Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

PARTE SEIS: LUTE! LUTE! LUTE!


- MAS O QUE ESTÁ ACONTECENDO LÁ FORA? – Ray Ann parou bruscamente em meio à sua corrida em busca do quarto da enfermaria onde o Professor Umbrella estaria se recuperando após o estranho desmaio de mais cedo, pela parte da manhã (seria pela parte da manhã se, mesmo no espaço, eles seguissem o calendário terrestre). Ela estava exatamente de frente para uma das enormes janelas triangulares da estação espacial, o restante do grupo que a perseguia e tentava pará-la chegou aos poucos, uns esbaforidos, outros nervosos, suados e arfantes, tentando recuperar o fôlego em vão diante do que viram através daquele portal.

Era uma das janelas internas do apêndice, de modo que mostrava o interior do anel principal que circundava a Cosmogony, ali era possível ver em detalhes o que estava acontecendo lá, de onde eles acabaram de sair: enormes esferas prateadas flutuavam ao redor da estação espacial, um verdadeiro enxame delas, que se aproximavam e atravessavam-na pelo lado de fora como se não fossem materiais. A movimentação lá dentro era grande.

O capitão colocou a mão sobre o ombro de Ray.

- Vamos! Agora mais do que nunca precisamos encontrar o Professor... – ele tinha o rosto sério e preocupado, diferente das expressões desesperadas e apavoradas do restante do grupo, era o único que poderia manter a situação sob controle àquela altura.

Foi quando uma das enormes esferas prateadas chocou-se contra a janela triangular, atravessando-a misteriosamente sem quebrá-la em milhares de pedaços. O grupo dispersou-se aos gritos enquanto o objeto alienígena tomava aos poucos a forma humanóide. Donnick não pensou duas vezes, puxou sua pistola laser e iniciou uma série de tiros sequenciais, que atravessaram o corpo da criatura sem efeito algum, era como se ele fosse feito de gelatina! Os raios o atravessaram sem o mínimo esforço, como tiros num boneco de massinha!

Sua figura era simplesmente assustadora, não possuía face e seu corpo era composto de uma substância espelhada gelatinosa que esticava e retraía conforme ele se movia, além de emitir uma pavorosa onda sonora que se assimilava a alguém manuseando erroneamente uma mesa de som. Isto agredia os tímpanos de qualquer um que estivesse por perto, o Apocalipse Club inteiro estava tapando os ouvidos com força.

- Ele está mandando uma mensagem! – gritou Donnick. – está chamando os outros, vejam! – e apontou para a janela atrás do vulto gelatinoso. Uma dúzia de esferas prateadas vinha a toda velocidade através do vácuo em direção ao anel-apêndice.

O socorro chegou muito mais rápido do que eles esperavam, e da maneira mais estranha o possível: uma nuvem de mariposas de asas negras e púrpuras envolveu cada um deles num manto composto do bater de asas e da total escuridão.

Quando as nuvens de mariposas se dissiparam uma a uma, eles se depararam com a estranha cena de um laboratório às escuras completamente destruído e um Professor Umbrella contorcido no chão, desmaiado, pálido, quase sem vida. Augusta correu ao seu socorro, ajoelhou-se imediatamente ao seu lado e checou os pulsos.

- Ele está vivo! O batimento cardíaco é fraco, mas ele está vivo! – ela tremia muito, e seus olhos estavam completamente esbugalhados. Estava num surto de adrenalina sem igual, se uma daquelas criaturas atravessasse seu caminho ela era capaz de lutar sozinha contra o monstro.

- O que podemos fazer por ele?! – exclamou Ray Ann, pegando o rosto de Christopher entre as mãos.

- Por enquanto, nada. – uma voz misteriosa ecoou pelo recinto, e o susto foi grande! Fábia recebeu-a com um grito apavorado – tudo a seu tempo. Primeiro, temos de dar um jeito de despistar Aib’Somar e sua tropa.

- QUEM ESTÁ AÍ?! – berrou Fábia, escalando as enormes costas de Pietro – E... E-E-E-EU NÃO TENHO MEDO DE FANTASMAS! – estava gelada como Plutão, que girava pacífico lá do lado de fora, alheio à situação, nada abalava o abalava.

- Eu não sou um fantasma... Não ainda – a nuvem de mariposas reuniu-se à luz dos monitores ligados no escuro, haviam resistido aos pulsos do coração de Azura despertando e chamando pelo seu cavaleiro. Um a um, os insetos, grandes ou pequenos, negros, azuis, púrpuras e amadeirados foram unindo-se dando forma a uma criatura extremamente alta, dotada de sinuosas curvas femininas. A luz espectral dos monitores acesos às suas costas tornava a cena mais macabra e curiosa ao mesmo tempo do que já seria vê-la normalmente. O grupo de cosmonautas assistiu àquilo boquiaberto, estavam estáticos.

- AI MEU DEUS UMA MULHER PELADA! – berrou Fábia às costas de Pietro, roendo as unhas de tão nervosa, quebrando o clima por completo. – AI MEU DEUS É UMA MULHER GIGANTE PELADA!

A última mariposa pousou em seu nariz, a qual ela pegou gentilmente na palma da mão e fechou-a cuidadosamente. Abriu os olhos dotados de longos cílios escuros para iluminar o ambiente ainda mais com seu olhar profundo e sábio. Suas pupilas oscilavam entre o roxo e o azul, um demônio ou um anjo?

- Eu sou Sybila Hikikomori, filha de Sybila Alethea, o último d’Os Nove – ela fez uma mesura singela e cortês, curvando-se para frente. – vim até aqui para guiá-los na jornada que começa.

- Mas do que você está falando?! – o capitão Donnick simplesmente não processava aquela situação, o que estava acontecendo estuprava a ordem linear da lógica violentamente. Eles acabaram de ser teleportados por uma nuvem de mariposas de uma ponta à outra da Cosmogony e estavam frente a frente com uma mulher de dois metros de altura que falava numa língua completamente estranha. Língua esta que eles entendiam perfeitamente!

- Haverá muito tempo para explicações, Donnick Wolfgang Hills, primeiro capitão da força aérea Russa, homem de confiança do Czar. – ela deu um passo à frente – preciso tirá-los daqui o quanto antes, enquanto Aib’Somar é ignorante quanto a existência de vocês. Ela não crê em profecias, ela despreza o metafísico, e isso nos ajudará a derrotá-la. Mas não podemos cair nas mãos dela, de maneira alguma.

- Aib’Somar é a que está nos atacando agora, não é?! – exclamou Pietro, tirando Fábia das suas costas à força. Ela estava atracada à ele feito um gato raivoso, suas unhas estavam praticamente fincadas à jaqueta! – o que são essas coisas que estão invadindo a Cosmogony?!

- São a terça parte do Exército de Azura, uma raça de androides metamorfos feitos com ajuda da nanotecnologia. São praticamente indestrutíveis, nada pode pará-los.

- Eles estão assustando as pessoas lá fora! – fez Augusta, com a cabeça do Professor desacordado em seu colo.

- Não vão feri-las, pelo menos por enquanto, estão me procurando. Sou prisioneira fugitiva da corte de Taurus. – fez-se silêncio, um novo bombardeio recomeçou, Aib’Somar estava começando a ficar nervosa, o chão subia e descia, as luzes dos monitores piscavam nervosas e os objetos voavam em todas as direções: o eixo inclinado da Cosmogony estava virando aos poucos, se nada fosse feito logo estaria na horizontal e milhares de pessoas morreriam esmagadas, isso desestabilizaria o controle da gravidade dentro da estação espacial! – se todos concordam, vou tirá-los daqui e levá-los para uma área segura onde poderei esclarecer algumas coisas...

- Mas se formos embora com você, o bombardeio vai continuar e os ataques também! – exclamou Ray, pondo-se de pé com dificuldade – logo milhares de pessoas morrerão! Já que essa Aib’Somar não vai te encontrar!

- Eles estão seguindo a frequência da minha vibração no universo, minha irmã os está ajudando e ela pode me encontrar onde quer que eu vá. Estamos conectadas como Sybilas.

- Mas o quê?! A sua irmã prefere ficar do lado dos bandidos?! – exclamou Fábia, transtornada.

- GENTE, PARA, PARA, PARA TUDO! – gritou Augusta, surpreendendo a todos repentinamente. Ela fora a única que se mantivera calada e estática sem proferir uma única palavra desde que Hikikomori havia se manifestado, parecia estar atordoada demais para reagir a qualquer estímulo quando de repente explodiu. – ESTAMOS DISCUTINDO COM UMA APARIÇÃO NO MEIO DO ESPAÇO ENQUANTO SOFREMOS UM ATAQUE ALIENÍGENA E VOCÊS AINDA QUEREM SABER PORQUÊS E COMOS?! EU QUERO É IR EMBORA DAQUI O QUANTO ANTES!

Ergueu o Professor Umbrella com a ajuda de Ray Ann e Donnick e olhou Hikikomori nos olhos:

- Leve-nos daqui para um lugar seguro!

- Escolha sensata.

A bela Sybila fechou os olhos e transformou-se numa nuvem de mariposas, mais uma vez o grupo viu-se envolto em escuridão para em seguida encontrar-se na área de acoplagem, onde várias naves e ônibus espaciais estavam em repouso, como numa enorme garagem com o teto abobadado feito de estrelas. Agora coroado por uma frota de naves alienígenas na espreita, sob o comando de uma enorme nave-mãe em forma de ferradura.

- Como pretendemos sair daqui sem que eles nos vejam? Eles estão por toda a parte! – o capitão Donnick e Pietro carregavam o Professor Umbrella nas costas enquanto avaliavam a situação lá em cima, no alto do fosso. Não havia saída, eles estavam perdidos.

- Confiem em mim, eu sei o que estou fazendo – respondeu Hikikomori, erguendo as duas mãos para o alto, ativando um dos ônibus espaciais com a força do seu pensamento. Ali ainda era escuro, mas claro o bastante para que o grupo a visse melhor: era realmente muito alta e tinha longos cabelos escuros. Para constrangimento da massa, estava seminua também como fora constatado anteriormente, e envolta em cordões de pérola por todo o corpo.

- Não tão rápido, Hikikomori! – o grupo de fugitivos sobressaltou-se àquela nova vibração.

- De novo não! – Ray Ann levou a mão à testa num tabefe. Outra voz misteriosa ecoou ao redor, da mesma forma como a anterior trouxe a misteriosa alienígena incrivelmente alta há poucos minutos atrás. O que estaria por vir agora? Olhos e ouvidos procuravam a origem do som, sem sucesso. O lugar estava vazio exceto pelas naves em estado de repouso!

Uma nuvem de borboletas azuis gigantescas desceu o fosso em espiral, dando um rasante sobre a cabeça dos cosmonautas em fuga, atingindo Hikikomori no estômago e lançando-a longe, seu transe para controlar o ônibus espacial foi quebrado e ela, transformada em uma nuvem de mariposas raivosas consideravelmente maior que a nuvem de frágeis borboletas azuis entrou em atrito com o enxame inimigo de insetos. O que aconteceu dali por diante não se sabe, os que tiveram coragem para ver o que iria acontecer e não taparam os olhos com medo de levarem “borboletadas” na cara viram uma nuvem indistinta em ebulição e rebuliço constante numa mistura violenta e sangrenta de cores quentes e cores frias. Vários insetos caíram mortos e logo o chão inteiro estava repleto de corpos despedaçados e asas soltas, espalhadas, havia um verdadeiro ciclone de lepidópteras enfurecidas se autodestruindo diante dos olhos de todos!

Por algum motivo, a rinha de insetos foi perdendo força, levou menos de segundos para que as nuvens se separassem e dessem origem às silhuetas humanas. De um lado do ringue surgiu Hikikomori, e do outro, surpreendentemente, outra Hikikomori apareceu, moldada pelo revoar de borboletas. Esta versão pouco mais baixa e menos esguia de Hikikomori tinha a pele de um azul cálido e os cabelos de um verde-limo intenso. O restante era a cara de uma, focinho da outra, ambas gravemente feridas nos braços e nas pernas, como se atacadas por uma matilha de gatos selvagens.

- Sybila Papillon!

- Olá, Hikikomori! Há quanto tempo! – até as vozes eram parecidas.

- Por quê? Por que você está quebrando o código das Sybilas? Por que você está contra sua própria irmã? Nós deveríamos estar unidas nessa jornada, Papillon!

- Não seja tola, Hikikomori, você sabe que essa é uma luta perdida! – a irmã da Sybila recompôs-se muito mais rápido do que ela própria, e num movimento rápido, puxou uma das pérolas brancas que também envolviam seu corpo e lançou-a no ar, esta explodiu em uma nuvem verde de pólen que colocou todos para dormir imediatamente.

- Se aproveitando de mim... Porque estou fraca! – Hikikomori tossiu, agredida, recurvada sobre si mesma – mamãe teria vergonha de você!

- Mamãe está morta!

Foram as últimas palavras que eles ouviram antes de apagarem por completo.


Abrir os olhos pela manhã parece uma tarefa simples, acordar parece uma tarefa simples. Mas há vezes em que está tudo tão pesado... Como se as pálpebras fossem de chumbo, e seus membros de ferro puro. Era assim que Christopher se sentia naquele momento, rodeado de escuridão, atento aos menores ruídos a sua volta, mesmo que tudo parecesse distante e obsoleto. Como ecos de um passado, não algo que estivesse acontecendo de verdade. Não chegava sequer a soar como um sonho.

- Não se preocupe, quanto mais tempo você permanecer dormindo, maiores chances você tem de sobreviver – era a voz de Hikikomori, já era conhecida.

Ele não podia responder, não tinha forças nem para formular um pensamento. Seu cérebro pedia com clemência que deixasse para depois.

O segundo pulsar de despertar veio mais rápido e mais potente. Seu corpo estava coberto por pontos doloridos, como se ele houvesse corrido uma maratona inteira sem descanso, se levantar estava fora de questão, mas abrir os olhos não era nenhuma dificuldade. Situar-se também não.

Christopher estava contorcido no canto de um tipo de contêiner, pelo menos era o que aquilo parecia. Ele sabia como um contêiner era por dentro porque ele já havia estado em um antes, para trabalho de pesquisa há poucos anos atrás, mas nunca como carga. Na outra extremidade do cubículo havia um enorme vulto alto e arfante, gigantesco oculto pelas sombras, e no momento em que ele percebeu que aquela coisa não era humana, ele sentiu um medo que nunca havia sentido antes. O medo que se sente ao estar trancado e sem saída diante do desconhecido.

Uma espécie de relâmpago iluminou tudo através das frestas que ficavam à altura do teto baixo daquela jaula, a figura do vulto revelou-se o forçando a fechar os olhos em espanto e pavor. Seu corpo retesou naquele exato momento, e arrepiou-se dos pés a cabeça como percorrido por um choque. O ser agachado e recurvado no outro canto do cubículo era humanóide, musculoso e branco, branco como um cadáver que havia boiado no mar durante dias a fio. Sua pele era úmida e líquidos indistintos escorriam por toda ela, como se ele houvesse tomado um banho há pouco tempo atrás.

Era musculoso, assustadoramente musculoso: seus bíceps e tríceps eram cobertos por veias roxas e azuis que davam a impressão de que seus membros superiores iriam estourar a qualquer momento. O mesmo valia para seu peitoral, costas e pescoço, já que aparentemente ele usava (estranhamente) calças camufladas e botas de combate. Mas o mais estranho não era isso, a pior parte estava por vir. Uma enorme cabeça de tubarão lhe escapava por entre os ombros, com barbatana e tudo, repleta de dentes e olhinhos inexpressivos perolados. Aquela coisa olhava fixamente para o teto sem sequer se mover, a única coisa que lhe atribuía vida era o seu peito subindo e descendo. Pavoroso.

- Não se assuste, apenas não se mova. – era a voz de Hikikomori outra vez – esta criatura faz parte de um exército de rebelião em algum planeta na área correspondente à região de Sagitário para os humanos. Aquele lugar habita seres bem estranhos, e este foi criado para atacar tudo o que se mover, por isso, fique quieto.

Foram aproximadamente três minutos de apreensão, ou cinco, que pareceram durar horas. Nesse meio tempo a coisa mudou de posição duas vezes fazendo a gaiola sacudir, ressonou alto e rosnou duas vezes no escuro. Outro relâmpago iluminou tudo e desta vez ele estava de costas para Christopher, que pôde analisar melhor seu torso musculoso: era cinza e listrado de azul. Criatura apavorante e fascinante ao mesmo tempo.

Logo ele compreendeu que o relâmpago se tratava da movimentação do contêiner entre os túneis que protegiam as esteiras de um tipo de área portuária de descarga em algum ponto do lugar em que ele havia chegado – seja lá que lugar seja este afinal.
Ele pouco se lembrava do que havia acontecido após a nuvem de mariposas o envolver. Exceto um intenso brilho dourado onde tudo acabava. Havia alguns flashes de memória que se passavam em um dos laboratórios da Cosmogony... E mais vozes...

A movimentação do contêiner parou e a porta se abriu, banhando o lugar com luz intensa, e isto deixou o monte de músculos nervoso o bastante para que ele saísse correndo de dentro da jaula balançando sua cabeça de peixe abrindo e fechando suas mandíbulas furiosamente contra seja lá quem estivesse do outro lado. Gritos numa língua desconhecida, algo entre coreano e árabe, tiros de laser, o som de correntes pesadas, choques elétricos, o partir de ossos e mais indistintos sons de corpo contra metal foram abafados pela queda de algo pesado contra o chão. A fera havia sido domada, ele já podia levantar.

E ao se levantar, piscou uma, duas, três vezes para se situar, mal acreditando no que via. Não estava acreditando no que seus olhos lhe mostravam. Parecia uma ilusão, algum tipo de fantasia, uma coisa anormal e viajada, típica dos usuários de alucinógenos.

Uma espécie de porto extenso repleto de contêineres aerodinâmicos semelhantes ao qual o mantivera em cativeiro se espalhavam a perder de vista em plataformas móveis que subiam e desciam sem parar num balé de gigantes. Foi involuntário, ele teve de descer os degraus da esteira para olhar para trás e analisar melhor a situação, deparando-se com um sistema intrincado de túneis e esteiras rolantes como numa montanha russa (sem loop), tudo isso dentro de uma espécie de série de galpões lado a lado, interligados, como uma área portuária genuína exige.

Mais à frente, no horizonte, após as plataformas móveis, uma série de rochedos pontiagudos variavam de tamanho e altura, formando arcos inacabados que serviam de portal para uma estranha espécie de coliseu branco amplamente iluminado. Milhares de hologramas gigantescos zuniam ao redor daquele prédio, orbitando ao redor de um holograma maior que parecia refletir exatamente sob o céu estrelado acima do “estádio”. Exibindo propagandas e imagens de combates e lutas sangrentas. O que diabos aquilo significava?

Filas de naves espaciais de todas as formas e tamanhos congestionavam o céu daquele lugar, rumo ao coliseu branco no horizonte.

- Isto é o Coliseu Intergaláctico de Taurus, o parque de diversões de Aib’somar. – a voz da Sybila inundava sua cabeça, Christopher respirou fundo aquele ar salgado – existem outros iguais a este espalhados por planetas-anões, artificiais ou terraformados nos arredores de Betelgeuse, mas este com certeza é o principal...

Ele não pode terminar de ouvir o que a Sybila tinha para falar, perdera totalmente a concentração quando aqueles enormes vultos brancos, após controlarem o homem-tubarão, partiram para cima dele com suas armas de choque e suas coleiras e correntes. Eram como dinossauros em máscaras de gás, usando uniformes brancos que cobriam até mesmo suas caudas, o que era uma maravilha, porque Christopher Umbrella não fazia questão alguma de ver o que estava oculto embaixo daquela roupa, levando em consideração que aquelas coisas eram donas de dois pares de braços com dois dedinhos nas extremidades.

Apagado pelo choque, ele só se acordou horas depois, com o rosto de Ray Ann olhando fixamente para ele no escuro, outra vez.


- Professor, eu preciso que o senhor se acalme – fez ela, com uma voz tremida num misto e ansiedade e ao mesmo tempo alívio. Alívio por ter finalmente encontrado um rosto conhecido que não estivesse gritando de pavor ou pálido e sem vida. Outras pessoas foram levadas da Estação Espacial pela horda de metamorfos fora os quatro novatos, que haviam ido cursar seu último ano da faculdade nos limites do Sistema Solar, ingênuos e cheios de sonhos, sequer imaginavam o que lhes esperava. Parecia um pesadelo nunca antes sonhado se concretizando aos poucos.

- Onde ele está?! – sussurrou Christopher.

- Ele quem?

- Aquele bicho com cabeça de tubarão.

- Está numa cela aqui ao lado, junto com um tipo de besta-gorila ou algo parecido. Eu não vi direito, mas sei que esses dois estão se matando desde que nos trouxeram para cá dentro dos caixotes de vidro eletrocutados para que não nos movêssemos... Não imagina como fiquei aliviada quando o vi, Professor!

- Onde estão os outros?! Os meninos, onde eles estão?!

- Espera aí, do que você se lembra? Você estava desacordado quando...

- Hikikomori salvou a vida de vocês os envolvendo numa nuvem de mariposas? Eu vi tudo isso enquanto dormia, ela projetou os pensamentos dela na minha cabeça... – ele foi se levantando com dificuldade, sua coluna estava rija e dolorida pela viagem.

- Essa tia é algum tipo de bruxa?

- Não sei o que ela é, mas espero que ela nos tire dessa enrascada em que nos meteu. Se ela não houvesse se refugiado na Cosmogony, os aliens nunca teriam nos atacado! – ele soltou exclamações de dor baixinhas, suas omoplatas pareciam estar trincadas de tanta dor. – onde estão os outros?

- Eu não os vejo desde que apagamos na área de acoplagem... Acordei e já estava sozinha dentro de um tipo de gaiola, ou jaula, sendo transportada de porto em porto – ela pegou-se pensativa, tentando lembrar onde sua memória voltava a ser linear e lógica. – pelos meus cálculos estamos a dias viajando nesses cruzeiros espaciais, indo de um planeta a outro, passando por estações espaciais de todos os tipos, vi coisas terríveis, seres estranhos e assustadores! Algumas vezes chorei de medo! – ela abraçou o Professor ao lembrar-se do que vira – pensei que nunca mais fosse ver ninguém conhecido! Eu fiquei tão assustada!

- Não se preocupe, agora temos a companhia um do outro e podemos sair dessa juntos! – ele apertou com força as mãos dela. É claro que eles não sairiam dessa, jamais escapariam daquele inferno, nunca mais veriam amigos, familiares, talvez nunca voltassem a ver o planeta terra outra vez, e Christopher Umbrella sabia disso, ele sentia isso no âmago da alma. Só Deus ou o próprio diabo saberiam o que os estaria esperando naquele lugar. – onde nos encontramos agora? Você viu o transporte?

- Vi! – ela animou-se repentinamente – eles nos colocaram nos caixotes de vidro como falei, nos empilharam na traseira de uma espécie de balsa cargueira flutuante puxada por dois lagartos cegos horrendos! Atravessamos um vale de pedras pontiagudas e finalmente desembarcamos numa espécie de garagem muito esquisita, atrás de uma enorme construção branca como um estádio de futebol, onde mais dinossauros uniformizados apareceram e nos puseram em esteiras... Foi então que lhe reencontrei, Professor! E nós seguimos pela escuridão na mesma esteira, até que nossos caixotes misteriosamente desapareceram ao nosso redor, se dissolveram do nada! Aí a esteira parou e essas quatro paredes se fecharam ao nosso redor...

Fez-se silêncio durante um tempo enquanto o clamor de uma multidão soava distante ao lado de estrondos, explosões e rugidos. Era algo que vinha de cima, como o urro de uma horda de fantasmas furiosos no último andar de um alto edifício.

- E esses sons?

- Estou ouvindo desde que chegamos!

Christopher contou-lhe então o que Hikikomori havia lhe transmitido através de pensamento logo que ele e seu companheiro cabeça de tubarão desembarcaram no porto daquele estranho planeta. Sobre o Coliseu Intergaláctico ser algum tipo de parque de diversões para a tal Aib’somar, cuja a identidade até então permanecia um mistério. Ray Ann pouco se importava com quem quer que ela fosse, o fato era que ela a encontraria e a esganaria até que ela pedisse clemência por ter estragado um momento tão importante em sua vida. Maldita alienígena.

- Acha que vamos ser postos pra lutar então?! – Ray Ann tremeu na base.

- Provavelmente... É o que se faz nos coliseus, não?

- Mas não temos armas!

Foi como ativar um comando secreto.

Escudos, espadas, lanças e elmos caíram da escuridão acima das suas cabeças, reluzindo nas sombras por serem feitos de material fluorescente. Os elmos estavam tão surrados e maltratados quanto os escudos: repletos de marcas de garras e dentadas, o que fez os dois engolirem em seco. Apesar disso, continuavam cintilantes e resistentes pelo que o Professor pode avaliar ao tocá-los. Não eram muito diferentes do material de batalha medieval encontrado na terra, a diferença era com certeza a matéria prima da qual eram feitos. Supostamente algum mineral não encontrado no planeta natal de Christopher e Ray.

- Eu vou ficar com uma espada e um escudo, você pode ficar com a lança, Ray.

- Não, muito obrigada mas prefiro a espada!

- Tem certeza que quer isso?

- Eu fiz esgrima a minha vida inteira! Fui preparada para isso!

- Não sabemos contra o que vamos lutar ainda, você bem viu o cara com cabeça de tubarão...

- Vi sim, ele e muitas outras coisas que deixariam seus cabelos da nuca em pé se eu lhe contasse! Sei com o que vamos lidar então me dê a espada aqui logo de uma vez!
Antes que Christopher pudesse reagir, ela já havia lhe tomado a arma das mãos. Ele não teve chances de questionar aquela atitude rude: antes que pudesse abrir a boca, as paredes começaram a se fechar ao redor dos dois, e a plataforma sobre a qual seus pés estavam começou a se mover, a subir como um elevador!

- Estamos indo para cima! – exclamou Ray Ann, colocando o elmo e equipando o escudo de modo desajeitado e nervoso.

- Se prepare e fique atrás de mim...

- Nem pensar! Vou ficar é do seu lado, sei muito bem me defender sozinha!

Christopher olhou para a garota com uma expressão impaciente, mas que menina teimosa!
Ao mesmo tempo em que eles subiam, as outras celas ao redor também executavam o mesmo movimento em direção a uma fraca e distante luz branca acima das suas cabeças, e através das falhas entre os patamares durante a subida eles puderam ver vultos de coisas indistinguíveis, criaturas uivando, rugindo, praguejando em línguas estranhas, urrando e rosnando em selvageria e fúria, chocando-se contra as laterais do cubículo de modo violento. Esta última elevação de plataformas durou um minuto apenas, e ao atingirem o destino final tudo tornou-se confuso o bastante para que Christopher Umbrella sequer distinguisse o que estava acontecendo ao seu redor.

A luz ali era tão forte que ele nada via se não um branco total salpicado por um clamor incessante de uma multidão invisível e vultos indistintos correndo de uma direção a outra. Ray Ann gritou e fincou a espada em alguma coisa metálica, o impacto disso o lançou para o lado violentamente.

- Levante-se seu idiota! – uma mão grossa e poderosa o puxou pela gola da blusa e o arrastou para longe do caminho do que parecia uma locomotiva em fúria, que atingiu o chão numa explosão de areia, pedra e cacos de vidro. Que diabos estava acontecendo ali?! Seu misterioso salvador correu metros o arrastando junto dele, enquanto ele lutava para se por de pé, sem sucesso, acabava por ficar de quatro, puxado pela coleira como um cachorro.

Quando seus olhos se adaptaram a luz, ele finalmente pode ver a gravidade da situação em que se encontrava.

No meio de uma arena, criaturas gigantescas e minúsculas digladiavam em fúria constante, lutando pela vida, correndo, fugindo, lutando com todas as armas disponíveis contra seres terríveis. Peludos, escamosos, repletos de garras ou espinhos, negros como a noite ou coloridos como um arco-íris venenoso, lisos como enguias ou rugosos como lagartos. Insetos gigantes, macacos coloridos empunhando adagas. Anfíbios enormes batiam de frente com paquidermes listrados vestidos em armaduras surradas. Seres meio humanos, meio animais, monstros que sequer tinham uma forma definida se desmembravam como num carnaval de sangue combatendo com sede de sobrevivência.

E no alto, no céu, um enorme zepelim branco atravessava o espaço aéreo do coliseu com os seguintes dizeres brilhando em neon:


싸워라! 싸워라! 싸워라!



- Lute... Lute... LUTE! – berrou Christopher, ao perceber que havia sido deixado para trás por seu misterioso salvador enquanto um besouro do tamanho de um rinoceronte todo listrado em preto e branco vinha voando em sua direção, abrindo e fechando suas mandíbulas horizontais serrilhadas e vermelhas, sacudindo seus chifres pontiagudos furiosos.

Continua...


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