Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

PARTE NOVE: PARA BAIXO NO LABIRINTO DE CRISTAL!


- Mamãe?

- Hm?

- O céu é engraçado não é? – as mãos pequeninas viravam sem jeito as páginas de um enorme atlas celeste. Lá fora o sol ainda se punha atrás das coníferas.

- Porque diz isso meu bem?

- Porque ele é engraçado... Nem parece que tem todas essas coisas lá em cima.

Dedinhos morenos e curtos passeavam por entre as constelações, traçando animais, monstros e figuras humanas. Um cisne, dois peixes, dois cães, duas ursas, um gigante, uma princesa, um dragão, um leão. Aos poucos um reino imaginário se tecia diante dos pequenos olhinhos perolados de um ainda muito novo, Christopher Umbrella. Fios prateados interligavam pontos luminosos numa superfície de um azul escuro profundo como o mar, as bocarras se arreganhavam mostrando os dentes ferozes, as asas delicadas batiam sem parar, as caudas nervosas abanavam e Hércules brandia sua espada enquanto um escorpião enorme perseguia Órion. Dois gêmeos brincavam num balancinho enquanto um touro de olho vermelho bufava impaciente. O céu era lindo! Porque ele não nasceu lá?

- Mamãe?

- Sim?

- Você acha que existem pessoas lá no céu?

- Em outros planetas talvez, tão distantes que ainda não pudemos vê-los – a mãe largou o jornal por um instante enquanto bebericava o café e observava os últimos raios de sol cortarem as nuvens púrpuras do crepúsculo com delicadeza através da janela. Na parte mais escura do céu, logo acima das nuvens que separavam o dia da noite, três estrelas já brilhavam ansiosas, se adiantando no expediente. Ela ajeitou seu terninho bege e o colar de pérolas. Aos poucos outros pontinhos luminosos foram surgindo na paisagem, ou talvez ela só estivesse olhando com mais atenção.

- Será que existe outro planeta que nem a Terra, mamãe?! E existe outra mamãe como você, e outro Chris como eu?! – os olhinhos dele brilhavam enquanto a Cabeleira de Berenice ondulava na inexorável imensidão.

- Provavelmente sim, bebê. E talvez eles estejam dando tchau pra nós agora mesmo. – ela arredou a cadeira para trás e caminhou serena até a janela, afastou mais as cortinas brancas e sentiu a brisa gelada no rosto. O menininho levantou-se em meio aos seus papéis e fez o mesmo, passo a passo errante rumo à janela, desviando dos brinquedos e dos livros espalhados pelo chão. Seus olhos estavam à altura do parapeito, de modo que ele teve de se por na pontinha dos pés para enxergar melhor o que a mãe via. No final das contas não se arrependeu do esforço, a paisagem era belíssima. – dê tchau também, Chris! – ela ergueu a mão direita e acenou para as três estrelas distantes, seu pulso delicado parecia tão leve quanto a brisa que entrava pela janela. Pouco à vontade naquela posição, o garotinho puxou a cadeira mais próxima e subiu nela.
Assim estava melhor. Mãe e filho. Saudando as estrelas.



♦ ♦ ♦

Por algum motivo estranho, o Professor Umbrella sentiu-se extremamente nostálgico observando aquele pitoresco sistema planetário que se desenhou aos poucos diante dos seus olhos cansados. Primeiro tudo era escuridão, logo milhares de pontinhos luminosos foram surgindo como chuva de cristais por toda a extensão do painel infinito que se pintava aos poucos. Uma sombra escura veio debaixo como um arco, coroada por um halo luminoso que lançava raios vermelhos pálidos em direção ao infinito, como sangue diluído em água. A sombra escura se avolumava aos poucos pronunciando-se sobre os pontos luminosos que permeavam o infinito, as trevas pareciam iminentes quando tudo ia se tornando escuridão outra vez, e então aconteceu. Um brilho azul intenso atingiu o fundo da sua retina humana como um relâmpago castiga uma árvore morta no meio do descampado.

Christopher teve de tapar os olhos com os dois braços para não ficar cego, porém a luz era forte o suficiente a ponto de torná-lo capaz de ver cada vaso sanguíneo das suas pálpebras e mais além. Era impossível de acreditar, mas a luz estava atravessando a carne dos seus braços mostrando seus ossos como num raio-x. Tudo era de um azul intenso e elétrico, até que o mundo cobriu-se de sombras outra vez, trazendo de volta a fraca luz vermelha de uma estrela que estava prestes a morrer. Ao abrir os olhos novamente, deparou-se com um enorme orbe negro salpicado de pontiagudos espigões escuros aqui e ali, como um ouriço do mar flutuando no meio do espaço. Ao longe, um colossal sol vermelho queimava sua última cota de combustível, seus gases metálicos estavam se esgotando.

Mesmo tão longe (provavelmente estava a bilhares de quilômetros de distância), aquela estrela à beira da morte parecia monstruosamente grande, ocupava mais da metade do novo horizonte em sua extensão, fazendo aquele planetoide rochoso parecer uma reles pelota orbitada por meteoritos irregulares perdidos. Grandes pedaços de rocha circulavam-no numa ciranda infinita e atrapalhada, se chocando e dividindo-se em milhares de pedaços minúsculos. Um sistema planetário rústico e frágil ele era: caso aquela gigante vermelha explodisse, levaria tudo o que estava ao seu redor para o inferno, não sobraria nada para contar história. Nem mesmo a pequena anã azulada que observava à distância como uma pequena lua.

Naquele momento Christopher soube que a luz azulada que quase o cegara viera dela, então pôs-se de pé com dificuldade, tirando os braços da frente dos olhos com cuidado. Ainda se encontrava na extensa e redonda sala de controle da nave-mãe antes pertencente a Aib’Somar, agora ocupada pelos corpos desacordados de seus companheiros atordoados. Hikikomori já estava desperta quando ele tomou consciência de onde estava e quem era. Ela jazia parada como uma estátua de cera diante do telão principal, onde aquela paisagem caótica se desenhava aos poucos, conforme o corpo da nave em forma de ferradura se afastava.

- Onde... Onde estamos? – foi tudo o que ele conseguiu perguntar. Sua voz estava fina e rouca como se ele não falasse há décadas.

- Antares.

- O q...

- Antares, o Coração de Scorpio – tornou a dizer Hikikomori, com a voz carregada e fantasmagórica. – este planetoide que você vê – ela apontou para a rocha espinhosa que flutuava no vazio, rodeada de meteoritos – estava na mesma órbita que Plutão se encontra no seu sistema solar quando o Sol dele atingiu o tamanho atual e engoliu o restante dos planetas deste sistema solar. Ele foi o único que restou. Seus irmãos foram engolfados um a um.

- Mas... – a voz de Christopher foi ganhando força –não há planetas orbitando Antares, não há nenhum indício de...

- Você se engana, Cavaleiro de Ouro. Você se deixa enganar pela ciência parca e arcaica do seu planeta e se cega – o Professor Umbrella espantou-se quando seus lábios se moveram sem o seu consentimento, unindo-se à Sybila numa citação advinda de uma memória adormecida em sua alma – tentar enxergar um planeta orbitando uma estrela é comodetectar um mosquito voando ao redor de uma lâmpada... – Hikikomori se deteve propositalmente esboçando um leve sorriso, esperando que ele terminasse a frase por conta própria. Ele hesitou por um segundo.

- ...a quarteirões de distância... – ele levou a mão à boca, espantado. Já havia dito aquilo em uma das suas aulas, há muito tempo atrás. E agora estava repetindo involuntariamente.

- Esta é Antares – ela voltou-se para o telão outra vez. A nave se distanciava cada vez mais do planetoide, mas não tanto – fomos trazidos aqui pela força do inimigo, um inimigo ignorante que ignora a profecia e desconhece a existência do Cavaleiro e seus Escudeiros... A nova ameaça pretende me eliminar e assumir os louros do feito, e assim, a admiração e submissão dos Arquiduques restantes.

Christopher permanecia de cabeça baixa, atento ao que a Sybila dizia. Quando levantou os olhos em direção a ela, seus amigos estavam quase todos despertos, Ray Ann ajudava Fábia a levantar-se enquanto Pietro massageava as têmporas entre caretas e resmungos, o capitão Donnick já estava de pé.

- Eu não vou deixar.

Todos os olhares se voltaram para ele, até Augusta que permanecia deitada ao chão criando forças para se levantar pôs-se ereta rapidamente, sentindo a nova pulsação de energia que tomava conta do lugar. Não uma pulsação elétrica qualquer ou uma onda sísmica comum, era um coração batendo forte, em sincronia com o órgão que reavivava aos poucos dentro de seu lacre de ouro.

- Eu não vou permitir – ele fechou os punhos, já não era mais o atrapalhado e esquisito Professor Umbrella. – pouse esta nave e me leve até ele, seja lá quem esse novo inimigo for, eu o irei derrotá-lo. Ou não me chamo Christopher Umbrella! – uma onda dourada fervorosa e renovada atravessava suas veias e capilares como um trovão rasga o céu. Ele estava despertando aos poucos o Cavaleiro de Ouro adormecido dentro de si. Era hora de deixar o passado para trás e seguir em frente. Encarar o que quer que fosse que estivesse escondido dentro daquelas ravinas profundas e penhascos uivantes daquele novo e nocivo planeta.

Lá embaixo, algo rugiu na escuridão dos vales sombrios, e as outras coisas que se escondiam nos sulcos profundos do solo morto rosnaram em resposta, acompanhando a sinfonia da morte, esperando pacientemente, sedentos de sangue.



♦ ♦ ♦

- Preparar para o pouso! – exclamou Hikikomori. Ao acionar um dos botões especiais do painel de controle, os pequenos banquinhos usados pelas toupeirinhas para operar a nave foram substituídos por imponentes poltronas equipadas com cintos de segurança e capacetes. Ao todo elas eram seis, e a Sybila precisaria sentar-se ao meio para manipular o pouso seguro da nave com a ajuda de Donnick ao seu lado como copiloto, de modo que não houve espaço para Christopher sentar-se junto à equipe, levando-o a ocupar o trono flutuante onde antes Aib’Somar assentava controlando a área de Taurus e Bootis, o Boieiro. Era desconfortável estar ali, levando em conta o calor que aquele estofado de couro aderente emanava, era como estar com o traseiro grudado numa poltrona em meio ao inferno, em poucos minutos ele estava suando feito um porco antes do abate. Talvez aquele calor insuportável fosse sinônimo de conforto para a estranha Aib’Somar (que aliás estampava um enorme retrato logo acima do portal de entrada às suas costas) Uma criaturinha pitoresca e chifruda que lembrava um pequeno diabo.

E se o diabo cristão fora inspirado nela em uma visita secreta a terra? Chris sorriu por dentro, e admirou-se de si mesmo ao perceber que ainda podia rir em uma situação como aquelas. Era tão surreal e ilógica a ponto de ser patética e cômica. Ele, um Cavaleiro Intergaláctico? Que piada!

O pouso foi complicado. Imagine estar a bordo de um meteoro que acabou de atravessar a atmosfera terrestre acelerando tanto a ponto de prensar seus ossos contra a poltrona e esmigalhar seu cérebro contra a nuca, fazendo omelete dos seus olhos nas órbitas e amolecer cada músculo do seu corpo. Quase como cruzar o hiperespaço dentro de um avião acelerando na pista antes da decolagem. O segredo era manter a elíptica e dar a voltar completa no planetinha até a nave desacelerar, e isso demorou um tempo considerável levando em conta os relógios terrestres, Pietro e Fábia vomitaram em sincronia quando a nave finalmente pousou sobre uma espécie de planalto cinzento rodeado de precipícios.
Todos pareciam arrasados com o pouso, exceto Hikikomori e seu copiloto. Donnick só parecia um pouco tonto, afinal ele também era humano, não?

- Eles pousaram, minha senhora! – Fafis, o vulto encapuzado com rabo de rato atravessou a câmara subterrânea aos pulinhos em direção ao trono de cristal verde-água que ficava no final de um extenso e largo corredor ladeado por pilares gregos coloridos e transparentes, feitos de um tipo alienígena de quartzo reluzente e lapidado, toda a luz daquele ambiente emanava daquelas estruturas fluorescentes. Enormes cogumelos chapéu-de-sapo haviam crescido entre um pilar e outro, onde as mesmas criaturinhas peludas que lembravam rãs saltitavam animadas.

- Solte os bebês – fez a voz daquela que assentava ao trono com um risinho debochado. Suas vestes bufantes vermelhas respingavam um liquido viscoso enquanto seu rosto permanecia na penumbra, emoldurado por uma gola alegórica e carnavalesca. Seus cabelos serpenteavam nas sombras como se tivessem vida própria.

- Sim, senhora! – fez Fafis, curvando-se para frente numa mesura, seu focinho pontiagudo e rosado precipitou-se para frente por um instante, e então saiu do mesmo modo que entrou: aos pulinhos enquanto chiava como um roedor.


No centro da sala de controle, formando um círculo perfeito ao redor do trono de Aib’Somar haviam círculos desenhados no chão. Eram quase imperceptíveis, só mesmo uma atenção redobrada poderia ser capaz de revelá-los. Cada um dos viajantes do espaço ocupou seu próprio círculo, permitindo que colunas de luz envolvessem seus corpos e os transportassem para o próximo passo antes de saírem da nave.

- Sala das armas – disse Hikikomori, abrindo os braços. As luzes se acenderam, relevando um arsenal infinito disposto num salão tão grande quanto os laboratórios, porém a sensação de infinito estava ausente ali, com as paredes visíveis e completamente cobertas de armas desconhecidas aos olhos humanos do chão ao teto. Os viajantes do espaço reconheceram lanças, espadas, adagas e armas de fogo, armaduras estranhas repletas de espinhos e outras que lembravam samurais, reconheceram maças e pesadas correntes assassinas penduradas nos mostruários – escolham algo potente e de fácil manejo, não sabemos o que poderemos encontrar lá fora.

Ali, rodeados por armas letais de todos os tipos, o Apocalipse Club agradeceu pelas aulas de tiro ao alvo que tiveram em seu período de treinamento na Rússia, agora as tardes frias nos campos nevados tentando acertar bonecos de palha e frutas dispostas na cerca faziam todo o sentido, e eles ficaram gratos por isso. De todos ali presentes, fora Hikikomori, Donnick era o único que já possuía certa intimidade com armas, principalmente as de fogo, e ali havia lasers de todos os tipos e tamanhos, lança-chamas e elétricas também, de modo que no primeiro momento houve certa dificuldade em escolher uma única.

Por via das dúvidas ele pegou duas, pendurou uma em seu cinturão e estudou o funcionamento de outra. Pietro foi o mais exagerado, tratou de pegar algo bem grande e potente, com uma aparência rústica e imponente, uma espécie de misto entre metralhadora e bazuca, a qual pendurou nas costas com a ajuda de uma alça. Ray Ann desembainhou de uma armadura próxima um tipo estranho de espada de samurai eletrificada: a corrente elétrica atravessava o corpo metálico brilhante da lâmina soltando faíscas, tão afiada cujo som do ar sendo cortado ao meio tornava-se alto seguido do estalo elétrico.

Augusta seguiu o exemplo do mais experiente, Donnick, e pegou duas armas semelhantes à dele, já Fábia, mais inocente, pegou de um suporte na parede mais próxima uma espécie de báculo cor-de-rosa com um enorme coração alado na ponta. Hikikomori sobressaltou-se assustada ao ver a jovenzinha rechonchuda passando-o de mão em mão, tentando descobrir como o objeto funcionava.

- Não use isto aqui dentro! – gritou a Sybila, espantando a todos. Fábia assustou-se com o grito e deixou sua arma cair no chão. Por sorte estava desativada, e mesmo assim os outros integrantes do grupo ficaram se perguntando o que um objeto tão singelo e delicado faria de tão perigoso. Fábia deu de ombros, pegou-o do chão e pendurou nas costas numa espécie de estojo que o acompanhava.

Christopher era o único que estava em dúvida, percorreu grande parte daquele galpão arsenal olhando de um lado para o outro, sem simpatizar com nem uma única arma. Ou elas eram grandes demais, pequenas demais, estranhas demais, complicadas demais e até mesmo pouco intimidadoras. Ele precisava de algo que combinasse com ele, algo que se encaixasse com a sua personalidade e que fosse fácil de usar ao mesmo tempo. Já estava muito longe em um corredor lateral quando a encontrou, as vozes de seus companheiros debatendo o funcionamento de suas armas estavam ecoando distantes nas paredes, reverberando nos metais pesados das armaduras e no material sintético da sessão de lasers à sua direita. Ali, perto do final daquele corredor havia um enorme mostruário de lanças de todos os tipos, grandes e pesadas, pequenas e leves, pontiagudas ou não.

E no meio delas estava ela. Sua superfície reagia à fraca luz do ambiente reluzindo em reflexos multicolores como óleo derramado no asfalto à luz do sol, porém a cor violeta era a que imperava entre os espectros luminosos que seu metal negro forjado em algum planeta distante refletia nas outras armas ao redor, ofuscando todo o brilho metálico comum delas. Era uma lança comprida e delgada, que terminava numa espécie de foice dupla semelhante a um bico de papagaio apontando para cima, voltado para o teto. Uma enorme pedra roxa brilhava entre as lâminas, incrustada no metal negro bem polido e fosforescente.

- Ai! – exclamou o Professor Umbrella ao sentir a corrente elétrica que passou dele para a arma pendurada na parede ao tentar tocá-la. Esta era a química perfeita. Esta era a sua arma.

- Estamos prontos?! – ele surgiu caminhando das sombras esparramadas ao fim dos corredores daquele supermercado bélico empunhando sua mais nova companheira de batalha reluzente, todos os rostos se voltaram em sua direção, pasmos com aquilo que ele empunhava e com a aura de imponência e poder que a arma emanava em suas mãos. Eles foram feitos um para o outro, eram o par perfeito, nem Pietro e sua poderosa bazuca-metralhadora chegavam aos pés da lança negra empunhada por ChristopherUmbrella, o Cavaleiro de Ouro.

- Onde você achou isso?! – exclamou Ray Ann, pondo-se de pé imediatamente e caminhando em sua direção para vê-la mais de perto – parece a foice da morte! Que foda!
Christopher riu.

- Achei lá no final do corredor – ele apontou para trás, sorridente – na seção de lanças.

- O que será que isso faz? – Fábia também se aproximou para vê-la mais de perto – será que coleta almas?

Hikikomori esboçou um sorriso discreto e confiante. Ela sabia o que aquela arma era e porque Chris estava destinado a encontrá-la, mas não era o momento apropriado de dizê-lo. Ainda. O objeto estava coberto em trevas e em nada lembrava o que ele fora há bilhares de anos atrás, quando foi forjado pelos ferreiros astrais de um sistema solar divino e distante. Quando voltou a si, viu que o grupo se amontoava aos poucos em cima do Cavaleiro e de sua mais nova arma, falando alto, rindo e tentando tocá-la. Algo mais poderoso impedia que suas mãos curiosas chegassem muito perto, embora eles não percebessem.

- Vamos cavaleiros, não temos muito tempo – a Sybila costurou por entre as estantes à meia luz propícia para a conservação das armas em seus mostruários penetrando labirinto adentro com os seis apocalípticos em seu encalço, desembocando numa espécie de praça interna circular onde uma estátua feita em metal vermelho exatamente no centro do local representava uma imponente Aib’Somar de olhar feroz observando a todos de cima. Ao redor dela, os mesmos círculos sulcados no chão da sala do trono jaziam intactos e reluzentes. Cada um ocupou seu devido lugar e então foi engolfado pela coluna de luz mais uma vez, dessa vez para fora da nave, para o deserto cinzento que se estendia na planície deste novo e perigoso planeta.

Lá fora, o ar era nocivo aos pulmões humanos, o planeta havia se tornado venenoso com o passar do tempo, toda a forma de vida que existia na superfície morreu aos poucos, a água do único oceano evaporou e o solo tornou-se seco e compacto, nada além de pura rocha negra e fundida. O mesmo não ocorreu com seu interior. Por algum motivo, o núcleo do planeta continuou vivo, e o calor que ele produzia manteve a água dos profundos lençóis freáticos e rios subterrâneos em estado líquido. O vapor e a umidade tornaram o lugar berço para o surgimento de diversas formas de vida, que atualmente permeiam os subterrâneos daquele planeta ocupando densas florestas feitas de fungos, algas e vegetais pouco complexos, que não necessitam de muita luz para continuar vivendo nas amplas e vastas câmaras subterrâneas feitas de cristais desconhecidos e inomináveis.

Pelo menos era isto o que o computador portátil de Hikikomori mostrava. Ele nada mais era do que uma placa de vidro redonda onde o texto em alienígena e as imagens em 3D brincavam e se exibiam com graça enquanto eles cruzavam uma planície árida e cinzenta em suas máscaras de gás protetoras, que transformavam o ar venenoso em oxigênio puro e respirável. Os olhos também estavam muito bem protegidos por grandes óculos escuros platinados que refletiam o ambiente árido ao redor, livrando seus globos oculares da poeira e dos raios perigosos daquele sol vermelho.

Ao longo da planície, a paisagem era salpicada de grandes rochedos multiformes muito bem espaçados e troncos tortos petrificados, restos fossilizados das formas de vida vegetal que ocupavam aquele lugar há milênios atrás. O espanto foi geral ao descobrirem que as grandes rochas esculturais que adornavam a paisagem morta eram também fósseis de formas de vida ancestrais cnidárias. Christopher pode notar uma semelhança apavorante entre os corais e as esponjas existentes nos mares e oceanos terrestres e aqueles enormes arcos, cristas e domos que salpicavam a paisagem aqui e ali, colossais. Havia uma delas no meio do caminho, e foi preciso atravessar o túnel que suas curvas, arcos e arabescos formavam sobre uma passagem rochosa íngreme e perigosa. Exclamações de surpresa deram lugar aos gemidos sôfregos de cansaço ao deparar do grupo com um enorme crânio de uma espécie de lagarto colossal no final da trilha: eles estavam atravessando o interior de uma ossada aquele tempo inteiro!

Outras ossadas de criaturas pavorosas foram surgindo no caminho, estavam andando havia horas, e o efeito da nova gravidade sobre seus corpos passou a ser notado mais intensamente: as armas estavam relativamente mais pesadas e a dificuldade em levantar os pés do chão era razoável. Christopher usava sua enorme foice negra como cajado, enquanto o outro braço estava enlaçado ao de Donnick Hills, o capitão, que seguia tranquilamente ao seu lado como se estivesse a muito habituado com aquele tipo de situação. Por esse e outros motivos, ele decidiu usar o forte companheiro de apoio quando as cãibras começaram a dar sinal de vida. O sol vermelho não dava sinal de que fosse se por, talvez ele nunca se posse no horizonte! E a estrela azul que brilhava ao longe ofuscava o caminho à frente com mais força àquela hora do dia.

À frente do grupo ia Hikikomori e seu computador portátil seguindo as instruções do mapeamento daquele planeta feito por Aib’Somar. Apesar de estar praticamente seminua, a gravidade, a poeira e os fortes ventos parecia não fazer efeito em sua enorme estatura de quase dois metros. O único utensílio de proteção utilizado por ela tratava-se de uns óculos lilases onde círculos e triângulos de neon piscavam vez ou outra. Ao que parecia, ele fazia um par com a placa de vidro inteligente em suas mãos. A paisagem de picos escarpados no horizonte velando a morte de fósseis milenares no deserto cinzento logo foi substituída por dois paredões de pedra, um de cada lado. Grandes cânions ameaçadores feitos de rocha preta densa e pesada que pareciam estarem se curvando um em direção ao outro, fechando-se sobre o caminho pedregoso à frente o tempo inteiro, ameaçando esmagá-los a qualquer momento.

- Parem. – o sinal foi claro, havia apreensão na voz de Hikikomori. Eles estancaram imediatamente.

- O que? O que foi?! – começou Augusta, nervosa, exaltando-se. Pietro chiou para ela.

- Pontos vermelhos no mapa indicam movimentação de material orgânico... Há algo vindo em nossa direção! E muito rápido!

O pânico foi geral. Como algo poderia estar a caminho se aquele planeta estava completamente morto? Que tipo de criatura pavorosa viveria ali?!

- Escondam-se! Vamos! – Pietro foi o primeiro a correr para trás de uma rocha, Fábia e Ray empunhando suas armas seguiram-no por ele ser um dos maiores. Donnick e Chris ainda de braços dados agarraram a nervosa e esparrenta Augusta aos protestos e levaram-na para dentro de uma espécie de gruta próxima formada pelo vazio interno de uma enorme concha de caracol petrificada incrustada na rocha negra do paredão de pedra. Hikikomori diluiu-se no ar como água aos poucos até que sua silhueta minguou e desapareceu por completo. Havia manipulado a luz para ficar invisível.

“Não importa o que aconteça, não se mexam” fez a voz da Sybila em suas cabeças no mesmo instante em que uma sombra avolumou-se sobre a claridade que cobria o cânion. Augusta e Christopher abafaram um grito quando a coisa saltou da planície acima deles e caiu há poucos metros da gruta, bem diante dos seus olhos. Um enorme escorpião negro com o ferrão tinindo estalou suas pinças nervosamente. Era pouco menor que um rinoceronte pela estimativa chutada, mas tão leve que o baque de sua barriga dura e suas longas pernas articuladas na areia fina e brilhante no fundo do precipício foi macio como uma blusa sendo atirada no estofado. Se o grupo não houvesse sido alertado e a criatura aproveitado a distração para pular logo atrás da caravana, sua aproximação sequer teria sido notada. Outros dois monstrengos saltaram do cânion bem em cima de onde o grupo estivera há pouquíssimos minutos. Os corações martelavam desesperados contra as costelas, toda a água dos corpos esvaía pela testa em gotas pesadas de suor, mãos geladas suavam sem parar, as armas teimavam em escorregar por entre os dedos. E agora?

Os monstros estavam visivelmente procurando por algo, aparentavam ser muito mais espertos que os escorpiões convencionais pelo modo como se moviam, como suas caudas chacoalhavam à luz vermelha, pareciam até mesmo comunicarem-se entre si produzindo estalos com as suas mandíbulas apertadas e nervosas, inclinando-se sobre o chão e escavando a areia com as pinças de forma aparentemente irritada, frustrada. De onde eles saíram e porque Hikikomori não detectou a existência deles na superfície morta do planeta? Os seres vivos dali não habitam exclusivamente o subterrâneo? O motivo de preocupação maior não estaria dentro das cavernas, não fora? Como eles sobreviviam ali?

Pietro de trás de sua pedra preparou a arma, apoiando-a no ombro com cautela enquanto fechava um dos olhos para buscar a mira. Ray e Fábia estavam tão aturdidas e apavoradas que sequer perceberam o movimento perigoso do companheiro lodo à frente delas, não moviam um único músculo e mantinha os olhos pregados em cada mínimo movimento das criaturas.

“Não faça nada!” exclamou Hikikomori em sua cabeça “outros estão vindo e logo serão dezenas deles! Não podemos com esse número!” Pietro estancou, estivera tomado de adrenalina até então, e ao ouvir essas estatísticas alarmantes, abaixou a poderosa arma com cuidado e só então começou a suar frio como seus companheiros. Deu um ganido quando a criatura que estava de costas para a pedra voltou-se em sua direção girando nas compridas pernas escuras e lustrosas como seu corpo negro feito a noite. Ele abaixou-se rapidamente e empurrou as duas às suas costas para trás, para o fundo às sombras do paredão, longe da luz onde pudessem ser vistas.

- Como vamos sair daqui agora?! – sibilou Augusta, escondida atrás da parede humana composta pelas costas de Christopher e Donnick, eles haviam recuado tanto contra o fundo da concha gigante que estavam praticamente curvados uns sobre os outros conforme a estrutura da gruta se afunilava e espiralava em seu interior. Os três monstros haviam se separado e vasculhavam atrás de cada pedra e sob cada sombra oculta na estreita passagem entre os cânions usando suas pinças para triturar, arrastar e escavar. Seus ferrões pontiagudos e cintilantes apontados vigorosamente para frente sobre suas cabeças, prontos para investir contra a presa se fosse preciso. Prontos para o ataque.

“Vocês três” a Sybila se referia a Pietro e suas duas companheiras “corram para dentro da gruta ao meu sinal”

Fábia estava às lágrimas, tremendo.

- Eu não vou conseguir! – ganiu ela, atordoada. – Não vou...

“Já!”

Num rápido golpe de sorte Pietro pegou a gordinha pela cintura, meteu debaixo do braço e atravessou o campo arenoso banhado pelos fracos raios vermelhos da velha estrela com uma elétrica Ray Ann nos flancos, ela tinha a mão direita sobre a boca de Fábia abafando qualquer tentativa de grito da parte da garota assustada enquanto eles escapavam rente à traseira do perigo encarnado na forma de um enorme e feroz aracnídeo. Eles não haviam sequer terminado a travessia furtiva quando o escorpião mais distante à direita, entre eles e a entrada dos cânios – que até então tinha a face enfiada na areia escavada – ergueu-se da sua ocupação para dar o alerta: estalidos estridentes produzidos por suas pequenas mandíbulas despertaram a atenção dos outros dois escorpiões à esquerda. Um deles, o maior e mais ameaçador de todos que tinha a costa repleta de esporões pontiagudos, saltou à frente dos três bloqueando a passagem em direção à gruta. Logo, eles estavam cercados por todos os lados.

Um filete de suor escorreu pelo couro cabeludo de Ray Ann e percorreu a têmpora. Pietro estava estático. O primeiro ferrão voou em direção aos três numa velocidade absurda, como uma criatura daquele tamanho poderia se mover tão rapidamente? Agiu feito um chicote na areia fina levantando uma nuvem pesada de poeira cintilante no ar, Pietro desviou com maestria mesmo segurando uma Fábia apavorada, e Ray o seguiu capotando por cima dele. Os três estavam ao chão quando a segunda e a terceira chicotada vieram, cortando o ar nublado pelas partículas cinzentas ruidosamente, acertando a areia a poucos das ventas do rapaz, primeiro de um lado, depois de outro. Ele não hesitou, levantou uma garota em cada braço e correu seguindo seu próprio instinto, desviando de qualquer coisa que se movesse em seu caminho e saltando para dentro da gruta não tão distante com violência. As duas garotas voaram longe derrubando os atuais inquilinos da concha encravada na rocha, o Professor Umbrella e seus companheiros receberam o baque com exclamações de dor abafadas feito um soco no estômago.

E não acabou por aí: duas grandes pinças negras pertencentes a dois escorpiões diferentes penetraram a pequena entrada da concha violentamente, destruindo a estrutura frágil do fóssil e arregaçando completamente a passagem forçando a entrada, abrindo e fechando seus alicates dentados e letais. Um golpe daquelas aberrantes tesouras deceparia um braço facilmente como fosse feito de papel, partiria um frágil humano ao meio com facilidade.

O Apocalipse Club não se deixou tomar pelo medo. Apesar do pouco espaço que lhes restara para se movimentar, Augusta e Donnick puxaram seus lasers e iniciaram uma série de tiros certeiros que sequer arranharam a carapaça, o máximo de efeito que conseguiram foi chamuscar os pequenos pelos aveludados que cobriam toda a superfície escura do corpo das feras. Ray Ann desembainhou seu sabre eletrificado com um estalido potente e iniciou uma esgrima nervosa contra as duas pinças da morte, saindo completamente em desvantagem por se tratarem de quatro lâminas contra apenas uma, a eletricidade de seus golpes sequer faziam-nas recuar. Estariam eles perdidos?

- Afastem-se! – gritou Pietro em meio aos gritos e aos guinchos das criaturas do lado de fora. Puxou a arma das costas, apoiou no ombro, engatilhou e mirou. – vamos ter espetinho de escorpião pra janta hoje! – riu, sarcástico. – que nem na China!

“Puxe e solte” fez a voz da Sybila em sua cabeça. Ele assentiu rígido e determinado, as pinças estavam a poucos centímetros de picá-los em vários pedaços. E então aconteceu: ele puxou uma espécie de gancho lateral como se puxa a marcha de um carro, a arma vibrou potente zunindo feito turbina de avião, um zunido sônico ensurdecedor ecoou nas paredes espiraladas da concha fossilizada. Um medidor verde à altura de seus olhos apitou quando atingiu o seu limite, uma esfera vermelha que piscou três vezes alertando-o para que soltasse o gancho. Os oito canos da arma haviam canalizado todos os átomos da atmosfera ao redor numa e concentrado uma massiva esfera de energia sibilante que soltou-se ao ricocheteio da alavanca, explodindo contra as duas pinças afiadas fazendo-as em pedaços.

A energia gerada impulsionou Pietro para trás e empurrou todo o grupo às suas costas contra a última volta da concha, que praticamente cristalizada espatifou-se em milhares de cacos revelando um verdadeiro precipício, um fosso oculto pelas eras de transformação daquele planeta. Donnick que era o último do grupo não sustentou todo o peso daqueles corpos impulsionados para trás e caiu, seguido por Ray, Fábia, Christopher e Augusta. Pietro foi o último a dar adeus para a superfície e abraçar as profundezas de um poço sem fundo. Tudo foi escuridão e queda então.



♦ ♦ ♦

Após ser lançado para trás pelo peso do corpo de Augusta e perder o chão em que pisava completamente, aquele que costumava ser o Professor Umbrella tateou freneticamente o vazio em busca de apoio, de algo em que se agarrar, se fixar e parar a queda. Donnick não estava mais por perto, e não havia nada além de trevas puras, suas mãos fechavam-se no ar denso e poeirento desesperadamente. Se ele não usasse luvas, na certa teria no mínimo arranhado a palma das suas mãos com as próprias unhas.

Os gritos de seus companheiros abafados pelas máscaras de oxigênio (que mais lembravam o focinho de um ancestral vilão de um filme de ficção científica) foram ficando mais distantes, ecoando nas paredes de uma caverna que pareceu infinita enquanto ele escorregava de costas sobre uma superfície lisa como o túnel de um tobogã. Mas desta vez ele não estava em nem um parque aquático. Mãos tentaram segurá-lo e ele buscou agarrar-se à elas sem sucesso, e elas passavam por ele tão rápido que seus reflexos imediatos de nada adiantavam. O fim foi uma guinada brusca para cima que o lançou no ar como a carcaça de um peixe, seu estômago deu voltas completas em torno de si. Por fim ele estava livre, em queda livre, totalmente livre de paredes ou superfícies, caindo como na escuridão como nos pesadelos.

Quando seu corpo atingiu por fim uma superfície macia e esponjosa ele mal pode acreditar. Mal pode acreditar que seus ossos não haviam sido feito em pedaços pela queda, e sequer foi capaz de assimilar as estranhas bolotas felpudas que levantaram voo ao seu baque contra a superfície onde elas descansavam, perdendo-se nos vapores pesados e úmidos da caverna. Onde ele estava? Ainda podia ouvir os gritos distantes dos seus amigos e alguém pedindo para que ficassem calmos em suas cabeças. Hikikomori estava tentando quebrar a barreira do pânico à força para tentar apaziguá-los. Ecos de vozes e guinchos distantes de aves e animais indistintos ocupavam seus ouvidos na escuridão agora. Algo bateu asas logo ao seu lado, grasnou e fugiu apavorado à sua presença.

Ele estava tonto demais para levantar, permaneceu ali por um momento enquanto aguardava pelo pior, mas nada aconteceu. Silêncio total.

O silêncio foi quebrado aos poucos pelo som distante de uma multidão, que com a devida atenção prestada tornou-se uma ruidosa queda d’água a não muitos metros de distância. Aquilo o reconfortou, pelo menos havia água ali! Se ele estivesse perdido, pelo menos de fome não morreria. O calor e o cansaço do deserto agravados pelo pânico causado pelo surgimento dos escorpiões gigantes e a queda no vazio das trevas foram tão fortes unidos contra ele que Christopher nem foi capaz de notar o desmaio chegando aos poucos enquanto seu corpo relaxava numa espécie de torpor momentâneo. Ele queria se levantar, queria olhar ao redor, mas não conseguia mover um músculo. Apagou.

Ao se acordar novamente com o doce chamado de uma distante e terráquea mãe ao pé de seu ouvido, praticamente saltou para fora de seu leito profundo. A superfície macia na qual ele tinha caído havia sulcado-se sob a pressão do seu peso, afundando aos poucos, praticamente fechava-se sobre ele quando despertou. Espantou-se ao constatar que o céu estava completamente estrelado acima da sua cabeça, e nossa, como eram belas as estrelas daquele mundo! Tão próximas, grandes e gordas que ele poderia tocá-las! Não havia sinal algum daqueles dois malditos sóis cruéis que castigavam a superfície do planetoide em nenhum horizonte, nenhuma direção.

Imaginem o espanto do reles humano que havia adquirido o título nato de Cavaleiro de Ouro há poucas horas quando se deu conta de que o que lhe banhava de brilho e cintilava na escuridão acima da sua cabeça não se tratavam de estrelas, e sim pedras preciosas. Milhares de milhões delas, inúmeras pedras preciosas cobriam um teto alto, irregular e por vezes abobadado em sua extensão. Aquele teto era tão alto, mas tão alto que se passava facilmente por céu aos que permaneciam grogues após uma longa queda nas profundezas daquelas cavernas enquanto os olhos se habituavam à luz. Só assim ele foi capaz de perceber que não havia um único centímetro daquilo que lhe cobria feito de rocha fundida. Tudo, absolutamente tudo ali era feito de uma espécie de cristal negro que refletia as cores do arco-íris à luz fraca que brutas pedras fluorescentes produziam enraizadas nas paredes da câmara colossal, rachando para fora dos invólucros preciosos à sua volta e iluminando tudo.

Só após deliciar-se com aquela visão do paraíso que ele enfim olhou para baixo, para os seus pés e para toda a extensão de mundo que seguia em todas as direções para onde se olhava. Enormes montes vermelhos salpicados por pontinhos felpudos brancos protuberantes. O espaço entre essas protuberâncias salientes era pouquíssimo, de modo que a paisagem parecia mais um enorme campo vermelho repleto de dentes de leão. Pelo menos era o que ele pensava até ver um longo pescoço roxo cheio de listras verde-neon despontar entre os montes. Algo semelhante a uma girafa lambia e devorava tranquilamente as bolinhas felpudas que repousavam sobre um dos montes. Quando a coisa terminou a refeição e abriu caminho entre os morrinhos vermelhos ele pode perceber que estava de pé sobre um cogumelo gigante! Só percebeu isso graças aos caules brancos e grossos que ficaram à mostra durante a passagem do bicho-girafa. Uma floresta infinita de cogumelos!

Mais ao longe, palmeiras cor-de-rosa com folhagem semelhante às das samambaias terráqueas despontavam aqui e ali. Pássaros turquesa com dois pares de asa diferentes saltavam de uma copa à outra em algazarra, risadas divertidas ecoavam nos cristais luminescentes das paredes infinitas enquanto uma queda d’água estuprava a escuridão entre duas torres de cristal e derramava suas águas cristalinas e mornas em um lago transparente de fundo caleidoscópico há alguns metros dali. Ele poderia chegar lá num pulo se seguisse caminho margeando o pequeno regato que cortava a floresta de cogumelos. O ar estava carregado pela umidade, o suor lhe escorria por todo corpo agora... Espere um instante, risadas?!

“Às suas costas!” era a voz de Hikikomori em sua cabeça outra vez. Mas agora ela usava uma entonação que nunca havia usado! Parecia estar alegre, divertida até!

Christopher virou para trás rapidamente dando de cara com Pietro, Augusta, Fábia e Hikikomori há poucos chapéus de cogumelo de distância dele. Assim, Christopher saltou de cogumelo em cogumelo levantando nuvens de esporos brancos e felpudos no ar em direção aos seus companheiros. As bolotas peludas tinham o tamanho de bolas de golfe! O até então Professor Umbrella sequer percebeu que havia perdido sua foice negra...

- Escaparam senhora! – Fafis entrou aos guinchos na câmara dos pilares, seu rabinho de rata serpenteava nervoso cortando o ar feito um chicote enquanto suas mãozinhas delicadas tentavam manter o capuz sobre o seu focinho pontiagudo – escaparam os escorpiões e agora estão nas cavernas! Como procedemos então?!

A nova Arquiduquesa gargalhou alto, e sua risada tiniu nos cristais das paredes reverberando por uma extensão inteira dos túneis.

- Confesso que não esperava que Hikikomori tivesse companhia. De qualquer modo, as feras das florestas tomarão conta dos nossos hóspedes com muito prazer! O importante é que eles não cheguem às minhas minas em hipótese alguma – a criatura enfim levantou-se do trono, indo para a luz fraca dos cristais multicolores resplandecentes. Tinha assustadores três metros de altura e usava uma alegoria negra em forma de arco na cabeça, ocultando alguma anomalia de seu corpo alienígena que ela pretendia esconder nas sombras até o último momento. Um véu comprido caía do alto da coroa em cascata, cobrindo seu rosto. Seu corpo feminino estava coberto por uma malha transparente que expunha os mamilos roxos dos seus murchos seios. Apesar de viver no interior das cavernas, a cor natural de sua pele escamosa se mantinha: morena dourada. – estamos entendidas, Fafis?

A rata curvou-se.

Que ser terrível era aquele? Quem era a governante dos labirintos de cristal?


Continua...












definitivamente meu capítulo favorito =^.^=

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Cale a Boca e Escute: ELLIE GOULDING



Hey, Pessoal! Final do ano passado e comecinho desse ano me cobraram várias vezes um especial do "Cale a Boca e Escute" com essa lindona aí de cima. Escuto o "Lights" (seu début) desde meados de Março de 2011, mas nunca havia me passado pela cabeça antes colocá-la aqui no blog, por puro desleixo e preguiça mesmo. Depois de ser tão pressionado (oi Vitor tudo bom? rs) aqui está!

Uma das minhas cantoras favoritas, dona de uma voz doce e singular, nascida em Hereford, Inglaterra, no dia 30 de Dezembro de 1986, filha de Arthur e Tracey Goulding. Ellie é a segunda de quatro filhos. Foi educada na Lady Hawkins School em Kington, Herefordshire e Sixth Form College Hereford, antes de passar para a Universidade de Kent, onde foi a aconselhada a tirar um ano de intervalo para poder exercer seu talento.

Ellie começou a tocar clarinete e guitarra e escrever suas próprias músicas aos nove anos de idade. Enquanto freqüentava a Universidade de Kent para estudar dramaturgia, e era exposta a música eletrônica. Ela desenvolveu seu som, inicialmente, com a ajuda de Frankmusik na música Wish I Stayed (que você confere logo abaixo), e, posteriormente, com Starsmith, que se tornou seu colaborador chefe e principal produtor de seu primeiro álbum, Lights. Isto resultou em sua saída da universidade após dois anos de estudo, e um de intervalo com seus tutores, se mudou para West London.

Ladies and Gentlemens, Ellie Goulding!



Wish I Stayed

Why can't we speak another language, one we all agree on?
Why when men look outside, do they see houses?
Instead of the fields they grew from
We are constantly uprooted from them, making us tiresome so fearful
Can you get up right now, endeavor to freefall

'Cos you can fall if you want to it?s just a matter of how far
You've treasured our home town
But you've forgotten where you are
And it will stay with you 'til you're mind's been found
And it has been found wondering around

With that skipping rope, the trampoline
The crafty smoke that made us chokes
But we didn't give up hope
It's just the simple ways, of getting paid
The carelessness of running away
I wish I stayed
I wish I stayed
I wish I stayed

Patterns all arranged in my background
It's pillars and posts keeping this country on form
Letters were all sent with no addresses
So that people can't discover
Always undercover
Why do I always draw triangles?
Instead of words this paper so deserves

'Cos you see I don't own my clothes but I own my mind
It?s not what you've lost but it's what you find.

With that skipping rope, the trampoline
The crafty smoke that made us chokes
But we didn't give up hope
It's just the simple ways, of getting paid
The carelessness of running away
I wish I stayed
I wish I stayed
I wish I stayed

Cos you can fall if you want to
It's just a matter of how far
You've treasured our home town
You've forgotten where you are
And it will stay with you 'til you're mind's been found
And it has been found wondering around

With that skipping rope, the trampoline
The crafty smoke that made us chokes
But we didn't give up hope
It's just the simple ways, of getting paid
The carelessness of running away the only
Wish I stayed

I wish I stayed
I wish I stayed
I wish I stayed
I wish I stayed

Queria Ter Ficado

Por que não podemos falar em outra língua, uma em que todos nós concordamos?
Por que quando homens olham para fora, eles vêem casas?
Ao invés dos campos de onde eles vieram
Estamos constantemente desenraizados por eles, deixando-nos cansativos, tão temerosos
Você pode se levantar agora, se esforçar para a queda livre?

Porque você pode cair se quiser, é só uma questão de quão longe
Você considerou valiosa nossa cidade natal
Mas se esqueceu de onde está
E isso continuará com vocês, até que suas mentes sejam encontradas
E foram encontradas, imaginando ao redor

Com aquela corda de pular, o trampolim
A fumaça astuta, que nos fez sufocar
Mas nós não desistimos da esperança
São apenas os jeitos simples, de sermos pagos
O descuido de fugir
Queria ter ficado
Queria ter ficado
Queria ter ficado

Padrões arranjados no meu segundo plano
São pilares e postes, mantendo o país em forma
Cartas sendo mandadas sem endereço
Para que as pessoas não descubram
Sempre secretas
Por que eu sempre desenho triângulos?
Ao invés de palavras que este papel merece

Porque você vê que eu não possuo minhas roupas, mas possuo minha mente
Não é o que você perdeu, mas o que você acha

Com aquela corda de pular, o trampolim
A fumaça astuta, que nos fez sufocar
Mas não desistimos da esperança
São só os jeitos simples, de sermos pagos
O descuido de fugir
Queria ter ficado
Queria ter ficado
Queria ter ficado

Porque você pode cair se quiser
É só uma questão de quão longe
Você considerou valiosa nossa cidade natal
Se esqueceu de onde veio
E isso vai ficar com vocês, até que suas mentes sejam encontradas
E elas foram, imaginando ao redor

Com aquela corda de pular, o trampolim
A fumaça astuta, que nos fez sufocar
Mas não desistimos da esperança
São só os jeitos simples, de sermos pagos
O descuido de fugir, o único
Queria ter ficado

Queria ter ficado
Queria ter ficado
Queria ter ficado
Queria ter ficado



sábado, 11 de fevereiro de 2012

Hey, Pessoal!



O blog está bem devagar, não é mesmo? Quase brecando. E é esse o caminho pelo qual ele vai seguir até que pare por completo. Estou fazendo um esforcinho pra escrever Space Oddity que tem previsão de fechar com 22 capítulos em seu total, lá pro final de março ou abril. Depois disso, pretendo "re-lançar" Yellow com capas novas e mais bem produzidas (perceberam como melhorei o design das capas em S.O.? eu particularmente estou achando o máximo), com alguns "comentários do autor" no final de cada capítulo e modelos reais que representem Frederico e Amélia da forma mais fiel possível nas futuras capas.


Depois disso temos a minissérie "O Deus Que Virá", um spin-off de Yellow e Oráculo das Feras que foi esboçado no comecinho do ano passado, mas não tive coragem de terminar, e aí então teremos o fechamento oficial das cortinas do show. Não se preocupem, as histórias, os textos, os artigos e tudo o mais continuarão aqui disponíveis para quem quiser conhecer um pouco mais do meu trabalho fora o que já foi publicado (As Dellabóboras), vou organizar a página inicial para que seja uma espécie de "guia" do blog com links, imagens e resenhas de tudo o que já foi publicado periodicamente por essas páginas desde a Páscoa de 2009, vai ficar uma coisa bem bacaninha, vocês vão gostar, tenho certeza!


Temos 2012 inteiro pela frente, e coisas muito legais ainda virão, só tenham paciência ^_^


Até mais!



XOXO

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

PARTE OITO: O CAVALEIRO DE OURO!


- MALDITO! MAL-DI-TO! – Aib’Somar em sua forma demoníaca urrava cuspindo fogo pela boca, as mãos monstruosas tapavam os buracos flamejantes deixados por seus olhos estourados com força. Cambaleava tonta de um lado para o outro da arena, caindo sobre a estrutura das arquibancadas e destruindo o que restava do lugar onde todas as rixas do universo terminavam. O homem com cabeça de tubarão já não respirava mais, seus olhinhos escuros e perolados estavam congelados e sua bocarra cheia de fileiras mortais de dentes jazia completamente aberta.

Aos poucos a arquiduquesa foi voltando ao seu tamanho normal e logo era uma anãzinha chifruda novamente. Seus cabelos cor de pelo de macaco estavam completamente desgrenhados e suas vestes imperiais brancas totalmente rasgadas e chamuscadas, apenas a chama entre seus cornos continuava uma labareda nervosa. Cega e furiosa.

- Minha senhora! Minha adorada senhora! – Arganack surgiu planando montado numa espécie de disco branco controlado por duas alavancas nas quais suas mãos membranosas repousavam – nosso galpão sofreu uma infestação instantânea de Hwangsaegs! Milhares deles, senhora!

- E PORQUE VOCÊ NÃO SE LIVROU DELES SOZINHO?! – a arquiduquesa tirou as mãos do rosto por um único momento para gesticular furiosa, exibindo as enormes cavidades abertas ali por seu adversário em um último esforço para derrotá-la – ESTOU CEGA AGORA! CEGA! NÃO POSSO FAZER NADA! ESTOU CEGA!

- Por Dunjung’han! Como isto foi lhe acontecer, soberana?! – Arganack levou suas barbatanas à boca, horrorizado.

- DESÇA JÁ DAÍ E ME AJUDE, SEU PALERMA! ARGH! – ela se retorcia de joelhos em agonia, numa dor insuportável e indescritível.



♦ ♦ ♦




- Aqui! O elevador que Hikikomori nos indicou! – Ray Ann estancou diante de um enorme portal circular coroado por dois chifres pontiagudos em alto relevo na parede vermelha e metálica.

- Esse lugar me parece o labirinto de Creta do filme do Minotauro, é apavorante! – Fábia estava encolhida contra as costas de Augusta.

- Este é o final do corredor, não há mais nenhuma porta aqui, só pode ser este então o elevador para o laboratório!

Ray Ann olhou ao redor.

- Tem razão Guta, a não ser que tenhamos de chafurdar pelos respiradouros...

- NEM PENSE NISSO! TÁ DOIDA?! – Augusta jogou os braços para o ar, nervosa. – me recuso a passar por isso de novo, vai lá saber o que não mora nas tubulações dessa nave!

- Tudo bem, então...

Um raio de luz azul iluminou o rosto das três, vinha de um facho luminoso que estava atravessando o portal na diagonal, dividindo-o ao meio. As duas partes iguais se separaram abrindo espaço que elas adentrassem no elevador por fim.

- Prontinho! – Ray sorriu e juntou as mãos – menos um problema!
Entraram praticamente juntas, e viram de perto a porta se materializar outra vez, trancando-as dentro de um ambiente vermelho e apertado.



♦ ♦ ♦




O corredor aparentemente sem fim abriu-se então em um enorme salão escuro fantasmagórico onde jaziam empalhadas criaturas hediondas em posição de ataque. Todas elas estavam suspensas e levitavam em um determinado círculo sob plataformas brancas e redondas que produziam uma luz vermelha infernal refletindo de baixo para cima, formando sombras apavorantes no distante teto da nave. Monstros tão assustadores e perturbadores quanto, ou até mais que aqueles deixados para trás, na arena.

- Parece que encontramos o salão de caça da Aib’Somar... – Pietro aproximou-se de uma das criaturas empalhadas. Esta tinha o dobro do tamanho dele, e ele era um rapaz tremendamente grande, quase tão grande quanto o Professor Umbrella. Entre as criaturas um extenso tapete preto dividia o amplo salão redondo em dois lados, no final daquela passarela demoníaca repleta de pavores alienígenas à espreita havia uma pesada porta vermelha perfurada de cima abaixo por gigantescos parafusos prateados colocados num padrão perfeito enfileirado.

- Não é a porta de entrada pra última fase do Super Mario?! – Donnick começou a rir apontando o final do corredor – será que vamos encontrar o Bowser do outro lado?!
Pietro e Christopher se entreolharam confusos.

- Tudo bem, foi só uma piadinha tosca, vamos logo ao que interessa, temos que ser rápidos!
Mesmo receosos, eles atravessaram o corredor das abominações passo após passo temendo surpresas, armadilhas que os estivessem esperando na metade do caminho, porém nada aconteceu. Ao alcançarem a misteriosa porta dupla vermelha colossal – que mais lembravam os portões do inferno – o grande dilema pairou como uma pesada nuvem de chuva: como abri-la? Apesar de a nave não parecer tão grande por fora, seu interior aparentava ter o triplo do tamanho original e não condizia com a estrutura em forma de ferradura, o que levava imediatamente a calcular que o povo de Taurus talvez possuísse uma espécie de controle sobre a expansão e a compactação do espaço físico. Coisa que ainda estava em fase de estudos na Terra. E este paradoxo do tamanho refletia de forma monstruosa sobre aquela porta: ela tinha o tamanho de um prédio de quatro andares e a largura de um ônibus.

- Deve haver algum tipo de mecanismo para abri-la... – Donnick analisava a estrutura de cima a baixo com a mão no queixo, de braços cruzados enquanto Pietro e Chris tocavam os “animais” empalhados com curiosidade.

- Pode haver uma palavra chave! – exclamou Chris enquanto cutucava as presas de uma espécie de gorila roxo exatamente como aquela vista na arena. Talvez fossem parentes. Pietro absorto admirava uma espécie de lagarto peludo bípede com cabeça de periquito e olhos esbugalhados.

- Tem razão...

“Faça um triângulo, um círculo, um triângulo e um xis com as mãos voltadas para o portal” a voz de Hikikomori surpreendeu a todos ecoando no vazio. Os dois distraídos receberam-na com espanto “as garotas chegaram ao laboratório, logo farei companhia a vocês”.

Donnick franziu o cenho confuso e seguiu as coordenadas sem muitas cerimônias, e eis que com um ranger semelhante ao roncar do estômago de um dragão, os portões para a grandiosa sala de controle se abriram, revelando mais um amplo salão circular com enormes telas côncavas de alta definição ocupando-as de uma ponta a outra. Mostravam cenas do universo lá fora: mapas da constelação de Taurus em 3D com cada planeta e cada asteroide marcado, seus nomes e dados ao lado flutuando em balões no mundo digital, piscando eternamente na imensidão infinita. As mesas de controle que ficavam logo abaixo destes telões eram sucessões de botões, radares e telas de touch-screen em sua maioria, o que dava um ar de alta tecnologia àquele vermelho lugar. No centro dele, um enorme trono oval coroado por dois chifres flutuava solene.

- Uau. – foi tudo o que o capitão conseguiu dizer.

Os telões mudaram para mostrar então o exterior da nave: milhares de criaturinhas asquerosas escalando centímetro por centímetro, tentando encontrar uma brecha para entrar, rastejando contra o casco metálico do transporte interestelar em formato de ferradura. Um dos telões também mostrava a situação da arena, completamente destruída enquanto o atrapalhado Arganack tentava ajudar uma furiosa – e cega – Aib’Somar.

- Temos que dar um jeito de por essa bagaça pra funcionar, ou estamos fritos! – exclamou Pietro aproximando-se dos painéis.



♦ ♦ ♦




As portas do elevador se abriram outra vez após um curto intervalo onde as garotas permaneceram quietas, imóveis enquanto ouviam o mugir distante de vacas no pasto.

- Sério que a música de elevador deles é essa? – Ray fez uma careta. Augusta deu de ombros e Fábia estufou um lado da bochecha, distraída.

Aquele era o laboratório então. Parecia mais uma dimensão paralela infinita, elas sequer enxergavam o teto, tudo era escuridão. O lugar parecia não possuir paredes, tudo o que havia era um horizonte infinito de mesas de escritório e vastas bancadas repletas de tubos de ensaio e computadores de última geração. Mecanismos intrincados e tubulações misturavam-se aos enormes tanques de vidro onde estranhos organismos nadavam ou apenas descansavam em conserva, adormecidos. Estranhas criaturas em um estágio fetal dividiam espaço com robôs grandes e pequenos em observação para futuros testes sob a escuridão de um teto distante e invisível. Parecia um campo artificial a céu aberto, não havia aquela sensação de lugar fechado, de estar “dentro”, era mais como estar misteriosamente do lado de fora.
Quem trabalhava ali? Quem operava naquele laboratório? Onde estava a tripulação da nave? Aquilo era tão estranho.

Aquele lugar dava arrepios, os espectrais azulejos esverdeados que cobriam o chão do laboratório brilhavam no escuro dando-lhe um ar lúgubre, fantasmagórico e ao mesmo tempo ultra tecnológico, moderno. A sensação de perigo e restrição que o ambiente interno da nave mãe passava era muito mais forte ali dentro, o lugar tinha uma atmosfera pesada de “proibição”, era como se só o fato de estar ali fosse um erro tremendo, mortal. A grande vontade das três garotas era virar as costas e sair correndo, jamais voltar ali novamente. Encarar aquelas criaturas enormes flutuando em líquido amniótico era angustiante, elas poderiam abrir os olhos a qualquer momento!
“Sigam em linha reta e me encontrarão adormecida em uma das Cápsulas. Não toquem em nada, em hipótese alguma”

- Ouviu bem, Fábia?! – Ray olhou para trás no exato momento em que a rechonchuda garota de curtas madeixas em lavanda se inclinava sobre uma mesa para ver mais de perto uma experiência dissecada deixada pela metade.

- SIM! SIM! – ela pôs-se ereta rapidamente e mecanicamente virou-se para frente, com os olhos vidrados e as mãos coladas ao corpo. Atravessaram então o infinito salão dos laboratórios na pontinha dos pés, com medo de despertar qualquer coisa que estivesse adormecida naquele universo à parte, fazer soar alarmes invisíveis que se ativariam a menor respiração mais forte, os olhos das três garotas vasculhavam o mundo fantasmagórico com receio e curiosidade ao mesmo tempo. Um misto de emoções que cessou quando Ray Ann deu de cara com um campo de força invisível, as outras pararam logo atrás no mesmo instante em que viram a passagem ser obstruída por algo semelhante a uma parede de vidro.

Após aquele campo de força não havia nada, apenas escuridão. Até os enormes azulejos do piso que agora oscilavam entre o turquesa e o jade desapareciam após ele.
Para o espanto das jovens, símbolos estranhos começaram a se formar no ar diante de seus rostos, na superfície que a uma segunda olhada mostrava-se espelhada, revelando ser realmente uma espécie de vidro em perfeito estado de translucidez.

- Acho que está pedindo senha – Fábia esticou o dedão em direção à tela touch onde quadrados e retângulos dançavam entre os ideogramas de um tipo alienígena de coreano. – que estranho! Esse alfabeto alienígena parece tanto com o Hangeul, mas ao mesmo tempo é escrito de forma tão diferente!

- Como você sabe tanto a respeito do assunto, Fábia? – indagou Ray pondo-se de pé com a ajuda de Augusta. A pobrezinha esfregava o nariz arrebitado agora vermelho pela pancada contra o vidro.

- Meus pais moraram na Coréia durante a minha infância, completei meus primeiros anos de escola por lá, então ainda sei algumas coisas... – rapidamente, seus dedos gordinhos começaram a brincar com os símbolos que surgiam na superfície de vidro, e em poucos segundos uma passagem redonda começou a se abrir diante das três gradativamente. Logo, uma passagem havia surgido. Do outro lado, nada além de escuridão.

Fábia olhou para trás.

- Quem vai primeiro? – perguntou.

- Ora, foi você que abriu, então porque não entra primeiro? – fez Augusta, nervosa.

Fábia deu de ombros e então, pé após o outro, passou para o lado de lá. Imediatamente as luzes do laboratório às suas costas apagaram, como se o azulejo resplandecente fosse perdendo o brilho gradativamente até desaparecer completamente, e para espanto geral, quadrados de luz vermelha acenderam-se no piso logo à frente, no território que Fábia havia acabado de invadir. Logo então havia um piso reluzente como anteriormente, só que tingido de um carmim fluorescente e sangrento, acentuando as estranhas estruturas orgânicas que erguiam seu flanco acima do chão como troncos feitos de uma carne escura, escamosa e pulsante.

Na “copa” destes estranhos troncos retorcidos de carne haviam enormes casulos amarelos repletos de bolhas transparentes que revelavam seu conteúdo gelatinoso onde estranhos corpos revolviam-se calmamente, postos para dormir um sono sem fim onde toda a sua energia é absorvida para alimentar a nave e servir de combustível para mantê-la em operação constante e eterna. Prisioneiros de Aib’Somar recolhidos dos cantos mais remotos do universo repousavam sob sua vista rigorosa ali naquela câmara dos horrores.

- Isto é... peculiar... – exclamou Ray fazendo uma careta.

- Isso é um nojo! – bradou Augusta afastando-se de um dos casulos gotejantes.
Fábia simplesmente apoiou as mãos nos joelhos e vomitou. Aquele lugar cheirava a ferida, ferida aberta há dias, com os tecidos se reconstruindo aos poucos, exalando um odor de carne queimada e Rifocina desagradáveis.

“Eu estou aqui!” um dos casulos reluziu num violeta fraco, tentando sobressair-se na câmara escura. A iluminação era perfeita para marcar momentos com nitrato de prata. Ray Ann então puxou um canivete do bolso – surgido das trevas! – e iniciou o trabalho sujo, abrindo um corte profundo e comprido na superfície macia e asquerosa, litros daquela substância amarelada do interior do casulo brotaram do rasgo aberto. Sua consistência era a de um creme pesado e oleoso. Ray Ann então enfiou os dois braços até os cotovelos dentro daquela coisa e revolveu seu conteúdo, agarrando-se a algo sólido e puxando aquilo para fora com força. Hikikomori foi ao chão feito uma vitela, o casulo apagou-se e secou instantaneamente até virar uma casca seca e áspera diante dos olhos de todos.

Seu corpo então desfez-se numa revoada de mariposas que envolveu as três numa nuvem de asas farfalhantes. Segundos depois, se encontravam no centro do salão de controle da nave mãe do império de Taurus.

- Temos de sair de Hyeol-Aeg agora mesmo – a última revoada de saturnídeas deu origem aos cabelos esvoaçantes de Hikikomori, que a passos largos cobriu rapidamente a distância até as mesas de comando, afastando Pietro e Chris para o lado com a força de um pensamento e iniciando os procedimentos para decolagem sem sequer tocar em um único botão, movimentando os dedos como um maestro. Parte dos telões mostrava o exterior da nave e outra parte exibia comandos, letras, algo semelhante a números, imagens em 3D dos motores e dos mecanismos numa velocidade absurda.

Lá fora, na superfície rochosa do asteroide terraplanado, o chão poeirento e morto de Hyeol-Aeg abria-se para dar passagem ao grande cruzeiro espacial em formato de ferradura que vinha das profundezas do hangar da frota do império. O Apocalipse Club estava em fuga!

- MINHA NAVE! A MINHA ESPAÇONAVE! – urrou Aib’Somar ao avistar ao longe a nuvem de poeira se erguendo acima dos picos azulados e pontiagudos das pequenas cordilheiras cintilantes daquele micro planeta irregular. A essa altura seus olhos já haviam se regenerado completamente. – MINHA CENTRAL DE COMANDO! MEU QUARTEL GENERAL! A BASE DO MEU IMPÉRIO! MINHA COLEÇÃO DE REVISTAS DO GLOBO RURAL! M-A-L-D-I-T-O-S SEJAM! – seus punhos minúsculos socavam o cocuruto de peixe de Arganack, que reagia com gemidos baixinhos e submissos. Os dois voavam a toda velocidade em cima da “prancha” prateada, mas jamais conseguiriam alcançar a nave a tempo.

Atrás deles, os restos do coliseu em chamas explodiam lançando labaredas de chamas púrpuras para cima, danificando a estrutura da cúpula por dentro. Em poucos instantes não haveria mais atmosfera artificial na superfície daquele planetoide: o domo superaqueceria por dentro e explodiria mesmo que a ferradura dourada gigante não o quebrasse e escapasse para o espaço sideral tendo Hikikomori e seus protegidos em seu interior.

- MALDIÇÃO!

Tudo então foi preenchido pelo vácuo, todo o corpo orgânico que ali restava inchou feito um balão e explodiu, espalhando carne em todas as direções, esticando e retorcendo. Pequenas explosões programadas para emergências como aquelas destruíram a superfície do astreoide aos poucos, até já não restar mais nada. Nem um par de chifres para contar história. O império de Taurus chegara ao fim.



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Hikikomori permaneceu parada diante do telão côncavo principal. Todos eles dobravam-se às curvas da parede redonda do salão circular, o cérebro da nave, a luz ali era vermelha exatamente como em quase todos os seus corredores e câmaras. enquanto seu corpo gigantesco se distanciava do asteroide que se autodestruía logo atrás, o Apocalipse Club observava mudo ao fim do reinado tirano da Arquiduquesa Aib’Somar sob a constelação de Taurus e suas similaridades, sendo exibido como o desfecho de um filme de ficção científica em quase todos os enormes monitores, projetando seu reflexo sob a plateia silenciosa.

- Agora está na hora do nosso acerto de contas – o Professor Umbrella foi o primeiro a quebrar a pedra de gelo que havia se formado ao redor do grupo. Todos eles permaneciam estáticos em seus lugares, a anestesia da adrenalina momentânea estava passando e a realidade cobria-os aos poucos com seu manto gelado. Eles estavam perdidos no meio do espaço tendo como única fonte de respostas uma alienígena chamada Sybila Hikikomori, que até o momento não havia revelado suas verdadeiras intenções quanto ao grupo. Amiga ou inimiga? O que ela pretendia e por que os estava ajudando? Para onde ela os estava levando?
Ela virou-se serena e vagarosamente em direção aos seis rostos humanos. Neles estavam expressas emoções como numa folha em branco amassada. Medo, desamparo e angústia dividiam o mesmo espaço tristemente. Os longos cílios da Sybila subiram e desceram graciosamente, ela juntou as mãos diante do peito.

- Então chegou o momento – disse. E iniciou uma longa explicação sobre o início daquela era de trevas que cobriu o universo aos poucos e instaurou o terror e medo nos corações puros dos habitantes de cada planeta, de cada galáxia. Coisas que aconteceram no tempo antes do tempo, quando o planeta Terra ainda era uma massa disforme de gás e matéria em rebuliço. Contou-lhes sobre a doce Princesa Azura e como ela se tornou uma cruel Imperatriz, contou-lhes sobre os nove Arquiduques nomeados para representá-la em nove grandes áreas do universo como tentáculos escuros estendidos sobre a paz que antes reinava nele.

- Eu fui uma Arquiduquesa também – disse ela, surpreendendo a todos repentinamente. O modo como ela contava a história, seus gestos, sua fala, sua entonação, tornava tudo tão real que era difícil duvidar da veracidade daqueles fatos fantasiosos e oníricos. – minha mãe, Sybila Alethea, foi uma espécie de conselheira do império. Nenhuma decisão era tomada pelos pais de Azura e seus antepassados sem antes consultá-la, e quando Azura foi tomada pela Matéria Escura oriunda do buraco negro, uma das suas primeiras decisões foi mandar executá-la.

“Mamãe poderia ter escapado, poderia ter fugido, poderia ter driblado o mal e escapado para uma lua distante onde viveria o resto dos seus éons em paz. Porém, ao ver a íris dourada da princesa perder a cor até tingir-se de um violeta frio e apagado, ela soube que seu momento havia chegado, então se dissolveu até desaparecer por completo. Era hora de se juntar às estrelas. De verdade. Eu a substituí imediatamente e ganhei o título de Primeira Arquiduquesa. Minha missão era esta, sempre fora. Proteger a princesa e estar ao lado dela onde quer que fosse, guiá-la e velá-la não importasse sua condição. Servi-la a qualquer custo. Então eu não tive escolha senão me tornar parte de seu império cruel.”

“Isso sempre despertou inveja nos outros Arquiduques nomeados posteriormente, principalmente em Aib’Somar. Porém isto nunca foi um problema, eu sempre fui mais poderosa que todos eles reunidos, se me encontro neste triste estado é pela ausência da Princesa... Quando ela desapareceu, os Arquiduques se reuniram e tramaram um golpe que tomou minha terça parte dos exército de androides e as áreas do universo sob o meu controle. Eles precisavam de uma desculpa para tal, então usando como argumento minha relação com Sybila Alethea, ordenaram minha captura e deixaram a missão sob a jurisdição de Aib’Somar...”

- Isto é uma triste história... – Fábia abaixou a cabeça tristemente. Christopher observava-a em seu pesar, então virou-se em direção a Hikikomori e questionou-a duramente.

- Tudo muito triste, tudo muito trágico – disse, levemente alterado – mas o que NÓS temos a ver com isso?! Somos apenas seis humanos normais e ordinários! Estes quatro – ele apontou para seus alunos – são apenas jovens com uma vida inteira pela frente! Não temos culpa do que aconteceu ou deixa de acontecer aqui fora no universo, queremos voltar para nosso planeta, para nossas vidas, para nossas...

Um brilhou dourado rápido como um relâmpago cegou a todos repentinamente tomando o salão de uma ponta a outra extinguindo a iluminação vermelha parcialmente, originando-se do espaço que separava Hikikomori do restante do grupo, esta tinha seus braços abertos e os olhos fechados. Quando a resplandecência misteriosa cessou, em seu lugar flutuava uma caixa dourada multifacetada, revolvendo-se no ar vagarosamente numa delicadeza cheia de fragilidade, como um planeta em miniatura planando no vácuo. Uma aura dourada a envolvia, e Christopher Umbrella reconheceu aquilo, sua memória voltou em um flash doloroso feito uma descarga elétrica potente.

As imagens foram surgindo sobrepostas violentamente, aquela coisa no caixote de vidro, depois a revoada de mariposas, depois o laboratório, o pulsar dourado, a ventania misteriosa, as lembranças de algo que ele nunca viveu. Ele sentia tudo e sabia de tudo, ele tinha noção do que tinha de fazer, ele nascera para aquilo, aquela era sua missão final, a vida medíocre de professor numa universidade moderninha nunca fora seu verdadeiro propósito, e o universo como a grande consciência que é tratou de colocá-lo no caminho certo encaixando as peças de seu destino sem dificuldade alguma, ele estava exatamente onde deveria estar, na trilha certa, no caminho para o seu verdadeiro propósito.

Agora ele entendia tudo. Agora ele compreendia o vazio em seu peito, a ausência de uma razão para viver. Agora ele entendia porque preenchera o vazio em seu peito ocupando tantos anos da sua vida com estudos e mais estudos acerca do espaço e das estrelas, o modo como as coisas funcionavam ali em cima sempre o fascinou desde criança, mas conhecê-lo através de livros e imagens nunca foi o bastante, aquilo lhe causava angústia e agonia constantes. Isto acontecia porque ele estava destinado a ir até lá um dia, estava destinado a voltar ao seu lugar de origem, aonde sua alma se originou antes de se perder e nascer em um corpo humano, num planeta esquecido do resto do universo. Por um instante o vazio foi preenchido dolorosamente como uma caverna à beira mar é penetrada violentamente pelo falo vigoroso da maré cheia, com urros, uivos e gemidos guturais de protesto. Aquele rosto, aquele sorriso, aquela doce voz e os olhos dourados como os de uma leoa o instigavam e o provocavam a seguir em frente, a encontrá-la. A achar a sua outra metade.

- Agora você entende, Christopher Umbrella? – perguntou Hikikomori, com um sorriso doce e maternal de compreensão e carinho enquanto os outros permaneciam em silêncio, confusos. Ela então voltou-se para eles. – antes de desaparecer, minha mãe fez uma profecia. Sua premonição falava sobre um guerreiro que viria de um sistema solar distante para limpar as trevas que cobrem o universo com um brilho dourado nunca antes visto. Sua luz seria mais forte e mais poderosa do que o resplandecer de uma supernova, e iluminaria todo o espaço sideral quando chegasse a hora, brilhando mais do que um bilhão de estrelas reunidas. Seu brilho cegaria o mal e devolveria a visão ao bem, fazendo raiar o dia antes do alvorecer em cada planeta e lua do universo. Este é o Cavaleiro de Ouro, e ele foi incumbido no começo das eras a devolver o coração de Azura ao seu peito. Juntos, os dois seriam um só, masculino e feminino unidos para sempre, restaurando a ordem universal...

A caixa dourada revolveu-se como um cubo mágico, suas faces triangulares virando frenética e mecanicamente, abrindo-se feito uma flor e revelando seu interior dourado que guardava o órgão vital adormecido da Princesa.

- Você, Christopher Umbrella, você é o Cavaleiro de Ouro.




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- Então Aib’Somar caiu... – dedos longos e ossudos roçaram no braço úmido de um trono macio e orgânico. Aquele lugar repleto de escuridão parecia uma câmara de esgoto metros abaixo da superfície. Metais preciosos desconhecidos aos olhos humanos reluziam incrustados nas paredes enquanto pequenas criaturas peludas semelhantes à rãs saltitavam em cima dos rubros chapéus de cogumelos do tamanho de arbustos. – ela era fraca e egocêntrica, jamais deveria ter sido escolhida como uma Aib, sempre foi incapacitada de comandar...

Uma nervosa e irritante vozinha de rato quebrou a reflexão da soberana ao meio feito um biscoito velho.

- Concordo plenamente, minha senhora! Eleger o atrapalhado Arganack como braço direito foi a prova de que ela era incapacitada para...

- CALADA FAFIS! – uma enorme pedra preciosa foi atirada contra o vulto encapuzado, espatifando-se na parede logo atrás. Por pouco não o atingira. – não pedi a sua opinião, sua miserável!

- Sim! Sim! Sim senhora! – o vulto curvou-se várias vezes em respeito e submissão.

- Vá até as torres de comando na superfície e rastreie a nave mãe de Aib’Somar! Peça para que os especialistas invadam o sistema e mudem a rota dela! Quero torcer o pescoço de Hikikomori com as minhas próprias mãos e ganhar todos os méritos por isso...

Um risinho baixo foi a deixa para que o vulto com rabo de rato chispasse dali na pontinha dos pés, pulando sobre os cogumelos feito um canguru, usando-os como degraus de uma escada rumo ao pedregoso e morto mundo exterior. Lá fora, acima de vales rochosos e vertiginosos, sobre profundas crateras sombrias e pontiagudos picos ressecados formando cadeias intermináveis de montanhas tortas e irregulares, dois sóis brilhavam. O mais próximo, uma gigantesca estrela vermelha e fria, iluminava a superfície do planeta com vigor enquanto o outro, distante e azul lançava seus raios mornos através dos arcos de pedra que atravessavam as ravinas e penhascos como pontes naturais. Ao longe, duas enormes saliências de metal no horizonte equilibravam dois discos prateados onde luzes vermelhas piscavam sem parar. Alguma coisa rugiu entre os vales, e seu urro fez com que enormes pedregulhos se desprendessem das montanhas.




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- A profecia também cita quatro escolhidos, quatro guerreiros nascidos sob o brilho de uma estrela de batalha. – Hikikomori virou de costas para a sua plateia que a observava atenta, revelando suas nádegas brancas onde alguns fios repletos de pérolas repousavam suavemente. Eles quase haviam se esquecido de que ela andava seminua. – eles serão seus pés, suas mãos, seu cérebro e seus olhos, e o auxiliarão na busca pela princesa perdida... – ela abriu os braços, e os monitores rapidamente mudaram, substituindo quaisquer imagens que exibiam por um retrato de Azura sentada de lado em um trono dourado com o recosto triangular. Sua expressão era tão misteriosa quanto o meio sorriso de Monalisa, e ao mesmo tempo parecia doce e inofensiva. Olhos dourados contrastavam com a pele lisa e brilhante em um rosto levemente bronzeado. O resto eram roupas, pompa, luxo e riqueza. Como o quadro de uma monarca deveria ser.

- Esta é Azura? – os olhos de Fábia brilhavam. Augusta deu um passo à frente, encantada.

- Ela é linda! – os olhos de Ray Ann marejaram.

- Maravilhosa... – murmurou Pietro hipnotizado.

- Perfeita... – Donnick também aproximou-se mais da tela à sua frente.

O Professor Umbrella foi o único que permaneceu em silêncio, a cor sumira completamente do seu rosto, sentia-se encarando uma assombração vindoura de um passado distante, seu coração pesou feito chumbo no peito.

- Em vidas passadas vocês foram os quatro escudeiros da Princesa, nascendo em corpos diferentes a cada virada de éon, perseguindo sua sina, procurando sutilmente pelo seu destino. – ela virou-se de costas para a tela, e uma chuva de imagens intercalou-se em três dimensões numa velocidade difícil de acompanhar. Rostos, corpos, armaduras e formas brincavam na tela. – Em oposição aos Nove Arquiduques, vocês são os Quatro Duques, guerreiros que decidiram lutar pela paz no universo sempre que a oportunidade de encarnar lhes era concedida...

- Por algum motivo eu me sinto tão... familiarizada! – Fábia levou as mãos ao coração.

- É como se nós já soubéssemos o tempo inteiro que isso ia acontecer... – Augusta permanecia séria, com o cenho franzido, vasculhando cada rosto com olhos cheios de uma certeza e determinação nunca antes vista em sua expressão avoada e serena.

- Mas espere um pouco, nós somos cinco! – exclamou Ray Ann, repentinamente se dando conta do número de pessoas que ocupava aquela sala de comando. Fora Hikikomori eles eram seis, e excluindo o suposto Cavaleiro de Ouro, eles eram cinco! Alguma coisa estava errada nessa conta.

Hikikomori sentou-se calmamente em uma poltrona próxima, onde antes uma pequena toupeira já operara os controles da nave mãe. Aquela mulher era gigantesca!

- É neste ponto que o presente diverge da profecia feita por minha mãe – pela primeira vez eles viram-na assumir um manto de preocupação. – não sei em que isso implica nem o que isso significa... Não posso também dizer quais de vocês são os Quatro Duques escolhidos, não tive contato com nem um deles então não decorei a aura, a “impressão” que eles deixaram na existência...

- Como assim? – questionou Pietro, cruzando os braços.

- Qualquer criatura viva tem um propósito na vida, tem um plano na existência, isto já foi planejado antes de o universo se formar como o conhecemos hoje. Este propósito com o qual ela existe afeta o mundo ao seu redor como ondas provocadas por uma pedra jogada na superfície espelhada de um lago... Quando uma existência não está no lugar onde deveria estar, essa ondulação no universo deixa de existir, pois ela já não é capaz de afetar o ambiente onde vive porque aquele não é o lugar aonde pertence. Eu consigo sentir essas ondulações, e sei quando uma coisa está fora do lugar... – ela pausou, respirando fundo – Vocês estão todos no lugar certo.

O silêncio manteve-se regular. As respirações ficaram mais fracas.

- Eu saberia dizer quais entre vocês cinco fazem parte do grupo dos Quatro, se tivesse chegado a conhecê-los em qualquer outra vida. E o fato de todos vocês emitirem ondas harmoniosas com relação à posição de vocês no universo só complica as coisas...

- Foi através dessas ondas que sua irmã lhe rastreou... – pela primeira vez desde que aquela conversa iniciara, Christopher estava falando, surpreendendo a todos. Estivera tão quieto que nem parecia estar ali. – Sybila Papillon, que guiou Aib’Somar até onde estávamos...

Hikikomori não precisou dizer nada, apenas abaixou a cabeça. Aquele gesto dizia tudo.

- Papillon a essa altura já deve estar a par do que aconteceu em Hyeol-Aeg e já deve ter contatado o próximo Arquiduque. Eles irão surgir das sombras a todo o momento, um após o outro, prontos para derrotá-los, Cavaleiros Intergalácticos. Mas vocês estarão prontos para eles, e sob seus pés eles irão sucumbir um a um. É o que diz a profecia, é o que eu digo, e é o que o universo anseia. Por respirar mais uma vez.

Os seis humanos se entreolhavam apavorados. Estavam sendo incumbidos de algo para o qual nunca foram capacitados. Havia um grave engano ocorrendo ali, alguma coisa era preciso ser feita urgentemente, antes que eles atolassem de vez naquele fosso estelar de areia movediça. Mas antes que qualquer um pudesse protestar, as luzes falharam e a estrutura da nave mãe tremeu de cima a baixo. A maioria deles caiu de joelhos após o sismo poderoso que sacudiu tudo.

- O que está acontecendo?!

Os telões apagaram, banhando tudo na completa escuridão. Do lado de fora, a nave era tragada por uma falha espaço-temporal. O novo inimigo já havia entrado em ação.


Continua...