Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

quinta-feira, 19 de abril de 2012

PARTE TREZE: NAMMAMANE!


A superfície azul intocada daquele mundo distante descansava em silêncio absoluto no momento em que uma estrela brilhou à luz do dia, quase ofuscando os fracos raios de um sol longínquo e sereno. Tudo ali emanava serenidade quando o enorme objeto de metal veio do espaço, rodopiando, costurando entre as nuvens e se chocando contra as ilhotas flutuantes desembestado, espalhando nuvens de poeira e pedra em todas as direções, destruindo a ordem estabelecida pela natureza há milênios.

As bestas aladas com seus seis braços interligados por membranas semitransparentes descansavam tranquilas naquele dia em seus ninhos de alga, empoleiradas em picos de rocha flutuante, deliciando-se com a brisa, inalando o nitrogênio das nuvens tão necessário para viver. Era por isso que elas viviam lá, nos ares, nas ilhotas flutuantes que cobriam grande parte daquele planeta em colossais agrupamentos separados por milhas de céu aberto. Elas escancararam suas bocarras serrilhadas e puseram-se a grasnar apavoradas quando a coisa desceu do espaço a toda velocidade, algumas delas não ficaram para ver: abriram os braços e se jogaram nas fortes correntes de ar, planando para longe enquanto blocos de pedra inteiros eram destruídos um a um pelo rodopio desenfreado do monumento de metal que descia das estrelas.

Alguns machos da espécie ainda tentaram defender suas casas, atirando-se contra o casco da nave, chifrando-a e grasnando furiosamente. Outros foram esmagados sem dó nem piedade pelo impacto da proa giratória contra os blocos de pedra onde descansavam. De cabeças achatadas e pequenos olhinhos amarelos apertados, as bestas alada respiraram aliviadas quando o monstro de ferro atravessou o campo magnético das rochas flutuantes entre as nuvens e por fim se chocou contra o oceano, levantando um tsunami de metros infindáveis de altura. Aquilo teria dizimado cidades costeiras inteiras, caso ao menos houvesse terra firme naquele novo planeta.



◊◊◊




Foi um belo despertar, um belo e agradável despertar. Os outros já estavam de pé, é claro, tão encantados quanto ele com o que havia ao redor. A sala de controle da nave era um perfeito simulador da realidade exterior em três dimensões, e o que os cristais refratores das paredes exibiam agora era uma paisagem incrível, uma floresta de algas marinhas azuis gigantes ondulando sem parar enquanto seres semelhantes a lontras alaranjadas listradas de amarelo-pus espiralavam ao redor das faixas ondulantes. De repente, algo mudou o comportamento das criaturas e elas, assustadas, mudaram de cor abruptamente, tornando-se azuis escuras salpicadas de losangos anil, exibindo dentinhos brilhantes para uma criatura enorme que surgiu das sombras, um inseto aquático semelhante a uma lacraia terrestre dona de uma espessa couraça vermelha. O holograma realista atravessou o corpo do Professor Umbrella enquanto ele se levantava do chão.

- Onde...

- Constelação de Câncer – Augusta apressou-se a responder. Seus olhos de bola de gude estavam mais esbugalhados do que o normal. – Hikikomori disse.

- E onde ela está?

- Ela foi lá fora. – respondeu Donnick, brincando com o holograma das algas azuis, atravessando sua mão de lá para cá entre elas.

- Lá fora?! Você quer dizer... – ele engoliu em seco.

- Não seja bobo, ela foi à torre de controle um, verificar alguma coisa. – Pietro também estava tão maravilhado quanto os outros, passeando na sala holográfica a passos lentos e largos.

- Mas ela disse... Ela disse que não haviam planetas nessa área!

- Pelo visto o mapa de navegação estelar estava um pouco desatualizado desde os tempos de Azura.

O nome da princesa fez o coração de Chris palpitar e seu rosto corar. Todo o sangue subiu para as bochechas. A princesa. A cada planeta ela se tornava mais real, mais viva em uma memória que ele nunca teve, isso era normal?

Um feixe de luz circular surgiu no centro da câmara trazendo a figura alta e esguia de Hikikomoride baixo, elevando-a ao mesmo plano de seus companheiros de viagem.

- Estamos encalhados – disse a Sybila, tensa. – não temos como sair daqui, estamos sem combustível.

- O quê?! – exclamou Fábia apavorada – estamos presos no fundo de um oceano alienígena para sempre?! – seus olhos começaram a se encher de lágrimas. Pietro a puxou para um abraço imediatamente antes que ela começasse a berrar, sua expressão um tanto quanto indiferente e monótona perante a situação: já havia se acostumado. Durante os nove meses em que estiveram cruzando o espaço Fábia caíra no choro pelo menos umas vinte vezes ao dia.

- Acalmem-se. Pode haver civilização neste planeta, não temos certeza – Hikikomori tentava acalmá-los assumindo uma postura tranquila e confiante – eles podem ser evoluídos o bastante para explorarem combustível orgânico ou vegetal.

- Ou podem ser macacos selvagens com guelras! – exclamou Augusta cruzando os braços.

- Ora vamos, vocês tem de ter fé!

- Fé? Você está louca? Olhe para nós! Encalhados num planeta que sequer está no mapa! – Ray Ann foi atravessada ao meio por algo semelhante a uma enguia com milhares de pares de perninhas atrofiadas.

Algo se chocou contra o casco da nave pelo lado de fora, o impacto os fez oscilara nos joelhos, Fábia foi de testa ao chão e berrou.

- Mas o que foi isso agora?! – fez uma Augusta nervosa olhando ao redor, procurando a origem do tremor. Para medo geral, todos os animais que brincavam nas algas ao redor haviam desaparecido, deixando em seu lugar um vazio tenebroso de ondulantes e obscuras folhas longas com centenas de metros de altura. A luz do sol distante atravessava de modo sombrio por entre as faixas tão unidas das algas. A paisagem estava levemente torta, inclinada pelo que havia empurrado a nave para o lado.

- Fábia, por favor, eu acho que já chega não? – fez um Pietro irritadiço em resposta aos puxões que a garota dava em sua jaqueta. – Fábia, por favor...

- Ge... gente... – o dedinho curto da garota estava em riste apontando para cima. Em lugar das algas agora havia um enorme olho amarelado de pupila losangular os observando curiosamente. Era tão grande que ocupava quase toda a circunferência do teto transparente.

- Ai, Deus.

Solavancos violentos começaram a sacudir a nave, como se uma criança curiosa estivesse balançando a latinha da surpresa pelo lado de fora, tentando descobrir o que havia dentro a todo custo. O monstruoso globo ocular amarelo que outrora os espionava tenebrosamente do alto havia sumido, e agora tudo era sombras: o que quer que os estivesse sacudindo feito sardinha em lata, estava exatamente em cima da nave e não descansaria enquanto não partisse o navio espacial ao meio.

Obviamente a coisa que os estava agredindo pelo lado de fora era muito maior do que a própria nave, e tão forte que os lançava facilmente de um lado para o outro como bonecos velhos de pano, não demorou muito para que a energia começasse a falhar: o cristal alimentador na câmara das máquinas foi sacado para fora com a última e mais poderosa sacudida. Os cativos sequer tinham forças para gritar agora, apenas se arrastar pelo chão ao sabor dos seus hematomas cortando o ar com gemidos dolorosos.

A emulação do ambiente externo era claríssima: mostrava um ambiente fechado, como o interior de um saco ou uma bolsa de couro amarelada, feita de algo tão fino que as sombras do mundo lá fora se esgueiravam para dentro dela como assombrações produzidas por um teatro de silhuetas. Vultos negros de coisas indefinidas e perturbadoras estendiam-se e brincavam por entre tênues linhas que desenhavam um mapa na superfície elástica do bolsão gigantesco de couro em que eles se encontravam. A calmaria não duraria muito e isso ficava mais claro cada vez que os solavancos voltavam.

- O que está acontecendo?! – Pietro foi o único que conseguiu produzir algum som, exclamar alguma coisa, mesmo numa voz entrecortada e falha. Seus cabelos ondulados que haviam crescido tanto ao longo destes meses intermináveis estavam mais emaranhados que nunca, e ele tentava tirá-los do rosto a todo custo. Hikikomori era a única que estava de pé naquele momento, olhando para cima, para a cúpula de vidro do alto da câmara de controle. Tentava decifrar o que era aquele céu marrom bolorento dividido ao meio por protuberâncias de aparência óssea que estendidas sobre eles traçavam uma linha perfeita ao longo do que parecia ser um túnel escuro colossal desaparecendo aos poucos na escuridão às costas do grupo.

- Estamos no papo de um animal! – exclamou ela o mais alto que pode, tentando manter a postura de Sybila, sem sucesso, sua voz sonora estava carregada de desespero. Ela fechou os olhos – um animal enorme! Como a serpente marinha mitológica do seu mundo! Existem vários espécimes semelhantes a elas em outros planetas, MAS ESTA É A MAIOR QUE JÁ VI! CAPAZ DE ENGOLIR O CRUZEIRO ESPACIAL DELTA!

Após a descoberta feita pela Sybila, a energia foi cortada definitivamente: o emulador do ambiente exterior foi perdendo força aos poucos, as imagens incompreensíveis do mundo lá fora foram ficando cada vez mais opacas, indistintas, transparentes até que não havia mais nada além de uma escuridão maciça. O tempo em que o grupo passou olhando para o vazio das trevas, procurando os contornos dos corpos dos companheiros, algum sinal de vida ou de luz, estava parecendo durar demais. Logo aquela situação se tornou insuportável, como a sala de espera para o inferno, jazendo na apreensão da ignorância sem saber o que viria após isto. Alguns andavam de um lado para o outro olhando para cima, enquanto outros apenas permaneciam sentados esperando por algo que não viria.

Sem o cristal alimentador da nave não havia força, logo a plataforma que ficava no centro do salão circular não poderia sequer abrir. Estava completamente lacrada, de modo que não havia saída alguma daquele enclausuro forçado. A pergunta que pairava, jamais verbalizava: quanto tempo mais o ar respirável duraria ali dentro?

- Ok. Então estamos presos dentro do papo de uma espécie de enguia colossal no fundo de um oceano alienígena e sem energia. – Augusta falou tudo de um fôlego só, levou a mão à testa e jogou seus cabelos curtinhos para trás mais uma vez, havia cortado suas longas madeixas há não muito tempo. – como proceder numa situação como esta após passar nove meses enlouquecedores dentro de um navio espacial com colegas de curso que nem conhecia direito até um dia desses, meu professor e uma alienígena de dois metros de altura?

- Você esqueceu a parte em que nós lutamos numa arena contra monstros espaciais e depois derrotamos uma coisa com tentáculos na cabeça – lembrou Pietro, sempre divertido. Ray Ann desenhava círculos no chão, camuflada no escuro com as costas apoiadas em Fábia (que aliás já havia recuperado a cor negra natural de seus cabelos há algum tempo, as pontas lilases já lhe batiam pelos flancos), a garota dormia profundamente. Como ela conseguia dormir naquela situação?

Augusta bufou, pôs-se de pé e se espreguiçou. Já estava exausta e nem havia feito esforço, a situação em si a cansara aos extremos. Donnick Hills, que agora havia adotado o simples apelido de “Don” estava escorado de braços cruzados num canto, de olhos fechados, imaginando o tempo que levaria para que a enguia os engolisse de verdade e a nave fosse derretida em ácido estomacal. Imaginava também a possibilidade de estarem sendo levados como sobremesa para os filhotes da criatura. Arrepiavam-lhe todos os pelos do corpo tentar criar em sua mente a imagem do monstro que os engolira: a nave em si era um colosso com 2 km de comprimento e meio quilômetro de largura, seu interior era praticamente infinito graças à tecnologia de compactação de espaço. O que seria tão grande e largo capaz de engoli-la por completo? Era aterrorizante pensar no tipo de criatura que os havia sequestrado.

Sua linha de pensamento foi cortada bruscamente pelo acendimento repentino (e violento) das luzes. Mãos e braços voaram em direção aos rostos desprotegidos para protegerem as vistas agredidas após tanto tempo de escuridão.

Um holograma em forma de vírgula horizontal – que mais lembrava uma gota muito bem desenhada – surgiu acima das suas cabeças, e aos poucos a luz intensa foi rareando. O sistema havia sido invadido e aquele era o brasão dos invasores. Traços de luz confusos iniciaram um balé intrincado, estavam formando símbolos tão rápido que seus olhos não podiam, de maneira alguma, acompanhar o movimento. Como um laser agredindo a superfície, a saudação se formou:




ಸುದ್ದಿಗಳು ಭೇಟಿ




- Ótimo, tudo o que precisávamos era outra língua alienígena incompreensível como o japonês da Fábia! – Augusta estava incrivelmente mal humorada àquela “manhã” (levando em conta o horário no tablet da garota), talvez a situação estivesse servindo de válvula de escape para todo o estresse acumulado ao longo daqueles meses intermináveis sem sombra de pistas sobre para onde iriam e o que fariam dali por diante.

Fábia acordou sobressaltada ao ouvir aquela blasfêmia, cortando um ronco ao meio!

- EPA! – berrou a garota limpando a baba do canto da boca e levantando-se bruscamente do chão, derrubando uma Ray desavisada. – aquilo era COREANO para sua informação!

- Ora porra, que se dane! Pra mim é tudo a mesma coisa!

- Como é que é?!

- Garotas, por favor, vamos nos acalmar – Christopher estava falando (surpreendentemente, soando como um adulto responsável) pela primeira vez. Meses digerindo aquela situação e encarando os fatos haviam o transformado tanto, aquele professor atrapalhado e impressionável havia desaparecido quase por completo, ele e Don desenvolveram muitas semelhanças como o cenho sempre franzido e o constante silêncio. Foi até um espanto sua voz irromper da semi-escuridão daquela maneira. A foice que ele carregava para cima e para baixo o tempo inteiro estava radiante como nunca. Desde que havia adquirido aquele brilho ele não a havia largado.

Rapidamente aquela situação mundana foi substituída por atenção redobrada e espanto com a voz subaquática que invadiu seus ouvidos, emanando do emblema de luz que havia surgido acima das suas cabeças. Se uma sereia resolvesse falar debaixo d’água, na certa sairia algo assim, como aquela voz, borbulhante, excitante, instigante e ao mesmo tempo pavoroso, sonoro e melancólico.

Com base nos sons emitidos pelos órgãos de comunicação sonora de seus organismos, captamos seu idioma e faremos uma livre-tradução da mensagem de boas-vindas ao nosso planeta!”
Fez a voz feminina. O Apocalipse Club se entreolhou confuso. Hikikomori era a única que permanecia em estado de alerta, mergulhada em desconfiança.



Iniciou-se então a reprodução de um vídeo, usando a vírgula holográfica como tela. Nele, uma horripilante criatura metálica (talvez um robô) os observava ameaçadoramente.

Observava mesmo? Ou apenas estava ali retorcida em posição fetal, encaixado perfeitamente no interior de um tipo de concha perolada em forma de vírgula, rodeada de objetos marinhos estranhos que denotavam grandeza e poder? Não era nada semelhante a qualquer coisa já vista pelo olho humano, talvez a única referência que aquele corpo horrendo fazia a algo vivente nos oceanos terrestres era a cabeça, (ou algum tipo de órgão que provavelmente deveria ser a cabeça) esta lembrava e muito os cefalópodes, em especial as lulas. Três pontos luminosos vermelhos na lateral da “cabeça” do robô (talvez olhos?) piscavam enquanto a coisa verbalizava.

-
Bem vindos à Nammamane, nossa concha universal. Aqui estamos protegidos de todos os perigos que o universo exterior pode nos oferecer – a imagem foi imediatamente substituída por algo espetacular: o planeta visto do espaço, orbitando uma estrela relativamente nova, pouco mais velha que o nosso sol, dividindo o sistema com outros quatro planetas. Estes próximos demais da sua estrela-mãe para sustentar a vida – nosso planeta mantém-se oculto dos olhos cobiçosos de nossos vizinhos há muitos sahasrāru, graças a avançada tecnologia trazida ao nosso lar por Aib’Paguru, o Sanrakṣaka.
– a imagem mudou mais uma vez, aproximando-se do enorme planeta azul aos poucos, revelando pequenos satélites enviando sinais uns aos outros, formando uma teia ao redor do mundo e criando a ilusão de um enorme gigante gasoso morto.

Hikikomori que já estava em posição de defesa desde que a voz robótica iniciou seu discurso eletrônico retesou seus músculos. Os outros a imitaram por instinto, já ouviram aquele nome antes, sabiam o que significava, quem ele representava. Mais um Arquiduque a ser derrotado, um perigo a ser transposto, mais um obstáculo imprevisível. O que estaria esperando por eles agora?

-
Aib’Paguru representou um período de mudanças em nosso vasto planeta, que equivale a três planetas iguais ao seu. Ele nos trouxe a medicina, a filosofia, e em especial as artes manuais, que nos ajudaram a erguer enormes centros populacionais em pouquíssimo tempo. Com a ajuda dele, colonizamos os pontos principais do nosso profundo oceano e expulsamos os rebeldes para as fissuras abissais, onde aqueles que se recusaram a aderir ao progresso repousam pensando em seus atos
. – a imagem mostrada no vídeo mudava conforme a narração, mostrando exatamente tudo o que ele dizia.

Eles viram o planeta Terra ser multiplicado por três e se unir num mundo enorme e novo coberto por um enorme oceano, mostrou a chegada de Aib’Paguru e seu exército em enormes naves perfeitamente brancas em forma de concha de marisco, e logo após vieram as etapas de construção das cidades. Prédios sendo erguidos como bonecos de neve: esferas brancas sobrepostas e equilibradas se perdendo entre luas crescentes e cogumelos gigantescos disputando espaço com pirâmides de base circular e cilindros ovais. Os veículos, réplicas das conchas brancas onde Aib’Paguru chegou, passeavam livremente por entre as construções, planando acima dos prédios.

E aquelas criaturas. Aquelas criaturas horríveis por toda parte. Aparentemente eles eram o povo habitante daquele planeta, a civilização daquele lugar. Monstros horripilantes pouco maiores que Hikikomori, donos de três pares de longas e finas pernas como as dos insetos, mas que de alguma forma os faziam parecer um tipo mutante de girafa. O terceiro par de membros, os superiores, terminava em mãos com quatro longos dedos que se agrupavam em pares opositores. O torso, o tronco das criaturas era bem simples, quase um busto humano que terminava num pequeno resquício de algo que deve ter sido uma cauda no passado distante daquele povo. A cabeça era a parte mais assustadora: três pares de olhos que variavam de tons dourados a vermelhos intensos, um de cada lado da cabeça em forma de berinjela. A boca ficava oculta por tentáculos pequeninos com pouco mais de 10 centímetros, e a cor da pele variava do macho para a fêmea: as “mulheres” eram mais claras e os “homens” mais escuros, ambos rosados. E as fêmeas, estas possuíam uma espécie de “barbatana” lateral nas cabeças que ondulavam sem parar o tempo inteiro, as crianças também a ostentavam.

- Mas que diabos eles são?! – exclamou Pietro enojado. Fábia vomitou em seu pé.

-
Mas o principal feito de nosso Sanrakṣaka foi domesticar Mãe Dirgha, a ancestral enguia que cultuávamos como deusa no passado distante, e que nos mantinha em um eterno ciclo de comensalismo, devorando aqueles que se recusavam a comer da sujeira que brotava em sua couraça.

O grupo estremeceu ao somo de um gorgolejo profundo que ecoou através das câmaras mais obscuras do Cruzeiro Espacial Delta. Mãe Dirgha estava falando, e não estava nada satisfeita com a situação a qual tinha sido imposta. Ela era agora o burro de carga e o cão de guarda de uma nação inteira, como mostrava o vídeo. Ao verem do que se tratava o monstro que os carregava no papo, náuseas e vômito foram generalizados, fora à parte os gritos e gemidos de pavor: a enguia possuía praticamente 50 km de comprimento, desafiando todas as leis da natureza com relação a seres colossais.

Não havia nada no universo comparado àquela criatura, nenhum mundo sustentaria a existência de uma criatura tão grande quanto aquela! Seu próprio respirar era um absurdo! Do que se alimentava aquele monstro horrendo? Como um corpo tão grande se locomovia? De onde ele tirava a energia necessária para isto? E o mais peculiar ainda estava por vir, o choque foi tremendo ao perceberem que a enorme cabeça da serpente marinha era uma réplica colossal da cabeça daquelas criaturas que antes a adoravam: alguma coisa cefalópode repleta de tentáculos cobrindo a boca e seis olhos grotescos, três de cada lado da cabeça.

-
Hoje em dia, Mãe Dirgha, assim como nós, é serva de Aib’Paguru, nosso pacificador, e serve a ele com todo prazer seguindo nosso exemplo. – a espaçonave chacoalhou. Algo lhes dizia que Mãe Dirgha não estava tão satisfeita assim em servir o Arquiduque.
– preparem-se, visitantes, pois vocês estão prestes a conhecê-lo! Saúdem nosso soberano, Aib’Paguru!

As luzes se apagaram e tudo se banhou em trevas, o movimento da enguia se locomovendo cessou.

- E agora? – chiou Fábia, baixinho.

Foram então surpreendidos por um raio de luz azulado intenso vindo de cima, atravessando a transparência da cúpula e inundando o salão numa onda luminosa poderosa, assemelhava-se ao nascimento de uma estrela os engolindo aos poucos até não restar nada além de luz, e no cessar do brilho, algo enorme surgiu exatamente no centro da câmara circular: a metade flutuante de uma ostra perfeitamente polida, branca e perolada, a luz fazia círculos e desenhava linhas macias em sua superfície. Na metade côncava perfeitamente encaixada numa espécie de “almofada”, a criatura que vos falava a pouco no holograma, toda feita de metal, estava retorcida em posição fetal. Só então se pode perceber que ela era uma versão metálica, robótica dos seres horrendos que viviam em sociedade no fundo do oceano daquele planeta. As respirações no ambiente estavam totalmente suspensas.

- Porque temem a minha presença, visitantes? – disse uma voz pacífica, ecoando de dentro da criatura de metal. Seus três olhos vermelhos piscavam enquanto emitia as ondas sonoras – eu não represento perigo, nada neste lugar representa perigo para vocês.

Para espanto geral, a coisa começou a se mover. Com um ruído pneumático, seu braço que terminava em pinça de caranguejo deslocou para fora do encaixe, como um brinquedo sendo retirado da embalagem. Seus três longos membros articulados repetiram o mesmo movimento e giraram procurando o apoio do chão, que serviria para alçá-lo para fora da ostra. Por último a cabeça de lula veio à tona também com seus ondulantes e pequeninos tentáculos de borracha. Em um instante que pareceu durar horas havia um monstro de metal do tamanho de um cavalo parado diante deles, apoiado em dois longos pares de perna enquanto pinças nervosas de crustáceo abriam e fechavam.

Fábia desmaiou e Ray correu em socorro da amiga.

- Entendo que para vocês a aparência deste corpo artificial pareça nociva, assim como a imagem dos seres que habitam este mundo lhes é assustadora... – a criatura dobrou-se em suas patas para nivelar-se à altura dos humanos, ficando pouco mais baixa que a Sybila – mas creiam em mim quando lhes digo que este não é mais um planeta selvagem desde a minha chegada, e que os receberemos como se fossem de casa.



◊◊◊




- Tudo bem, eles são os mais feiosos que nós já encontramos até agora, porém de todos os mais gentis – Augusta deu de ombros enquanto olhava através da janela, para além dos limites da infinita metrópole subaquática que agora os abrigava como hóspedes. Aquele lugar parecia imitar uma floresta de corais no formato irregular da maioria dos prédios, havia umas construções muito estranhas ali que não foram mostradas no vídeo de boas-vindas – eles nos ofereceram um apartamento gigantesco com ar fresco e respirável, oxigênio puro! Não tratariam o jantar tão bem assim... ou tratariam?

Augusta deu as costas para a paisagem pontilhada de ostras voadoras e voltou-se para os seus companheiros, esparramados na sala de estar gigantesca. O contraste entre eles e o lugar era imenso, de várias formas. Ele havia sido projetado para os habitantes do planeta, e não para humanos, mas de alguma forma tinha um quê indiano em sua decoração, em sua arquitetura interna. Todos descansavam em seus pufes brancos e azuis espalhados sobre uma espécie de “cama” redonda enorme de tecido sintético bem no meio da sala enfeitada por algas marinhas coloridas que ondulavam em tanques cilíndricos aqui e ali. As estampas e os bordados do “estofado” eram a parte mais bonita da decoração: mandalas e formas geométricas totalmente alienígenas.

- Eu estou tão confusa... – Hikikomori cochichava, alto demais para que suas reflexões fossem exclusivas. – este lugar... Estas criaturas... Nada faz sentido para mim. É uma civilização totalmente nova, emergente, eles acabaram de descobrir a tecnologia e assimilaram isso de uma forma tão coerente e sensata. Por que Aib’Paguru faria isso? Porque ele traria uma era de paz e prosperidade para um povo bárbaro que crescia e se multiplicava nas costas de um monstro marinho gigante? O que ele ganharia com isso? Ele sempre foi conhecido pelo temperamento estourado que ostentava. Sua fúria, sua ganância.

- Tem razão, ele não parece em nada com o que você vem nos relatando a respeito dele ao longo de todos esses meses – pronunciou-se Don, tão confuso quanto a Sybila às margens daquela situação suspeita. Talvez ele estivesse mais temeroso que a própria. – Um povo que se desenvolveu baseado numa utopia, que se isolou do resto do universo para preservar os recursos naturais do planeta...

- E tendo como patrono o mais improvável dos seres: o cruel colonizador de Azura. Ele e seu exército de androides metamorfos eram encarregados da conquista dos planetas em nome do Império! – Hikikomori estava prestes a explodir de tanta dúvida. Seus olhos estavam vidrados, o cenho franzido e o maxilar pronunciado, nunca a haviam visto tão perturbada antes. – Porque ele não escravizou esse povo e o vendeu como fez com o povo de Alado? Porque este lugar não está sob a jurisdição extrativista de Aib’Koletis?! Não faz sentido algum!

Fez-se silêncio por um curto período de tempo enquanto o enorme holograma em forma de gota reproduzia um documentário sobre o planeta na íntegra. Os únicos realmente interessados nele eram Pietro e Fábia, Ray Ann só parecia estar assistindo quando na verdade estava ponderando tanto quanto seus outros preocupados companheiros. De certo modo eles eram reféns de monstros marinhos racionais, não podiam sair dali de maneira alguma ou se afogariam imediatamente. O Cruzeiro Espacial Delta havia sido levado para sabe-se lá onde, e suas armas foram confiscadas graças à proibição do porte de objetos nocivos nos limites de Muttu, a metrópole-capital do planeta tão grande quanto três estados de São Paulo unidos.

- Nammamane... – Christopher levantou-se de seu pufe macio, desceu do enorme estofado redondo e caminhou até a janela, parando exatamente ao lado da Sybila que apoiava as duas mãos, nervosa, contra o vidro, mantendo a cabeça baixa e seus longos cabelos negros caindo em cascata. – é um belo nome não acha? Um belo nome para um belo planeta – Chris pôs a mão delicadamente sobre o ombro tenso de Hikikomori. Sim, ele estava tão preocupado quanto os outros, mas a magnitude do novo mundo que eles haviam acabado de descobri o entorpecia de tal maneira que a ameaça representada por Aib’Paguru já não significava perigo.

Enquanto eles observavam, ao longe, a sombra de Mãe Dirgha como uma faixa negra serpenteando no horizonte, o documentário traçava o padrão de comportamento sexual das bestas aladas que viviam entre as nuvens, ou “Prani” como eles as chamavam. Na superfície, poucos quilômetros acima das suas cabeças, estas mesmas Prani pescavam tranquilamente seu almoço, e o dia sequer estava na metade. Quantas horas tinha um dia naquele planeta subaquático? Quantas horas possuía um dia em Nammamane?

- Que dizer “Nosso Lar” – uma voz feminina ecoou tão próxima que todos foram pegos de surpresa. Até mesmo a preocupada Hikikomori foi expulsa de seus pensamentos à vassouradas perante o som agudo da voz infantil. Havia uma daquelas criaturas horrendas parada do outro lado do vidro, exatamente do outro lado da janela, rosada e asquerosa, planando diante do rosto de um surpreso Christopher com o auxílio de uma espécie de turbina como mochila a jato presa ao flanco. – me chamo Rajakumari Paguru, prazer em conhecê-los, visitantes!

Continua...




































Belo comeback!

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