Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Stella, Narguilé e Gabriela


- Porque não vamos ao parque esta tarde? – perguntou Aline.
- Me recuso a passar os meus últimos dias dando comida para os pombos malditos, eles são ratos alados cheios de doenças infecciosas – e soltou-lhe uma baforada carregada da fumaça do narguilé bem no meio da cara. Aline deu uma tossida disfarçada, e engoliu o resto.
- Vovó, eu sinceramente não acredito em como você está viva até hoje, fumando desse jeito – exclamou a garota reprimindo-se em ligar o ventilador da sala de estar. Stella gostava do ambiente carregado de fumaça, ela se sentia magnânima, misteriosa, bela e jovem novamente.
- Quer me matar? Ali está a sua arma – apontou seu dedo magro e ossudo para a parede, onde jazia uma espada empoeirada de samurai, presentinho do príncipe do Japão em troca de alguns “favores” noturnos. Era nisso que a velha era especialista, esses favores noturnos que os homens tanto adoravam. O cabo da espada e o dragão em alto relevo ali lembravam certos órgãos que muito foram tocados no passado. Stella esboçou um sorriso no canto da boca e soltou fumaça pelo nariz feito uma draga. Fazia um tempo que ela não via o seu professor de órgão. Era realmente um instrumento divertido de ser tocado.
- O que está esperando? Pegue a espada e enfie no meu seio esquerdo, sua ingrata – cacarejou a velha outra vez, erguendo seu queixo pontudo para o artefato.
O ambiente da mansão era lúgubre, secular, e muitas vezes assustador também. Cheio de estátuas e artefatos para todos os lados, era um verdadeiro museu particular. A velha Stella tinha um acervo de dar inveja no mais rico dos milionários colecionadores do mundo. Tudo ali havia sido adquirido após uma história, uma batalha, um favor particular, ou simplesmente comprado no mercado negro. Era barato e era rápido. Stella ganhara o hábito de ostentação após a riqueza.
- Eu não pretendo matá-la vovó, a senhora entendeu o que eu disse. – Aline bufou e tossiu em seguida – só quero passear com você.
- Nós passeamos ontem, Aline – tragou mais fumaça. – você está começando a me irritar.
- Mas...
- “Mas” nada! Vá procurar o que fazer, estudar, pintar os seus quadros, escrever, sei lá o que você faz nas férias! – grasnou ela furiosa, já se retorcendo na poltrona – mas que pirralha chata – e soltou um palavrão pesado.
- O que você está fazendo aí, Aline?! – a voz feminina e fina demais pegou avó e neta de surpresa, vinda das profundezas do corredor vazio do outro lado das fantasmagóricas portas da sala de estar, entreabertas. Um rosto fino e extremamente branco surgiu daquela brecha, abrindo passagem, feito uma aparição de vestido branco. Loira, coque francês no alto da cabeça, olhos azuis maldosos repuxados pra cima e maçãs do rosto perfeitamente pontudas, parecia ter saído de uma propaganda de perfumes. Gabriela tinha 35 anos e era modelo aposentada, atualmente era editora chefe da Cosmopolitan inglesa, por isso raramente estava em casa, vivia no país vizinho, trabalhando. Ou dando, como Stella costumava dizer, dando muito para todos os acionistas da empresa.
- Pare de servir de fumante passiva para essa velha, sua idiota, você vai acabar pegando um câncer de pulmão! – agarrou o braço da garota e a levantou com violência da cadeira.
- Largue a menina, Gabriela, deixa de ser vaca, sua miserável – e soltou uma baforada pesada, quase sólida, da fumaça do narguilé bem no meio da cara da sua querida nora, para não dizer o contrário. – vão ser precisos anos para que ela desenvolva um câncer, sendo que ela raramente entra nessa sala porque eu mesma a proíbo. Agora solte-a, a garota já estava de saída mesmo e não precisa que você a trate desse jeito, sua arrogante.
- Oh, olha quem fala! – gemeu Gabriela. – quem tem crises de depressão da terceira idade e vive quebrando as louças e os copos na parede é você, não eu!
Stella retirou seus óculos do rosto com calma, pôs no criado mudo com delicadeza, ajeitou seu terninho e sua saia, largou o tubo do narguilé e levantou-se para encarar mortalmente Gabriela de igual para igual.
- Não se esqueça – começou ela pausadamente – que quem mora de favor nessa casa é você, sua vadia, e eu te ponho pra fora com um chute certeiro dos meus mocassins no meio desse seu traseiro magrelo, por isso me respeite. – ela pigarreou, calma, pegou com delicadeza a mãozinha branca da sua neta e finalizou – agora se nos dá licença, pretendemos dar um passeio no parque.

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