O que aconteceu a seguir foi tão rápido que Maxine mal pôde piscar. Primeiro Robert foi ao chão, atingido por alguma coisa que veio do vazio, e depois foi vez de Alberta cair por terra, mas este golpe ela pôde ver muito bem. Algo como um taco de metal havia batido contra a cabeça da velha, e ela caiu de cara no chão.
- Ai meu Deus! Acho que bati com muita força, Ray! – exclamou a doce voz de senhora frágil e nervosa de algum lugar no escuro onde antes haviam lâmpadas acesas, aquelas que foram estouradas por uma Gabrielle nervosa. – será que o sapatão morreu?!
- É claro que não Elly, eu tenho certeza de que ela vai acordar furiosa em pouco tempo! Acho melhor amarrarmos ela! – das sombras surgiu uma velha baixinha, magra e toda turrona, não parecia tão nervosa quanto a outra, mas bem decidida, tinha uma única mecha de cabelos grisalhos misturada aos cachos escuros que iam tão longos até o meio das suas costas. Usava o mesmo uniforme branco brilhante que Maxine e seus amigos, aliás, as duas velhinhas usavam. A outra que se revelara depois tinha os olhos claros, quase cinzas, como a água de uma montanha. Esta tinha o cabelo completamente grisalho e parecia muito mais frágil que a outra. Ray Ann e Elly Rich, como Maxine poderia esquecer das duas?! Uma era a avó de Fernando e Miguel, melhor amiga do seu avô e a outra a melhor amiga dela. Eram uma dupla dinâmica e não se separavam por nada naquele mundo.
- Vamos Maxine, não temos tempo! – após acorrentar bem aos dois vilões, Ray Ann tomou a jovem pelo braço.
- Mas... A Gabi e o Fernando... – começou ela, assustada, resistindo aos puxões que a mulher dava.
- Eles vão ficar bem! Os dois aí já estão amarrados e seguros, e a Elly vai cuidar de reparar a entrada.
Os olhos de Max voltaram-se para a velhinha branca como neve, usando uma roupa tão branca quanto ela própria. A senhora ajeitou os óculos no rosto e deu tchauzinho. Maxine engoliu em seco. Aquela mulher jamais daria conta se Alberta despertasse e quisesse explodir com tudo, a velha era tão frágil, parecia mais aquelas senhoras que ficam sentadas na varanda enquanto o bolo de cenoura assa, contando histórias para os netos.
- Mas porque estamos sem tempo?! Já impedimos a entrada da Alberta! – reclamou a garota, sendo praticamente arrastada.
- Você tem o driver do programa de proteção da ESFERA!
- Ei ei ei ei! – ela desvencilhou-se das unhas compridas da velha com violência, causando alguns arranhões em seu braço direito. – Eu não tenho nada disso não! E nem pretendo ir adiante! – Max estava tremendo de medo, estava completamente sem palavras, não conseguia sequer imaginar o que encontraria do outro lado daquela porta triangular que se iluminou completamente ao sentir a aproximação de corpos materiais. Ela tinha sensores de seres vivos. Aquilo só deixava Maxine mais apavorada. – Eu só vim aqui acabar com os planos da maluca da Alberta e ir pra casa! Neon City já está a salvo!
- Não, Neon City não estará a salvo enquanto você não pegar esse pen drive que está no seu pescoço e conectar no cérebro central da ESFERA! – exclamou a velha, apontando para a porta iluminada como o portão do céu. Era espectral naquela escuridão.
- Mas do que você está falando?! Esse pen drive foi presente do meu avô! Não tem nada de ESFERA nele, é um pen drive comum, veja! – ela tirou do pescoço, tremendo, mostrando o pingente para a mulher – você deve estar confundindo ele com...
- Eu não estou confundindo garota! Não temos tempo! O sistema de defesa da ESFERA foi acionado, e se não fizermos alguma coisa AGORA MESMO a cidade vai acionar o estado de emergência e todos os cidadãos ficarão reféns das máquinas, ESTÁ ENTENDENDO O QUE EU ESTOU DIZENDO? – Ray Ann já gritava de desespero – esse pen drive foi dado ao seu avô quando Neon City foi oficialmente fundada, ele prometeu guardá-lo em segurança até que chegasse o dia em que precisaríamos dele! A ESFERA tem um sistema de defesa automático que fica ativo no exato momento em que ele detecta qualquer tipo de ataque, físico ou virtual, tanto uma guerra nuclear quanto um super vírus ativa o programa de proteção da ESFERA. Ele transforma a cidade numa grande fortaleza e prende as pessoas nas suas casas para a própria segurança, e se não fizermos algo imediatamente, todos os cidadãos dessa cidade ficarão reféns das máquinas, está me entendendo, Maxine?!
Maxine estava em estado de choque. Deu uma última olhada pra trás antes de ser iluminada completamente por um feixe de luz tão forte que quase a cegou. A porta triangular espectral fora aberta enfim, e aos poucos a velha turrona a arrastava para o que parecia mais o além, ou talvez a entrada do céu, do mundo dos mortos, ou qualquer outra coisa do gênero que desvencilhasse-a do mundo humano mundano. Quando ela achou que aquela luz nunca mais iria se apagar, percebeu que não era uma luz, e sim a cor daquele salão. Daquele salão enorme e quadrado que mais parecia um fosso de paredes altas. Tão altas que o teto parecia invisível a olho nu. Apesar do tamanho daquele salão, o universo que ele continha parecia tão íntimo e particular e ao mesmo tempo tão aconchegante e convidativo, sem toda a poluição visual e sonora do mundo aerodinâmico e futurístico lá fora que logo Maxine sentiu-se tão à vontade como se estivesse na própria sala da sua casa. Era um universo completamente minimalista e simples, totalmente ao contrário do que ela imaginara ser o tão temido cérebro da ESFERA: um emaranhado de cabos, fios e placas de computador, braços mecânicos e faíscas voando por toda parte, aquela bagunça que era o mundo que ela conhecia.
- Sinta-se em casa, Maxine – disse uma voz vinda das paredes. Flashes de luz azul percorreram os veios e os sulcos que formavam caminhos imperceptíveis nas paredes com o pulsar daquela voz mecânica. As serpentes azuis escorreram como água por entre eles até alcançarem cabos de alimentação que ligavam aquele mundo branco a um ovo, sim, um grande ovo que flutuava no meio do salão.
- Quem está aí?! – foi o que Max conseguiu dizer. Estava nervosa demais para dizer algo de inteligente ou menos clichê naquele momento.
- Isso vai parecer tão clichê quanto a sua pergunta, Max, minha cara, mas eu... – a voz elétrica riu, e sua risada era um barulho distorcido como mãos batendo nas teclas de um sintetizador – eu sou a ESFERA.
Maxine parou a meio caminho do ovo branco, que alimentado pelos cabos transparentes, agora azuis pela energia que os atravessava, foi girando vagarosamente até revelar, para seu espanto, um homem. Um homem magro e esbelto preso dentro dele, flutuando numa espécie de placenta azul, com vários pequenos cabos conectados à sua coluna e principalmente ao seu cérebro, à sua cabeça completamente raspada. Uma máscara de oxigênio alimentava sua respiração e uma agulha injetada na parte de trás dos cotovelos fazia a sua alimentação, mantendo-o vivo, jovem e revigorado durante todos esses anos, injetando proteína direto na veia. Max caiu sentada, com a respiração presa entre os pulmões e a faringe.
- Por favor Maxine, levante-se, não faça essa cara! Pensei que você fosse tão corajosa quanto seu avô, Max! – fez a voz outra vez. O feto adulto mexeu a mão direita num espasmo rápido. Maxine deu um grito.
- Não, não! Max! Não se assuste, isso acontece de vez em quando! – riu a máquina outra vez.
Então aquilo era a ESFERA. Um homem. Um homem preso dentro de um ovo branco. Maxine não sabia se gritava de pavor ou felicidade. Quantas vezes, por Deus! Quantas vezes a turma não se reuniu nos corredores desertos da ala mais afastada da escola para papear a respeito daquilo?! A respeito dos mistérios de Neon City, a respeito do que era a ESFERA e de onde ela estava, se ela era realmente uma ESFERA ou se era um cérebro flutuando entre cabos de aço?! Era incrível, era maravilhoso, deslumbrante o saber, a descoberta a deixava extasiada e penetrava suas veias queimando seu peito e a deixando... completamente paralisada! Sem reação. Os olhos tão abertos que pareciam duas pequenas luas no céu do seu rosto apavorado e estático. Pareciam ter vida própria.
- Você tem os olhos lindos, Max, bem como o Chris me falou...
- VOCÊ CONHECE O MEU AVÔ!? – foi o que ela conseguiu fazer sair, gritado e com força. Lutando contra a vontade de correr pra fora do salão ou de correr até o ovo e tocá-lo, três Maxines lutando dentro de um só corpo. A hesitante, a apavorada e a curiosa.
- Estudamos juntos, Max, nos conhecemos muito jovens. Ele tinha 16 e eu 17...
- O tempo em que o Apocalipse Club surgiu! – gemeu Max com lágrimas de emoção nos olhos. – mas é incrível! Como ele nunca me falou sobre você?! Sobre o que você era?! Sobre quem você foi?!
- Provavelmente deve ter falado, Max, mas não se referindo a mim como a ESFERA em si, mas como seu velho amigo de conversar pela madrugada a fora, no Messenger até as quatro da manhã...
Maxine ficou sem ar mais uma vez. Olhou para trás e gritou. Encarou Ray Ann incrédula. A velha sorria.
- Então. Ligou os fatos?
- E COMO LIGUEI! – ela pôs-se de pé – VOCÊ É DON! DON HILLS! O PRIMO DA RAY ANN! O PRIMO MAIS PRÓXIMO DA RAY ANN! SIM, VOCÊ É O DON HILLS! MEU DEUS DO CÉU, VOCÊ É DON HILLS!
Ray Ann gargalhava lá atrás, sua voz rouca ecoando pelas paredes brancas que vez ou outra eram cortadas novamente pelos flashes azuis de energia pura. A ESFERA também ria.
- É! Sou eu! – riu o cérebro do mundo.
- Mas como?!... O que?!... Mas por quê?!... – ela não sabia qual pergunta faria primeiro.
- Eis aqui o que aconteceu...
Assim, a realidade branca se retorceu para formar um mundo desconhecido à Maxine. Ela estava num quarto, num quarto estreito como um banheiro, onde duas pessoas, um homem alto e forte e uma mulher de cabelos escuros, mexiam em cabos e placas, em parafusos e fios, tirando e colocando tudo com pressa, com muita pressa.
- Esses somos nós, eu e Ray, há alguns anos atrás – disse a voz. – quando eu decidi criar a ESFERA...
- Você não era a ESFERA antes?! – perguntou Maxine, tremendo dos pés à cabeça e suando frio.
- Não, nem sempre fui a ESFERA... Na verdade, eu criei a ESFERA com o intuito de fazer a segurança da casa onde nós morávamos, onde crescemos e passamos grande parte da adolescência... O mundo estava em surto, os saques eram constantes, os assassinatos eram feitos em massa, e isso porque os alienígenas ainda nem tinham chegado! Estávamos correndo perigo de vida e o Apocalipse Hall não era mais seguro... Foi quando eu decidi criar um sistema de segurança via-satélite congênito que ligasse as duas bases do Apocalipse Club, a casa onde morávamos, agora abandonada e o Apocalipse Hall, nos protegendo dos bandos que entravam e saiam da cidade frequentemente, destruindo tudo... Como sempre tive muitos contatos, os donos da Intel, a fabricante de processadores, comprou a minha ideia e resolveu ajudar na fase de testes do apetrecho que funcionou perfeitamente, mas com o mundo em completo caos não havia como manter uma empresa sem capital algum, e a Intel faliu... Mas eu continuei a aperfeiçoar o programa até que, acredite se quiser, eu tive um sonho...
O ambiente se distorceu de novo e lá estavam Ray Anne e Maxine de mãos dadas, assistindo ao jovem Don Hills em seu sonho, caminhando num mundo completamente branco, todo feito de luz, em direção a um ovo que flutuava em seu centro. Mas, ao contrário da realidade de Max, o ovo não continha um homem flutuando numa placenta, mas sim um homem sentado num tipo de poltrona do outro lado. Um homem sem nenhum pêlo no corpo, exceto as sobrancelhas, que lhe disse:
- Don, você sabe o que fazer – disse o homem antes de sumir numa nuvem de fumaça.
- E então eu soube naquele exato momento que eu tinha de dar um jeito no mundo, eu tinha os meios para dar um jeito no mundo, tinha um computador super inteligente criado a partir do meu próprio PC. Eu decidi então unir meu cérebro ao cérebro da máquina, pois eu percebi que a máquina sem o homem não passa de uma reles cópia falsa e hipotética da existência, sem sentimentos ou reflexões. Unindo meu cérebro ao da máquina eu estava criando um novo ser, uma coisa que nunca, jamais existiu na face da terra. Eu estava me tornando esse novo ser. A super inteligência. E essa coisa que eu havia me tornado tinha um único propósito: reunir a humanidade outra vez, colocar em ordem aquilo que se tornou caos da noite pro dia! Assim nasceu a ideia central de Neon City...
O universo se distorceu de novo, gerando uma caravana de jipes, ônibus, carros, cavalos, carroças e camelos no meio do deserto que havia se tornado o sul do Amapá. Usando um estranho capacete, Don Hills ia à frente num carro dirigido por Ray Ann onde Christopher Umbrella e Elly Rich faziam-se presentes no banco traseiro.
- Reunimos o máximo de pessoas que pudemos, retiramos os últimos moradores de Macapá e formamos uma caravana até uma área segura do cerrado já quase completamente morto naquela época. Lá demarcamos o território próximo a um rio de nome desconhecido e uma ponte quebrada. Hoje completamente restaurada e atualmente servindo de acesso aos bairros mais distantes de Neon City... A cidade cresceu tanto que engoliu seus arredores... Minha visão se tornou real e tão concreta que eu mal podia acreditar, eu havia então chegado ao meu objetivo de abrigar os seres humanos outra vez numa sociedade organizada e perfeita. Aos poucos outras caravanas foram chegando e do material que tínhamos em mãos fomos construindo a cidade com ajuda de máquinas trazidas de todo canto do mundo. Neon City cresceu e cada tecnologia trazida a mim foi adicionando-se ao arsenal que já tínhamos e crescendo cada vez mais. O projeto de Neon City foi feito por vários arquitetos e engenheiros urbanos encabeçados por Ray Ann e Pietro, aos poucos tudo aquilo que antes estava nos gráficos dos nossos computadores tornou-se real, os profissionais que iam chegado juntavam-se à equipe e aperfeiçoávamos o projeto da cidade perfeita, e tudo cresceu tão rápido com a ajuda das máquinas que em três anos tínhamos grande parte das moradias e dos prédios. Nosso primeiro prédio foi a sua escola, Max...
Maxine não conseguia mais se espantar com tudo aquilo, estava até se acostumando a tantas revelações. O mundo se distorceu pela última vez, em frente às duas agora estava a face transparente de um grande ovo onde um feto adulto flutuava dentro do líquido amniótico.
- Enfim – continuou ele – nós criamos o mundo perfeito a partir da minha ideia de preservar a ordem da sociedade humana e a espécie. O meu banco de dados se tornou o mais completo e mais inteligente da face da terra, fiquei conhecido em todos os cantos do mundo como “A Inteligência Iluminada” e em pouco tempo assumi o controle das principais capitais ainda existentes. Criei o mundo perfeito... E agora isso... Eu recebo um golpe nas minhas próprias costas vindo direto da raça que eu me comprometi em proteger.
Os sulcos das paredes foram preenchidos agora por luzes vermelhas que escorreram até o ovo pelos cabos de alimentação, tornando vermelho o liquído onde o homem flutuava.
- Agora, Maxine, é tarde demais... Eu confiei demais nos humanos...
Fim da Parte Doze!
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