SE FERRAR SUA GORDA! - rugiu Stella de volta.

- STELLA! SUA VAGABUNDA, NÃO FALE ASSIM COMIGO, EU SOU SUA MÃE! - guinchou a criatura do outro lado da linha telefônica.

- MAMÃE! EU NÃO ESTAVA FALANDO COM VOCÊ OK? AI, EU ESTOU COM ALGUNS PROBLEMAS AQUI, EU LIGO MAIS TARDE TUDO BEM? BEIJOS!

E desligou.

- Maldita, maldita seja essa gata e todos esses quatro ratos que ela pariu aqui no meio da minha sala... Meu pufe rosa já era! - ela deu um chute numa lata de refrigerante, mas logo correu atrás, ia fazer algo com aquilo. Em menos de cinco minutos, estava usando uma lata de alumínio como bobe de cabelo. - vou pintar essa porcaria hoje, cansei desse amarelo.

É engraçado, peculiar e engraçado como as coisas mudam de uma hora para outra assim, num piscar de olhos, é engraçado como pessoas tão fúteis e sem propósitos na vida como Stella chegam a lugares onde pessoas dão duro durante praticamente a vida inteira para chegar, e no final das contas acabam chegando a lugar nenhum. Peculiaridades, ironias do mundo, ironias da vida, alguém lá em cima parece brincar com a cara dos outros de vez em quando, mas não que eu esteja fazendo acusações desnecessárias aqui, a esta hora da manhã. Mas, enfim, acontece que Stella pintou realmente aqueles cabelos cor-de-ovo cacheados, pintou do preto mais preto que poderia pintar, cortou curto, tão curto quanto sua coragem deixou, e acabou que no final das contas ela parecia uma espécie de garota indie com a cara da Amy Winehouse, e foi bem engraçada a expressão nos rostos de Wanda e Haroldo quando a viram no Side's naquele fim de tarde.



A cara que Rita fez também não foi muito boa. A mulher deixou quebrar um conjunto relativamente caro de pires e xícara bem ali, na frente do gerente. Só não foi demitida porque trabalhava lá há uns vinte anos mais ou menos. E foi naquele comecinho de noite que Stella conheceu Ítalo. E Ítalo foi o começo e o fim de tudo aquilo o que ela chamou de vida, pelo menos até o momento. Um novo mundo estava se abrindo para Stella quando ela própria abriu a porta do Side's naquela hora exata. A vadia suja Stella encontraria então um propósito desproposital. Garota estúpida. Sinto inveja, muita inveja dela, confesso mesmo. Mas o Ítalo vai ter de esperar um pouco.



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