Bem vindos à minha fábrica de sonhos!

quinta-feira, 30 de junho de 2011

FIERCE!


Estou aqui por vários motivos. Primeiro gostaria de saldar a todos aqueles que acompanharam Draconius Nefastus 2 fielmente e que, mesmo sem comentários, curtiram a história (eu interpreto o silêncio de vocês como uma espécie de aprovação, já que vocês não dão sinal de vida). Foi uma história bem simples de se trabalhar, já havia feito algo parecido há alguns anos atrás na primeira parte da história, o que eu fiz neste novo capítulo da saga foi incrementar e adicionar alguns elementos como a apresentação e representação dos personagens principais em um post especial contendo uma pequena biografia de cada um deles. Foi algo bem diferente, não havia experimentado fazer algo assim antes por medo de implicâncias com direitos autorais e afins, mas então eu pensei "ora bolas, ninguém lê esse blog, e a chance do dono das fotografias e dos modelos encontrarem isto aqui é de zero para um bilhão, então vamos dar um tom de realidade a essa nova história!".

Peguei no tumblr as fotos com os modelos estilizados em steampunk, escolhi quem iria representar quem, coloquei os nomes com a ajuda do bom e velho paint com a fonte-tema do capítulo da série e pronto! Algo diferente no blog havia nascido! Inovando, como sempre...

Outro motivo pelo qual estou aqui é pra dizer que hoje, nesta madrugada do dia 30 para o dia 1 de Julho, o blog estaria passando por mudanças em seu conceito, estilo e design. A partir desta manhã, vocês contariam com um novo plano de fundo, uma nova disposição do texto e do banner, uma nova fonte, novas cores e acima de tudo, um BANNER novo no cabeçalho. Ou seja, o blog contaria com uma nova cara a partir de hoje. Mas eu sou sentimental demais, e acabei me apegando ao tema atual, qual estou usando desde o final do ano passado, sequer me lembro do tema anterior. Passei seis meses trabalhando no novo tema, criei banner e conceitos novos pra chegar na hora H e hesitar. Acontece comigo, tenho um pé atrás com tudo, e pra completar, o Andrew me vem com uma dessas:

Louie Mimieux diz
vou mudar a cara do blog hoje
mas to com uma pena do caramba

Black Cherry diz
shdusdahusdahusadhusadhsdaushdau
deixa mais um pouco
(L)
adoro aquele ninho McQueen
representa tanta coisa no seu blog
nascimento
criação
estilo
(L)

~

E ele tem toda a razão! Esse banner que uso atualmente representa tanta coisa, e é tão a minha cara. Ele é transcendental, moderno, chamativo e ao mesmo tempo clássico, misterioso e fatal. Ele cativa de primeira quem abre a página inicial! Então, decidi que vou manter esse tema por mais um tempo, já que gosto tanto dele e a opinião externa tem uma aceitação grande em cima dele.

Estou aqui também para me desculpar pelo baixo nível de postagens recentes, a falta de artigos e opinião, relatos do meu cotidiano e afins. Depois dos recentes incidentes com postagens antigas, tenho pensado muito antes de postar qualquer coisa aqui, e além do mais, mal tenho paciência para escrever no meu diário, que está repleto de páginas em branco, quanto mais num blog, onde todos podem ler e saber da minha vida! Deus me livre! Ultimamente, estou sem cabeça pra muita coisa, entre elas está escrever. Acabei me comprometendo com muita coisa para comigo mesmo e não estou dando conta de todas elas. Fui aconselhado a deixar minha cabeça bem limpa e livre para o que virá após as férias...

A All Print Editora confirmou minha presença como escritor na Bienal do Livro no Rio de Janeiro em setembro, dia 7. Papai já conseguiu as passagens e agora é só preparação espiritual para o grande dia. Estarei expondo meu primeiro trabalho das 19:00 às 21:00 horas: "As Dellabóboras - Volume 1", e eu nem tenho palavras para descrever a sensação que é estar passando por esse momento da minha vida. Mãos geladas, dificuldade pra respirar e coração acelerado definem muito bem o misto de felicidade, excitação, medo e pavor que sinto quando lembro-me da grande responsabilidade que terei daqui por diante. Responsabilidade pelo meu trabalho, pela minha imagem, pela minha pessoa pública (AI-MEU-DEUS). Assim que chegar em Macapá após uma semana no Rio de Janeiro, terei poucos dias para me preparar para a Première Oficial no Malocão do SESI (já foi decidido o local agora, não mais o teatro e sim a maloca), que será outro grande desafio para mim: vários mundos estarão misturados num só lugar. Novos Amigos, Velhos Amigos, Família, Imprensa e Autoridades, como vou lidar com toda essa gente sendo eu mesmo? Ai, que confusão em que eu me meti! Uma excitante confusão! Mal posso esperar pra finalmente me tornar uma estrela...

Uma estrela que continua sofrendo do desdém e do tripúdio alheio, acredite se quiser. Apesar de tudo o que eu já passei para chegar até aqui, aos outros nunca parece o bastante, continuo sendo vítima do despeito de algumas criaturas baixas e insignificantes que espreitam a borda da banheira de ouro onde tenho me banhado ultimamente. Contei a dois familiares certo dia a respeito do lançamento do livro e eles riram da minha cara, outro dia no Facebook, certo "ser" pseudo-intelectual que se diz amante da música eletrônica mas nunca ouviu um Goldfrapp nessa vida e se acha o tal ouvindo o dance farofa da Jovem Pan me esnobou e ignorou.

Sabe o que eu faço? Eu rio apenas, porque daqui há alguns meses meu rosto estará em cada mídia impressa e televisionada, e quero ver se esses seres vão ter todo esse poder para ignorar quem está no topo. Risos. Muitos risos. Porque quem ri por último ri melhor meu bem.

E deixa eu te falar que tô adorando a Norma na novela das oito, a cada dia que se passa, a personagem dela se consolida como minha favorita, porque (assim espero) chegará a minha vez de esbofetear a cara de cada um deles e colocá-los para dormir no Canil da minha bela mansão no Rio de Janeiro (HAHAHAHAHAAH COMO SOU MÁ).

Gostaria de anunciar também um pequeno atraso na publicação da próxima série deste blog, Reboot, qual fará a diferença mais uma vez por ter a sua trilha sonora publicada antes do primeiro capítulo (ao contrário das outras que sempre saem ao término), como uma espécie de abertura e introdução ao mundo futurístico caótico que a história irá mostrar. Estejam preparados!

XOXO

Antonio Fernandes//Louie Mimieux//Whatever



segunda-feira, 27 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Octopus (Final)




(...) Entramos naquele mundinho humano intocável através do alçapão de carga, misteriosamente aberto. A rampa de acesso aberta estava coberta de neve e gelo, foi difícil subir o declive escorregadio, mas conseguimos alcançar a área do bagageiro do zepelim. Vimo-nos então cercados de caixotes grandes e pequenos por todos os lados, cobertos pela neve que o vento trouxera para dentro, a sensação que tínhamos andando por ali era de que as pessoas que um dia estiveram dentro da aeronave saíram para averiguar sua localização e não voltaram mais. Era realmente assustador, um sentimento de abandono e desolamento exatamente igual ao que experimentamos na cidade congelada na entrada do vale.
Chegamos ao final do bagageiro então, dando de frente com uma elevação do piso, com degraus enferrujados com acesso ao patamar superior, este cercado por um tipo de amurada. Lá, encontramos uma única porta de ferro pesado, precisamos de todos os homens da expedição para abri-la. Uma típica porta de navio ou de submarino que fosse pesada e pressurizada o bastante caso ocorresse um naufrágio: giramos a manivela e empurramos, para adentrar no mundo que eu e meus amigos havíamos abandonado há um ano. O mundo do conforto e da sofisticação nova-iorquina.
Após uma averiguação, foi constatado que o zepelim de origem misteriosa tinha tudo o que era necessário para a nossa fuga daquela ilha infernal: o combustível, o gás necessário para manter-se no ar, tudo. No mais, era como controlar um navio voador, e de navios nós entendíamos muito bem. As coisas ali dentro estavam em perfeito estado, uma música ambiente tocava baixinho quando entramos, passeando suave para fora do alto falante de um gramofone no final do corredor. Os abajures estavam acesos, havia café e chá nos bules em cima da mesa de centro do que parecia ser a sala social do lugar. Quadros mostrando paisagens exuberantes estavam pendurados na parede, e o lustre de um pequeno salão circular tinha cada uma das suas pequenas lâmpadas amareladas acesas.
Dez pequenos quartos e uma grande suíte, duas cozinhas e cinco banheiros comunitários com um largo e luxuoso corredor forrado com carpete vermelho cortando-o ao meio. Essa era a área de convivência do zepelim, fora o bagageiro, a sala de comando, os depósitos, os motores e os aposentos destinados aos empregados, que eram bem mais apertados e em maior número no andar inferior: o pequeno zepelim tinha três andares. Um deles parecia ser um salão de bailes.
“Impossível!” exclamou Ray Ann quando nos encontramos no pequeno salão circular do final do corredor principal. “Nós olhamos cada canto desse lugar, está completamente vazio, não há uma alma penada ou sinal de vida nos três andares, tudo morto, parado, abandonado!”
“E a sala de comando, os motores, depósitos?” perguntei.
“Nada também. Tudo deserto!” respondeu Don, muito nervoso. Aquilo era suspeito demais para ele.
“Não tem ninguém, está tudo vazio, abandono total! Parece-me que, quem quer que sejam as pessoas que estiveram viajando neste zepelim, fugiram não faz muito tempo, deixaram tudo para trás!” completou Fábia, confusa. “Tem roupas nos armários, camas desarrumadas e comida fresquinha na cozinha... É como se... As pessoas tivessem saído para dar um passeio e não voltaram...”
Pietro sugeriu que talvez a tripulação tenha descido para averiguar a segurança dos passageiros naquele lugar, acabaram capturados pelas feras da floresta e não voltaram mais. Em desespero os passageiros resolveram sair também, e acabaram tendo o mesmo destino. “Mas isto é só uma hipótese!” completou.
Decidimos então aceitar que tínhamos um lugar seguro para dormir pelo menos por uma noite até que tivéssemos condições e conhecêssemos o funcionamento daquela geringonça para alçar voo e sair dali de uma vez por todas. Isso levaria talvez dois, três dias ou mais. Entendíamos muito bem de navios após um ano no mar, mas aquela coisa era um misto de navio e avião. O único aviador entre nós era Don Hills, que pilotara quando mais jovem, mas atualmente pouco lembrava-se das aulas de pilotagem. Tínhamos comida e cama quentinha, o momento era de tranquilidade, pelo menos por enquanto.
Caímos no erro de esquecermo-nos da rampa do bagageiro aberta. Assim como a pesada porta de ferro que levava ao interior luxuoso do zepelim. Aquela porta esteve fechada durante todo esse tempo, e isso havia impedido que as feras da floresta de vidro adentrassem e perturbassem a ordem impecável dos objetos e mobília esquecidos pela tripulação desaparecida. O mal esgueirou-se pela fresta aberta da porta durante a madrugada, e enquanto dormíamos tranquilos, Fábia Paola fora sequestrada pelos tentáculos malditos.
Acordamo-nos com os gritos dela, já distantes. Saltamos da cama e corremos para os corredores, armados até os dentes por pistolas, espingardas e outras armas que encontramos na cabine de controle onde deveria haver um capitão. Foi tempo o suficiente para ver o último tentáculo retroceder no final do longo corredor. Arrastando-se para fora da pesada porta de ferro pela fresta, tirando à força as mãos de Fábia agarradas à porta, teimando contra o sequestro e lutando para prender-se a algo sólido que lhe desse sustento e apoio.
Corremos em direção à ela para puxá-la de volta, mas não fomos rápido bastante, tivemos de descer ao bagageiro e correr para fora do zepelim, para a neve outra vez, onde outros tentáculos maiores, mais grossos e mais vistosos tateavam as laterais do zepelim e enroscavam-se nas cordas que o prendiam ao chão. Se elas arrebentassem, a nossa estratégia de fuga já era. O zepelim sairia voando! Então ou corríamos em socorro à Fábia ou lutávamos contra os tentáculos.
Rapidamente, Don Hills e Ray Ann se ofereceram para ficar e lutar contra os tentáculos, enquanto Pietro, Augusta e eu partíamos em socorro à nossa amiga capturada. Corremos em desabalada carreira pela floresta de vidro adentro, derrubando arvoredos e fazendo raízes em pedaços, no encalço dos berros da companheira. Por vezes tínhamos vislumbres de seus braços sendo sacudidos no ar, acima das folhagens congeladas, mas depois eles desapareciam, deixando para trás o eco de seu desespero, e é claro, aquele rastro viscoso do tentáculo que formava uma verdadeira trilha no meio da mata. Cavando uma vala em seu caminho tamanha a violência com que se arrastava.
Topamos de frente com mais javalis gigantes que pareciam tão assustados quanto nós, talvez mais, eles corriam para longe de nós quando passávamos, estavam fugindo dos tentáculos, porque eles estavam por toda a parte. Grandes, grossos e gordurosos, deixando muco onde tocavam. Vimos também bandos e mais bandos de macacos batendo em retirada para fora da mata, e presenciamos os tentáculos agarrarem um dos alces pernaltas e arrastarem-no com tamanha violência que o fez perder as quatro pernas! Engoli em seco na mesma hora! Fábia poderia estar sem a cabeça àquela altura! Seguíamos atirando contra qualquer coisa que se movesse em nossa direção, sem pestanejar.
Então, para nosso espanto, o terreno entrou em declive repentino, topamos com uma enorme depressão, uma inclinação perfeita como a borda da cratera de um meteoro gigantesco. Ali a floresta de vidro acabava, e ali nós descemos rolando violentamente por causa da minha falta de atenção. Eu ia à frente e estanquei repentinamente quando cheguei á beirada do precipício, mas Pietro veio logo atrás e empurrou-me com toda força para frente. Augusta tentou segurá-lo e acabou vindo junto, logo éramos uma bola de neve e carne rolando para o desconhecido.
Quando o terreno finalmente tornou-se reto e liso outra vez, tivemos de usar da força dos músculos para não escorregar mais longe: estávamos agora sobre a superfície de um lago congelado no centro de uma enorme cratera! O meio da floresta, o olho da ilha. Para nosso desespero, a fonte de todos os tentáculos!
A cratera tinha uma circunferência perfeita, como um enorme estádio de futebol. Em seu centro havia essa lagoa congelada, salpicada de buracos, furos perfeitamente redondos no gelo por onde os tentáculos cor de cobre cheios de ventosas esgueiravam-se para fora como minhocas gordas e asquerosas. Nós três estávamos aos berros e aos prantos, cercados daquelas aberrações por todos os lados, rastejando em nossa direção para fora de suas tocas, sobre o gelo perfeitamente límpido e cristalino.
Meu desespero só aumentou quando eu olhei para baixo, para meus pés, para minhas pernas bambas, para as fundações onde eu pisava. Rachaduras estavam se formando abaixo de nós, em breve cairíamos na água gelada da lagoa no centro da cratera e encontraríamos o dono daqueles tentáculos. Dono este que abriu seus olhos no momento em que a primeira rachadura estalou.
Eu urrei tão alto, tão alto que tive a certeza absoluta naquele momento de ter arrebentado as minhas cordas vocais por completo! Abaixo de mim havia um farol amarelo enorme, que imediatamente interpretei como sendo o globo ocular da criatura abaixo dos meus pés. Era tão grande que englobava nós três exatamente no centro, onde uma pupila negra horizontal e retangular me fitava! Comecei a correr, a patinar sobre o gelo para a borda da cratera, para fora da superfície congelada em total desespero, meus companheiros fizeram o mesmo!
Eu já havia me esquecido de Fábia quando ela surgiu ao meu lado enrolada nos restos mortais de um tentáculo, completamente suja dos pés à cabeça na lama negra que era o seu sangue. Mais tarde soube da parte dela própria que havia mastigado o tentáculo na ausência de um facão, por mais absurdo que parecesse. Os tentáculos estavam agitados e surgiam aos montes, abrindo novos e irregulares buracos na superfície congelada da laguna, escalávamos a borda da tigela infernal com Augusta Montgomery protegendo a nossa retaguarda utilizando-se de duas pistolas potentes e uma espada afiada de samurai, com a qual decepava os braços de polvo cheia de graça e destreza. Mal havíamos começado a escalada quando o gelo do lago estourou como a tampa de uma panela de pressão! Estávamos sentindo o tremor de terra desde cedo, mas não havíamos dado a devida atenção: a criatura estava arrebentando o gelo e vindo para fora! A explosão nos lançou para longe impulsionados pelo tsunami de água gelada que veio em seguida, fomos atirados por sobre as árvores de vidro e tivemos cortes sérios nos braços e no rosto. Tenho até hoje um dos meus olhos fechados por causa disso, uso um tapa-olho constantemente.
Antes de começar a correr de volta para a clareira onde o zepelim estava, como meus companheiros fizeram sem sequer pestanejar, eu olhei para trás.
Sim, fui corajoso o bastante para olhar para trás e vislumbrar, por entre as árvores, a montanha orgânica que vinha surgindo das profundezas do inferno gelado. Quando digo que a coisa tinha o tamanho exato de uma montanha, não estou mentindo: a terra estava se abrindo em rachaduras aos meus pés, isso porque cheguei a ver somente a cabeça do bicho vindo para fora.
Era a cabeça de uma tartaruga. Uma enorme cabeça de tartaruga com o pescoço comprido e enrugado. Seu bico era curvo e repleto de dentões amarelados e afiados como os de um tubarão, seu rugido era como um trovão ribombando pela cordilheira que cercava o interior da ilha. O ninho das grandes corujas caçadoras de penacho fora destruído pelo despertar do monstro, e eu as vi em debandada desesperada acima da minha cabeça, nos céus da Antártida aos montes.
Depois vieram duas patas como as de um elefante, se ergueram metros acima do chão e pisaram com força, destruindo totalmente a mata à beira do lago e deformando a estrutura da cratera. Não fiquei nem mais um segundo, corri tanto que logo estava no encalço dos meus amigos, chegando à clareira onde o zepelim estava à todo o vapor: Don e Ray haviam sentido os tremores de terra e visto tentáculos colossais, maiores do que todos os que eles haviam visto, se assomando na linha do horizonte. Estavam prontos para escapar, fechando a escotilha do zepelim quando saltamos para dentro nos machucando mais ainda!
Para nossa surpresa, haviam tentáculos atrás de nós em nossa fuga também, tentáculos esses que foram decepados com o fechamento violento da escotilha. O zepelim se distanciava cada vez mais do chão. “se vocês dois estão aqui, quem está pilotando o navio voador?!” eu perguntei, afoito. Ray Ann respondeu-me que haviam encontrado o piloto escondido em um dos armários e o convencido de colocar a geringonça para funcionar e escapar dali de uma vez por todas! Ora vejam só! A comemoração foi tanta, nos abraçamos e gritamos vivas, subimos ao patamar superior e adentramos no zepelim correndo em direção à sala de controle no andar inferior, descendo pelo alçapão na cozinha, passando pela sala das máquinas.
Das enormes janelas da cabine do capitão, vimos aqueles tentáculos asquerosos se esticando abaixo da aeronave, lutando contra a gravidade tentando nos alcançar! Era uma cena apavorante! A floresta havia sumido e tudo era só tentáculos! Como um ser daqueles conseguia possuir tantos braços? Grossos, finos, curtos e compridos?! Olhar ao redor era encarar um pesadelo, olhar para trás, pior ainda! A grande criatura havia partido a ilha em duas enormes placas de terra em sua agitação colérica pela nossa fuga, esgueirando-se cada vez mais das profundezas e assomando-se acima de tudo o que havia ao redor. Até mesmo das cordilheiras que cercavam a ilha (ou o seu casco, sua casa, a carapaça que protegia o seu corpo).
Não pudemos conter o misto de pavor, horror, ojeriza e asco ao ver a aparência daquele ser hediondo que surgia há pouco menos de dois quilômetros do zepelim. Estávamos cara a cara com ele, praticamente.
Algas marinhas avermelhadas haviam crescido aos montes no topo da sua cabeça, formando uma floresta densa que agora lhe caía sobre os enormes olhos amarelados como uma cabeleira escorrida e vermelha. Sua cabeça era um misto da cabeça de uma tartaruga com um crocodilo: tinha dentes protuberantes ameaçadores e um bico curvo. Seu longo pescoço ligava aquela monstruosidade de cabeça a um corpo disforme e quase humanoide, de onde lhe escapavam as compridas patas de paquiderme que se entortavam para frente e lhe apoiavam a subida, além de um horroroso par de garras crustáceas esticadas para frente que abriam e fechavam em fúria. Seria ela uma fêmea de algum mamífero mutante? Percebi três nódulos em forma de seios protuberantes em seu tórax coriáceo. Olhei por alguns instantes e quase pude ver o poderoso Empire State no lugar da criatura, ela tinha a altura do maior prédio do mundo!
Estávamos em movimento, partindo para longe da ilha, sobrevoando a floresta de vidro, e depois a pastagem dos alces, a caatinga de cristal e por fim, a cidade grega congelada no tempo. Passamos raspando por cima do pico gelado de uma das cordilheiras, por pouco não nos acidentamos. O que vimos depois de cruzar o paredão de pedra que cercava a ilha tornou a nos preocupar muito mais do que olhar para trás e ver aquela criatura quase totalmente fora de sua toca: os maiores tentáculos (maiores até mesmo do que aqueles que puxaram nossa embarcação para baixo) estavam totalmente fora d’água, esticados, se contorciam como minhocas famintas perigosamente próximas do nosso veículo voador em fuga!
Completamente esticados, escorregavam montanhas acima de forma preguiçosa por serem os mais pesados (provavelmente por esse motivo a criatura os manteve descansando nas profundezas esse tempo todo: colocá-los em movimento seria muito dispendioso a ela), seus movimentos quebravam a praia e todo o gelo das grandes placas de iceberg que cercavam a ilha por todos os lados. Eles nos caçavam, procuravam agarrar-se ao zepelim como os mais finos e mais leves o faziam, esticando-se muitos metros acima do mar, em nossa direção, perigosamente próximos de nós, faltava muito pouco para sairmos da zona de perigo, mas não havia a certeza de que sairíamos dessa vivos.
Olhar ao redor era encarar um apocalipse de tentáculos. Tentáculos colossais vindos das profundezas abissais do mar antártico, destruindo os paredões de pedra, o gelo dos icebergs, levantando névoa branca e espessa no ar gelado, eclipsando a luz do pôr-do-sol eterno e o brilho das constelações. Eles avançavam para cima famintos, se debatiam furiosos, destruíam tudo o que existia em volta, tornavam o mar bravo, revoltoso, agitado, quebrando o gelo em volta como se fosse gesso, levantando a poeira branca que encobria tudo.
Já havíamos pegado uma altitude relativamente segura, e a floresta de tentáculos gigantescos estava começando a ficar para trás. Os urros da besta fera colossal ainda faziam vibrar o zepelim de ponta a cabeça, o lustre vibrava, as luzes falhavam, a água nos copos ondulava, mas isso não nos abalava. Este inferno sonoro durou apenas algumas horas. Olhávamos fixamente para o horizonte, sentados ao lado do nosso novo capitão que pilotava a nave como se estivesse em outro mundo, não neste. Estávamos correndo um risco enorme, é claro. A besta fera talvez estivesse neste exato momento nadando ao nosso encontro. Talvez houvesse destruído a ilhota ao seu redor com toda a sua cólera animalesca, pondo-se a arrastar seu corpanzil montanhoso nas profundezas do oceano rumo ao nosso encontro, para surgir no meio do mar azul diante de nós e engolir-nos com a sua bocarra repleta de dentes.
Nenhum de vocês jamais entenderia o nosso desespero, jamais entenderia o porquê de termos passado três dias acordados sem sequer piscar os olhos desde que alçamos voo daquela ilha maldita, da toca da besta, do esconderijo colossal da maior e mais grotesca fera submarina. Fechar os olhos para nós significava ouvir o arrastar dos tentáculos ao nosso redor, vindo em nossa direção. Significava muito mais do que isso, significava ver aquele misto de tartaruga, polvo e crocodilo surgir diante de nós, pronto para nos dilacerar com um único movimento de suas garras de crustáceo, esmagar nosso corpo de formiga comparado à suas patas de paquiderme do tamanho de um prédio de dez andares.
Nenhum de vocês jamais entenderia o nosso medo se não tivessem vivido e visto os horrores que vimos, passado pelo que nós passamos. Na pele, no frio, no sangue e no gelo. O infinito branco do mar antártico. O infinito que guarda horrores desconhecidos ao conhecimento humano. Sequer imaginados. Nem em meu pior pesadelo conseguiria criar de forma tão perfeita e tão grotesca tal ser tão gigantesco e monstruoso. Tão ameaçador e maligno.
Minha descrição besta-colosso nesta gravação é ridícula, inútil, boba. Eu jamais poderia descrever com palavras. Talvez “horror” já esteja em desuso há muito tempo perante a existência de tamanha atrocidade natural. Nem que eu vivesse 200 anos encontraria palavras para descrever o que vi com estes olhos que em breve a terra há de comer.
O que mais me deixa perturbado é a dimensão da sua existência, o tamanho daquele monstro, tão grande o bastante para ocupar uma possível caverna subterrânea inteira embaixo daquela ilha, para fazê-la de casco. Agora entendo como aquele largo canal fora aberto. Não fora terremoto, maremoto ou pressão natural alguma, longe disso! Muito longe! Aquele canal fora aberto com a passagem da ilha, com a passagem do monstro. Aquela ilha estivera há milhares de anos no mar mediterrâneo, estivera entre as ilhas gregas, pessoas já viveram ali um dia. Aquela ilha já estivera também nos trópicos, onde as árvores e os animais surgiram, cresceram e procriaram. E por último, a ilha mudara-se para o sul, para os mares calmos e gelados da Antártida, onde tudo congelara e morrera, onde os animais mais resistentes puderam adaptar-se ao frio intenso da região, atrás daqueles paredões de pedra eles aprenderam e sobreviveram durante séculos.
A ilha era o monstro e o monstro era a ilha. Sempre fora desde o início. Eu luto e reluto contra o fato, mas esta é a grande verdade. Recuso-me a acreditar que tamanha bestialidade tenha lugar num mundo criado por Deus. Pelo nosso bom pai. Qual seria o motivo daquele monstro existir, então? Seria ele o grande leviatã bíblico?! Uma ilha-monstro que nada pelos oceanos sustentada por tentáculos famintos! Imaginem o estrago que esta criatura faria se neste exato momento batesse de encontro contra um continente? Contra uma cidade costeira como Nova Iorque ou Miami? Não gosto nem de pensar em tamanha desgraça! Nenhuma arma que exista no mundo de hoje seria capaz de matá-la, ela subiria na placa continental e destruiria tudo o que encontrasse pelo caminho, irritada como a deixamos para trás, sedenta por vingança!
Apesar do tempo que se passou desde que vivemos estas terríveis aventuras, ainda acredito que a fera esteja me caçando pelos oceanos. Eu a olhei nos olhos e sei do que estou falando. Havia consciência ali em algum lugar. Havia raiva, fúria, ódio. Tudo num misto, num verdadeiro caos. Ainda fico imaginando o que ficou oculto pelo mar. Pela ilha-carapaça. Lembrando-me que só o vi da cintura para cima, do meio do corpo até a cabeça, percebo que poderia haver muito mais ali embaixo, escondido, levando em conta que os tentáculos se esticavam há quilômetros de distância do corpo visível. Do centro da ilha. É um terror inimaginável.
Milhares de braços, milhões de tentáculos. Duas patas de caranguejo, duas patas de elefante.
Não conferi os dias ou as noites que a nossa viagem de volta nos custou. Não me lembro de muita coisa deste retorno. Dias? Semanas? Meses? Tudo me pareceu um único momento estendido: o momento entre o terror do mar aberto e a segurança de uma cidade. De estar rodeado de pessoas civilizadas, e não de feras loucas e famintas. Quando dei por mim, o Empire State havia dado lugar ao tronco do monstro-ilha, desta vez era real, e não apenas uma comparação de tamanho e proporção. Havíamos sido guiados pela bússola até Nova Iorque, mas não tivemos coragem de descer ali. Não tivemos coragem de descer em lugar nenhum.
Os rostos daqueles marinheiros que perderam a vida nesta tragédia estavam fixos nas minhas retinas. Ainda estão. Todos eles, desde os homens do Capitão Maurice até os homens do Capitão Grendel, aqueles com quem desenvolvemos mais intimidade e nos tornamos tão familiarizados. Foi difícil readaptar-se à vida em sociedade, todos nós tivemos de passar por terapias intensivas em centros psiquiátricos depois que fomos resgatados, quando o zepelim foi encontrado caído nos campos de milho do sul da Virgínia. Havia muito gás hélio nos galões, e eles acabaram quando estávamos começando a adentrar no continente. Não queríamos descer, estávamos muito apavorados, foi uma luta enorme para as autoridades nos retirarem de dentro da nave. Trauma psicológico, isso se chama.
Poucos foram os que se recuperaram. Eu fui um deles. A reabilitação custou vinte anos da minha vida, mas consegui, mudei-me para a Europa e comecei vida nova. Ray Ann foi a última com quem encontrei antes de partir. Agora uma moradora do Central Park. Quanto aos outros, não sei ao certo como terminaram. Não sei nem se estão vivos até hoje, provavelmente não. Mas eu estou aqui, nos meus últimos momentos, contando a vocês a parte oculta da verdade.
Se não acreditam em mim, vão até os mares do extremo sul do globo verificar. Naveguem em águas desconhecidas e não mapeadas. Duvido que teriam coragem. Duvido muito.
Como diria Don Hills: “A natureza às vezes nos surpreende, meu caro”.




A gravação encerra-se com um suspiro profundo e uma tossida. Sem nenhuma data ou qualquer informação, suspeita-se que tenha sido gravada na mesma noite em que Christopher Umbrella faleceu.
A fita contendo o depoimento original está guardada nos cofres da instituição, indisponível para acesso público.

...






FIM

Boicote

Todos nós crescemos ouvindo a mesma ladainha: "seja quem você é, não importa o que os outros pensem, seja você mesmo". Comigo não foi diferente. Isso foi o que eu mais ouvi dos meus pais durante toda a minha vida, eles que sempre entenderam o que estava se passando comigo desde os primeiros sinais. Mas e quando chega o momento em que eles te orientam a fazer o contrário daquilo que eles incentivaram?

Pois bem, cá estamos nós, às vesperas do lançamento do meu primeiro livro, escrito por um Antonio de apenas 14 anos, que não queria muita coisa da vida se não perder-se em meio à fantasia para fugir da realidade... Hoje à tarde tivemos uma conversa a respeito disso, a respeito do meu comportamento para com isso, a respeito de mim, sendo mais direto. Papai está preocupado em como a sociedade irá me enxergar depois dessa grande Première, e por isso me orientou a ser o mais sóbrio e discreto possível nas minhas roupas, na minha vestimenta e no meu comportamento, para que as pessoas me levem a sério. Sendo assim, nada de extravagância como coroas ou luvas de couro cheias de tachões e strass. Nada de ser eu mesmo. Nada de ser quem eu sou. Eu tenho que parecer sério.

"O que tu achas que vão pensar de ti ao te verem chegando na festa usando uma coroa?"

Na minha cabeça: "que eu sou uma pessoa divertida? engraçada?"

"Que o filho do Pantoja tá querendo chamar atenção, oras! Não vão te levar à sério desse jeito!" ele disse. E mamãe assinou embaixo.

Então é assim, é ir pelo que os outros podem pensar, pelo que eles vão achar. Pela minha aparência... É aquilo que eu mesmo disse ao Paulo Ronaldo na entrevista via e-mail: "as pessoas, elas estão mais preocupadas com o que eu estou vestindo do que com o meu talento, elas me julgam mais pela aparência do que pela minha capacidade".

Bom, que assim seja! Irei me descaracterizar totalmente para posar de escritor, já que é isso que a sociedade exige de mim, já que é isso que os meus pais querem.

Espero que esse controle sobre o meu agir e o meu pensar não dure muito tempo, espero mesmo. Espero que meu livro faça muito sucesso, e que eu arranje contrato para o restante da saga inteira, para que eu possa publicar no mínimo um livro por ano, para que eu possa andar com as minhas próprias pernas e faça aquilo que tenho vontade de fazer. Agradeço aos meus pais pela preocupação que eles tem comigo, sério mesmo, há muitos pais por aí que nem se importam, pra falar a verdade, mas meu pai, bom, ele se preocupa com o que podem dizer, com o que as pessoas podem fazer, como elas são capazes de me magoar.

Isso me lembra o episódio "Prom Queen" de Glee, onde o Kurt Hummel encasqueta com a ideia de ir ao baile usando uma coisa meio-saia-meio-calça, e todos são contra ele usar isto por causa do que os outros podem fazer, dizer ou pensar, e o pai dele explica que não pretende proibi-lo de ser ele mesmo, mas sim protegê-lo (bom, por um lado todos estavam um pouco certos, porque aquilo que ele estava usando era de um mal gosto do caramba)... Mas o Kurt, bem, ele foi assim mesmo ao baile, e fez o maior sucesso! Ganhou até o título de Rainha do Baile, ora vejam só... É a vida imitando a arte (ou a arte imitando a vida). Enfim, fui BOICOTADO, agora deem uma olhadinha nos modelitos cotados para esta grande noite:



(modelito inspirado em Alison Goldfrapp na era Seventh Tree. Abaixo, o original)







É, vai ver meu destino é
aquele que eu mais temia:


ser apenas mais um, moldado
pela sociedade

Louie
Mimieux

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Octopus (Penúltima Parte)


(...) A Floreta foi talvez a parte mais perturbadora da nossa trajetória rumo ao centro da ilha, o olho e a mãe de todas aquelas bestas-feras que encontramos pelo caminho. Ali, tudo parecia ser feito de vidro, vidro colorido, um banquete para os olhos. As folhas das árvores eram duras como pedra e tão geladas que o simples toque com a ponta dos dedos em sua superfície perfeitamente lisa fazia com que os mesmos ficassem grudados à elas. Pietro caiu no erro de tentar lamber uma pera e acabou ficando presa a ela durante metade da nossa caminhada mata adentro, ele salivou o suficiente para que a fruta de vidro (ou gelo) desgrudasse de sua língua.

Os caules das árvores eram um espetáculo: lustrosos e imponentes, grossos, reluziam como se debaixo de camadas latentes de verniz. O mesmo valia para galhos, arbustos, pedras que encontramos no caminho – e pasmem – animais. Exato. Encontramos animais congelados no tempo como estátuas em nosso caminho. Veados, araras, macacos, leões, jaguares, hipopótamos, jacarés em uma lagoa cristalina congelada. Encontramos girafas, zebras e leopardos em seus galhos com os olhos verdes fixos no vazio para a eternidade. Tudo tão brilhante, perfeito, mantido em estado de perfeita conservação graças ao gelo. Era como se Deus houvesse quebrado o maior de todos os galões de nitrogênio do universo e despejado seu conteúdo sobre uma mata tropical. Frutas pendiam gordas como pedras preciosas reluzentes em seus ramos, flores que se despedaçavam como vidro frágil ao toque das delicadas mãos de Ray Ann. Rosas que se desfaziam e viravam cacos minúsculos soprados para longe ao sabor do vento.

“Um bosque encantado...” exclamou Fábia, alisando com cuidado a galhada de um veado. Seus dedos estavam protegidos pela luva, pelo menos ela não caíra na bobagem de tirar a luva para sentir a realidade, porque a realidade era muito mais fria e dura do que ela imaginava. “Um bosque amaldiçoado...” completou Don Hills, esticando a mão para tocar as faces de um estranho macaco pendurado num galho acima de sua cabeça. Ele tinha a pelagem branca como a neve, os olhos negros como a noite e a pele azul, azul como um quartzo. Como o quartzo que o animal possuía grudado à testa. Animal este que estava vivo, que guinchou e abocanhou a mão de Don com um golpe certeiro, quase arranca-lhe os cinco dedos de uma só vez!

No mesmo instante, eles choveram aos montes sobre nós, arrancando nossas boinas e toucas para o frio, puxando nossos óculos dos rostos, atacando nossos cabelos, tentando arrancar nossas roupas às dentadas! Macacos, muitos macacos exatamente como àquele descoberto por Don Hills, contra o qual ele lutava naquele exato momento por estar grudado à sua cara como uma estrela marinha gruda a sua pedra. Augusta tirou a pistola da cintura e acertou dois, três, cinco macacos de uma vez, levou um tapa na mão e perdeu a arma no meio da mata de vidro que se desfazia e quebrava aos esbarrões dos corpos em meio à luta.

Não entendíamos o que os macacos queriam, talvez estivéssemos invadindo o território deles ou algo parecido. Estávamos muito longe das colinas onde ficava o pasto branco dos alces para voltar correndo e não sabíamos o que havia na trilha adentro da floresta congelada, e aqueles macacos malditos não paravam de vir aos montes, caindo sobre nós como aranhas peludas, eram pequeninos, pigmeus, mas muito fortes!

Um rugido ecoou pela mata, foi a deixa dos símios azuis, que escalaram às árvores amedrontados, fugindo de algo muito maior e mais violento que eles. Augusta catou sua pistola e carregou-a com balas novas, meteu os óculos de aviador nos olhos e nos indicou o caminho seguro, contrário à origem do rugido bestial. Eu ouvia o vidro partir-se ao longe com a passagem de algo gigantesco, e tive o prazer de chutar dois daqueles macacos malditos em meio à minha fuga. Mas a coisa que vinha atrás de nós era muito rápida e estava cada vez mais próxima, por mais fechada que a mata parecesse. Nós estávamos cobertos de arranhões e nossas roupas estavam em frangalhos por causa das pontas afiadas das folhas e dos galhos de vidro. Fábia tropeçou em uma raiz e eu tive de parar para ajudá-la. Foi quando fiquei cara á cara com a coisa que nos perseguia. Os outros tiveram de se esconder, não podiam nos deixar e muito menos enfrentar o monstro que havia surgido.

Eu estava cara a cara com um enorme javali, aparentemente estivera hibernando este tempo todo, e a gritaria e os tiros o haviam acordado. Suas presas eram compridas e transparentes, um chifre lhe escapava do meio da testa, seus olhos eram vermelhos como fogo e seu corpo coberto de listras brancas e azuis, seus cascos eram transparentes como as presas e os chifres. Seu hálito era mortal e gelado, eu estava olhando nos olhos da besta sem fazer um único movimento, talvez eu mesmo estivesse me tornando parte da floresta de vidro naquele momento. Mas algo me chamou a atenção: um beija flor congelado no ar meu lado, bem próximo ao meu rosto, grudado à flor pelo seu bico fino. Uma coisa belíssima. Eu não poderia deixar que aquele monstro o quebrasse. Fechei os olhos e quando os abri novamente, vi Augusta diante de mim acertando o javali bem no meio dos olhos com três tiros da sua potente pistola. A besta caiu de lado, morta, jorrando sangue pelas fuças.

Nos afastamos ao máximo do local, procurando um lugar seguro para descansar e passar aquilo que se parecia a noite naquele hemisfério do mundo. Quando o céu ficava mais escuro e as constelações mais nítidas. Acendemos uma fogueira com o que tínhamos em mãos, nossos últimos recursos. Mais uma noite fria como aquela e acabaríamos como a floresta: congelados. Tinha de haver um jeito de escapar dali, tinha! Não poderíamos ter escapado do inferno verde para morrer num inferno branco! Tentáculos, alces pernaltas, corujas monstruosas, macacos e javalis bestiais! O que mais precisávamos enfrentar para ter de sobreviver ali naquele frio terrível?! Eu não sentia mais meus dedos!

Pietro mostrou-nos a salvação quando, ao chutar uma árvore que se desfez em flocos coloridos de neve, revelou uma clareira onde um zepelim – sim, meus queridos, um zepelim – abandonado jazia intacto. Um sinal de que Deus ainda não nos havia abandonado. Passaríamos a noite ali dentro, nos aquecendo como podíamos. Pela manhã arranjaríamos um jeito de fazer aquele pequeno zepelim funcionar. Íamos escapar dali, nem que fosse voando!


Fim da Penúltima Parte!


Road To Somewhere


Walking down the Mercer Street
Been a long hot summer
Rain like daggers coming
Down on me
Get a feeling it's too late
But alone, together, could
Be we might start it up
Allover again

Dream, dream you're not
Too late
Sweet road to somewhere else

Listen to the radio
Are you calling?

3 o'clock I'm on my way
On the road to somewhere
Little clouds like wounds
That blow away
Listening to the radio like a
Friend that guides me
Playing out every song
We used to know

Dream, dream you're not
Too late
Sweet road to somewhere else

Listen to the radio
Are you calling?

Bring it on
Come along
On the road to somewhere
Take our time
See the signs
On the road to somewhere





Esta música se chama "Road To Somewhere", escrita e interpretada pela minha banda favorita, Goldfrapp. É a primeira vez em toda a minha vida que uma música se encaixa tão perfeitamente com o momento que vivo. Ela reproduz de forma poética e romântica o bucolismo da passagem do tempo e o modo como as coisas que nós mais amamos são efêmeras. Em poucos versos, Alison Goldfrapp nos instiga a amar e a sonhar, pois isto é o que realmente vale a pena na vida, e é talvez a única coisa que levamos nesta "Estrada pra qualquer lugar". É uma música simples, de melodia agradável e composição tranquila, doce e calma como um descampado açoitado pelo vento.

Nesse descampado, eu recortei borboletas de papel, e pendurei as folhas de onde elas foram extraídas na árvore, para que o sol batesse contra elas e formasse borboletas de luz na grama. Foi o que fiz ontem à tarde, atrás da galeria onde tive minha grande estreia, na companhia de meus amigos. Um ciclo se fecha para que outro recomece. Havia uma borboleta no papel, e agora ela está livre.

Andando pela rua Mercer
Foi um longo e quente verão
Chuva chega como punhais em cima de mim
Tenho um sentimento que já é tarde demais
Mas sozinhos juntos
Pode ser que poderíamos recomeçar tudo mais uma vez

Sonhe, não é tarde demais
Doce caminho para qualquer outro lugar
Ouça a rádio
Você está chamando

03:00 Estou no meu caminho
Na estrada para algum lugar
Pequenas nuvens como feridas que explodem

Ouvindo o rádio como um amigo que me guia
Tocando todas as músicas que costumávamos conhecer

Vamos lá
Venha comigo
Na estrada para algum lugar
Tome seu tempo
Veja os sinais
Na estrada para algum lugar








terça-feira, 21 de junho de 2011

Sucesso!


Nesta segunda feira, as portas da Galeria de Artes da UNIFAP abriram-se para a nossa primeira exposição: a instalação Barroco & Sacra! Foi o máximo! Incrível! Belíssimo! Trouxemos um ambiente surreal para o nosso mundo e transformamos sonhos e ideias em arte e emoção, caí na lama, passei o dia inteiro usando uma túnica, voltei pra casa de ônibus e descalço, mas valeu a pena! Ficou muito lindo! Não tinha como não segurar as lágrimas ao ver nossa Virgem Maria estilizada à la Lady Gaga chorando por seu filho Jesus Punk crucificado ao som dos instrumentais de Marry The Night! Assim que as fotos estiverem disponíveis, posto aqui no blog! Não há palavras para descrever a experiência, foi simplesmente mágico!

Assim, encerro meu primeiro semestre como acadêmico do curso de Artes Visuais na UNIFAP.



Draconius Nefastus 2 - Octopus (Parte 5)




(...) Acordei de um sonho onde recebia uma espécie de beijo chupado no queixo, mesmo após despertar, a sensação continuava. Ainda de olhos fechados resolvi esfregar meu rosto, e é claro, meu queixo, a parte onde o formigamento era maior. Imaginem a minha surpresa ao apalpar algo comprido, grosso, quente e gosmento passeando pelo meu corpo, algo coberto de pequenas ventosas que me estudavam pelo tato. Puxei meu canivete e perfurei a coisa no escuro, tateei em busca da luminária e foquei em cima da coisa. Para meu espanto, um tentáculo cor de cobre se contorcia diante do meu nariz, espirrando um sangue negro e viscoso do ferimento que o havia infligido. Don Hills saltou do escuro, agarrou a coisa entre as pernas e com sua adaga, cortou-a ao meio. O sangue negro como piche esguichou no meu rosto. A coisa retrocedeu do lugar de onde vinha: da luz pálida da janela.


Eu e meu pareceiro de luta corremos até a sacada do palacete grego e vimos milhares daquelas coisas tateando sobre as casas e as construções, seguindo nosso rastro! Um arrepio me subiu dos pés à cabeça. “Corra, vá acordar os outros!” eu pedi, e assim foi feito. Logo todos nós estávamos na janela observando a movimentação lá embaixo, nos telhados, nas portas, nas janelas e nas varandas, pareciam raízes crescendo e se expandindo sobre o mundo branco da cidade congelada. Uma neve fina começou a cair, a luz pálida do céu cheio de estrelas começou a rarear, tínhamos de sair dali o quanto antes!

“Eu reparei que essa cidade tem um sistema de esgotos como qualquer outra! Os tentáculos estão vindo de lá!” exclamou Ray Ann apontando para um ralo no meio do nosso caminho: uma daquelas coisas já se esgueirava por lá. O segredo era passar por elas sem fazer movimentos bruscos ou barulho, os tentáculos eram atraídos por vibrações.

“Quer dizer que aquelas coisas na água, que afundaram o barco...”

“Sim! Eram tentáculos!” eu respondi a quem quer que seja que tivesse feito a pergunta.

“Mas aquelas três que agarraram o barco eram grandes demais! Maiores do que essas que estão aqui agora!” exclamou Pietro.

“E torça para que elas não venham até aqui!”
T

arde demais. A fonte no centro da cidade estourou bem diante de nós, e dois dos tentáculos maiores surgiram de lá, sorrateiros e ligeiros, passeando por entre as construções, seguindo o rastro da vida, procurando o alimento. Um dos marujos que nos seguiam foi capturado então, seu grito atraiu a atenção dos outros tentáculos que rapidamente tatearam rumo ao nosso caminho, retrocedendo para dentro de seus buracos originais para escaparem por outros mais próximos ao nosso paradeiro! Era um verdadeiro pesadelo! Corri como há muito tempo não corria, desde que fugi da grande AibSom’ar!

Quando chegamos à praça central finalmente, saltamos com destreza sobre os tentáculos mais grossos que estouraram a fonte, estávamos a caminho dos portões para fora da cidade, para o interior do vale, faltava muito pouco até que uma daquelas coisas agarrou-se ao braço de Fábia e outra enroscou-se em sua cintura! Puxamos nossas adagas para cortar um por um, mas outros surgiam e tentavam aderir às nossas roupas, eu e Pietro estávamos fazendo de tudo até que Augusta puxou do seu bolso uma pistola e iniciou uma série de tiros, acertando um a um dos braços de cefalópode sem errar! Era incrível!

Saímos sãos e salvos da cidade, eles não eram longos o suficiente para se esticarem até o centro do vale. Nos vimos então correndo por desertos de pedra e gelo, para longe da cidade congelada, para dentro da selva de gelo, para dentro da floresta tropical parada no tempo.

Mais relaxados, passamos a caminhar enquanto arbustos e pequenas árvores iam surgindo no nosso caminho. Era como um cerrado branco, uma caatinga de cristal: galhos retorcidos cobertos de neve se entrelaçavam ao nosso redor de forma a montar uma selva estranha e congelada.

“Que estranho!” exclamou Ray Ann.

Peculiar!” observou Don, passeando seus dedos nos galhos, quebrando-os para analisar sua estrutura, catando frutos duros e gelados do chão. Uma floresta congelada.

Parecia-me que alguém havia pegado o cerrado nordestino do Brasil e o lançado de uma hora para a outra ali, no meio da Antártida, onde seu congelamento foi instantâneo. Chegamos a um ponto onde nossa conhecida amiga neblina tomou conta da nossa vista por inteiro, tivemos de dar as mãos para seguir caminho enquanto alguém ia à frente tateando e pisando com cuidado, caminhamos assim por aproximadamente uma ou duas horas. Foi o momento em que uma corrente fraca de ar começou a soprar a neblina para cima, limpando nossas vistas, o que estava acontecendo agora era que a massa de ar subia aos poucos, deixando o caminho à nossa frente completamente limpo.

Pudemos então largar as mãos uns dos outros para caminhar com mais liberdade, sempre atento a cada passo dado para não cair em armadilhas da natureza ou coisa parecida. Vez ou outra eu olhava para trás, certificando-me de que aqueles tentáculos asquerosos não nos estavam seguindo, saídos de alguma fissura na pedra ou algo parecido. A floresta ao nosso redor perdeu seus galhos retorcidos e a grossura dos seus caules, dando lugar a um campo de vegetais muito estranhos (se é que é realmente possível a sobrevivência de algum tipo de vegetal naquelas terras geladas).

Os caules eram finos demais, alguns tortos e outros perfeitamente retos, subiam acima das nossas cabeças e se perdiam entre a neblina que subia cada vez mais, juntos formavam uma espécie de floresta feita de gravetos. Uma floresta um tanto irregular, vez ou outra dávamos de cara com um daqueles caules, eles entortavam e voltavam para o lugar misteriosamente, sem quebrar ou dobrar. Era um verdadeiro achado botânico, Pietro e Ray Ann vinham lado a lado discutindo que nome científico dar àquela planta estranha oriunda do polo sul, onde nenhum outro vegetal era capaz de crescer. Era totalmente diferente da caatinga de gelo que ficara para trás pelo simples fato de não estar congelada, apesar do frio intenso. Que tipo de planta seria aquela, eu me perguntava, sempre erguendo a cabeça para cima quando topava com uma daquelas frente a frente. Tive a impressão de ver quatro delas se mexerem desordenadamente, mudando de posição, espantei-me e olhei ao redor. Nada. Talvez fosse coisa da minha cabeça.

Cabeça. Foi isso que surgiu no meu caminho. Vinda de cima, uma enorme cabeça de alce desceu de boca aberta mostrando todos os dentes. Tinha os olhos vermelhos e uma galhada farta, algo medonho, como um tipo de zumbi ou fantasma, veio da neblina acima da minha cabeça e depois voltara para cima assustadoramente! Eu gritei e chamei pela atenção de todos, mas ninguém além de mim parecia tê-la visto! Na mesma hora a caminhada foi interrompida e uma discussão ferrenha sobre a minha sanidade mental teve início. Achavam que eu estava começando a ficar perturbado com os últimos ocorridos, que tudo o que eu tinha visto desde as florestas da América do Sul até ali havia mexido com o meu psicológico de alguma forma. Bati o pé e afirmei não estar louco, eu vi a cabeça de alce assim como os via naquele momento diante de mim!

A neblina estava cada vez mais alta, em poucos minutos ela seria nuvem e não névoa, decidimos então retomar a caminhada e não ficarmos parados nem um minuto, não sabíamos o que poderia nos estar espreitando ali naquela neblina cada vez mais fina. Quando os caules finos ficaram mais escassos e o terreno voltou a ser um simples deserto branco coberto de neve, uma ladeira surgiu diante dos nossos olhos. Era uma subida íngreme, mas conseguimos chegar ao topo e sair da neblina finalmente, após o que me pareceram uns 15 minutos. Foi como ter escalado o rochedo no dia em que desembocamos naquele maldito canal.

Lá no topo da colina, para onde voltávamos os olhos, víamos branco, tudo era branco. Névoa para todos os lados. Mais ao longe estava a caatinga de cristal de onde havíamos saído (da qual só podíamos ver agora os galhos retorcidos acima do mar de nuvens baixas), e atrás da caatinga, no horizonte, a cidade congelada no tempo. Na distância em que nos encontrávamos, não podíamos distinguir cor, apenas formas, de modo que não sabíamos se os tentáculos ainda estavam por lá vasculhando o nosso encalço.

Foi então que um vento forte digno de uma tempestade abateu-se sobre nós. Tivemos de nos abaixar imediatamente para não sermos carregados pelo vendaval repentino, ele estava levando todo o branco do horizonte, deixando à mostra tudo o que estivera escondido pela neblina e pelas brancas nuvens. Agora todos viam com os próprios olhos o que eu havia visto anteriormente, eu já não era mais louco que todos eles, de perto ninguém é normal, mas todos naquele momento estávamos no mesmo barco, eles muito mais do que eu. O que víamos agora com clareza era monstruoso, disforme e ao mesmo tempo fenomenal.

A floresta de vegetais com caules finos que circundava aquela colina, a mesma floresta pela qual nos cortamos caminhos nessa fuga desembestada e sem rumo, era na verdade o resultado da união das pernas finas de uma manada inteira de milhares de colossais Alces Perna-de-pau (como os chamei mais tarde). Uma espécie totalmente nova descoberta por nossa expedição casual àquela ilha misteriosa. Eram alces normais, exceto pelos olhos totalmente vermelhos como o de animais albinos e a galhada diferenciada, visivelmente mais farta e ramificada que os seus talvez parentes da América do Sul, o seu algo a mais estava na altura das suas pernas! Era totalmente descomunal e desproporcional um corpo tão grande e gordo como o de um alce ser sustentando por pernocas finas como aquelas que os mantinham de pé. Algumas chegavam a ter cinco, seis metros de distância do chão, da galhada até o casco.

Permanecemos a admirar aquelas criaturas hediondas por um bom tempo, percebendo sua natureza pacata, encaramos muitos nos olhos, eles apenas nos observavam curiosos, sempre parados no mesmo lugar, mexendo somente a cabeça. Volta e meia seus cambitos finos que sustentavam tamanho corpanzil se mexiam, mas nada muito significativo... Sentados, vimos os vultos alados se aproximarem cada vez mais. Pensávamos serem gaivotas, porém ao percebemos a natureza verdadeira daquelas coisas que voavam exatamente em nossa direção, partimos com cara e coragem para debaixo da “floresta de alces”.

Eram enormes e gordas corujas brancas, fazendo rasante ao redor da colina, capturando os alces com suas garras e destroçando-os no ar. A movimentação começou: os alces urraram a partiram em debandada, pisoteando o terreno, se empurrando, caindo e se amontoando. Corríamos junto com eles, seguindo seus passos, eles nos levariam para um lugar seguro, só não podíamos permitir ser pegos pela visão potente das corujas (que possuíam um estranho penacho azul-turquesa na cabeça). Não poderíamos perder o ritmo e nem sair de baixo dos alces, elas nos veriam e mergulhariam exatamente em nossa direção! Foi exatamente o que aconteceu a mais um dos marujos que estavam conosco. Logo éramos apenas eu, Augusta, Ray, Don, Pietro e a escandalosa Fábia, que com seus gritos espantava mais os alces do que as próprias corujas!

Elas eram de uma aparência grotesca e assustadora. Possuíam os olhos enormes e amarelados como faróis, os bicos eram curvos e afiados, formando uma careta ameaçadora em suas faces de rapina, onde o papel das sobrancelhas unidas era interpretado pelos penachos azuis em suas cabeças. Estes, verdadeiros leques que se abriam e vibravam à cada guincho que escapava de suas gargantas profundas e famintas. Pássaros infernais do tamanho de búfalos africanos.

Fomos espantados para dentro de uma floresta – dessa vez verdadeira, não caatinga – congelada. Os alces se dispersaram ali, fugindo e se perdendo por entre as monstruosas árvores. Nós também havíamos nos perdido.




Fim da Parte Cinco!




sábado, 18 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Octopus (Parte 4)


(...) Sem termos outra opção, decidimos circundar a ilha, procurar por alguma coisa, algum sinal de vida inteligente, alguma saída. Não era uma ilha muito grande, e por incrível que pareça tinha uma circunferência perfeita. Os marujos estavam certos: havia realmente espaço entre as placas de gelo e as paredes de pedra, formavam canais estreitos e profundos. Não podíamos chegar muito perto da água, aquelas coisas sentiam a nossa vibração, a nossa presença. Caminhar em direção à areia da praia era despertar a atenção delas, mesmo no escuro elas sentiam tudo. Atirar uma pedra na água parecia fazer a superfície fervilhar! Era aterrorizante e ao mesmo tempo interessantíssimo.

Elas talvez sentissem a nossa presença por tudo ali ao redor estar muito morto e sem vida, um movimento qualquer causava esse furor enorme nelas. A saída era caminhar o mais longe o possível da água, sequer pisar na areia, com cuidado e passos calculados, íamos sobre as pedras e sobre os esqueletos de corais que existiram há milhares de anos atrás. O vento nunca soprava. Demos a volta na ilha em um único dia. Ainda tínhamos como conferir as horas porque cada um de nós possuía pelo menos um único relógio, pequeno ou grande, de bolso ou de pulso. Ray Ann tinha um no pescoço.

Estávamos sem esperanças quando, no começo do segundo dia, ao levantar “acampamento”, descobrimos uma enorme falha entre as montanhas, uma ravina profunda entre os paredões de pedra que separavam a praia do interior da ilha. A surpresa foi grande quando, após algumas horas, alcançamos o outro lado: havíamos encontrado um vale congelado repleto de torres de pedra, que mais adiante se revelaram para nós como antigas construções, abandonadas há milhares de anos atrás por um povo que ali vivia.

“Incrível” exclamou Ray Ann, passeando os dedos pelos inscritos de um totem de pedra. Mais adiante distinguimos telhados, janelas, portas e veículos, trenós rústicos congelados no tempo. Praças abertas, feirinhas abandonadas, jardins, piscinas de águas congeladas, estávamos diante de uma pequena Atenas esquecida no meio do oceano antártico. Quanto mais adentrávamos no vilarejo ao pé da montanha, mais nos surpreendíamos com o que encontrávamos. A arte contida ali nos deixava de queixo caído, boquiabertos! A perfeição com que aquele povo havia esculpido as representações humanas, as suas estátuas de feras e homens, aquilo era um banquete para os olhos. Tudo parecia tão vivo!

“Essa arquitetura sem dúvida é grega, esses inscritos são gregos!” exclamou Don Hills, fazendo uso de seu monóculo e seus apetrechos de bolso para interpretar o que encontrávamos pelo caminho “o que uma ilha grega está fazendo perdida no meio do gelo do polo sul?!” ele se questionava.

“Boa pergunta!” respondi enquanto passeava meus dedos pelas nervuras e ranhuras entre as pedras.

Encontramos casas trancadas ainda, arrebentamos portas e fechaduras para encontrar verdadeiros palácios mobiliados, mofados, móveis cobertos por finas placas de gelo, infiltração nos tetos que pingavam e escorriam sem parar. Encontramos o lugar mais seco e mais seguro para passar a noite, no segundo andar de algum tipo de mansão, exatamente aos fundos de um largo onde – pasmem – haviam PALMEIRAS congeladas. As folhas ainda preservavam o verde, coberto por finas camadas de gelo seco.

Acendemos o fogo, abrimos as latas de suprimentos recuperados e assim passamos mais uma madrugada. Na manhã seguinte, descobriríamos mais sobre aquele estranho mundo congelado que havíamos encontrado







Fim da Parte Quatro!




terça-feira, 14 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Octopus (Parte 3)



(...) Alarme falso.

O “funil” de gelo que encontramos formava uma cratera ao redor de uma espécie de rochedo em formato de meia lua. Escalamos esse rochedo e tivemos uma visão ampla da imensidão de onde estávamos.

Eram duas enormes placas de gelo, divididas por uma espécie de canal, que fora aberto de forma misteriosa por talvez um terremoto, uma tempestade, ou a pressão da água contra a superfície. Nossa embarcação havia entrado pela lateral da placa que caminhava para o norte e chegado a este canal cercado por paredões de gelo dos dois lados. Ao leste não enxergávamos nada além do canal e de gelo cercando-o pelos dois lados, mas a oeste, a oeste a coisa ficava bem mais peculiar.

Na extremidade oeste daquele canal gigantesco (o que primeiramente havia me parecido o mar aberto) víamos uma ilha. Finalmente uma ilha de verdade, e não só um rochedo. Haviam vários outros rochedos pontiagudos sobressalentes acima da crosta branca e gelada das placas gigantescas de iceberg, mas aquilo que despontava no horizonte era bem mais do que isso, era colossal! Uma cadeia de montanhas pontiagudas que parecia estar circundando um vale: algo que estivera fora do alcance das nossas vistas por causa das nuvens que cobriam os picos gelados, nuvens estas que estavam sendo sopradas para longe pelo vento aos poucos, revelando um horizonte reluzente do oeste. O sol brilhava fraco por detrás daquelas montanhas, era a época do ano em que o polo sul tornava-se noite.

Escalamos a borda da “tigela” de gelo e voltamos para o barco. Agora com a ajuda do vento leste, as velas nos içavam para oeste, não gastamos nenhum carvão. Segundo um dos nossos navegadores profissionais, provavelmente haveria falhas no gelo ao redor das montanhas, paredes de gelo de um lado e paredes de pedra de outro. Daríamos a volta naquela ilha montanhosa e sairíamos no mar aberto, navegaríamos ao sabor dos ventos até a Argentina e abasteceríamos a nossa fornalha para seguir viagem rumo ao norte.

Demorou algumas horas para que chegássemos até aquele lugar. Duas ou três, não me recordo, mas jamais me esquecerei da observação feita por Don Hills pouco antes do acontecimento fatídico que mudou o rumo da nossa fuga das águas geladas:

“Você percebe?” ele me perguntou, olhando fixo para o horizonte, para a cordilheira que surgia diante dos nossos olhos.

“Percebo o que?” eu lhe respondi com outra pergunta.

“Veja como os picos parecem formar uma coroa no horizonte, há um vale depois deles... Veja como eles parecem circundar alguma coisa... Nem parece natural!”

“A natureza nos surpreende às vezes, meu caro” coloquei meus óculos de aviador para proteger meus olhos do vento gelado, ele fez o mesmo, e assim ficamos, na proa, nariz apontando para o infinito, cada vez mais próximos da parede de pedra inclinada.

E então aconteceu. Um solavanco me lançou para frente e por pouquíssimo uma verdadeira cambalhota não me jogou nas águas geladas da Antártida! Don e Fábia me puxaram de volta antes que eu caísse, e a correria recomeçou. Após uma análise minuciosa da situação, foi averiguado que a embarcação havia enganchado perfeitamente sobre a ponta de um rochedo oculto pelas águas. Ele entrou com tanta força que furou o casco na lateral, qualquer movimento da embarcação agora nos levaria ao naufrágio, pois a única coisa que impedia a água de entrar no porão era a ponta da rocha que havia entrado como uma farpa.

A rocha teria de ser “serrada” e uma placa de metal teria de ser soldada contra o casco pelo lado de fora, ou seja, alguém teria de mergulhar naquele frio lancinante. O trabalho levaria pelo menos um dia inteiro! Era algo minucioso e cuidadoso que deveria ser feito com calma, teríamos de subir nos botes e desembarcar, para a nossa própria segurança.

Foi o que foi feito. Nosso grupo e mais dois marujos ocuparam um único bote, o resto da tripulação ocupou o outro. O serviço iria começar, teríamos de ser fortes para aguentar aquele frio glacial, nos aquecendo como podíamos enquanto o outro bote consertava o casco do barco. Nas sombras do paredão de pedra tudo era breu, o vento sequer soprava ali, por isso me perguntei o porquê das estranhas ondulações na água. Apontei para aquilo com curiosidade e mostrei ao resto do grupo. Animais marinhos como golfinhos, baleias ou focas estariam nos circundando?

“Tubarões!” Fábia gritou e agarrou Pietro, sua agitação precipitada balançou o barco de tal maneira que os dois marujos que estavam de pé caíram sentados e a gritaria começou. Uns mandando calar a boca enquanto outros rezavam pelas suas vidas e pediam misericórdia, o barco não estava muito longe de nós, havia vinte metros de distância entre o nosso bote e o casco, mais à nossa frente o bote com os dois tripulantes que trabalhavam no rochedo pelo lado de fora continha apenas um deles, o outro havia mergulhado após o sinal segurando a aparelhagem e a placa para soldar a ferida na embarcação, já haviam quebrado a pedra pelo lado de dentro, e a nossa agitação atraiu a atenção daqueles que ainda estavam no convés. Isso fez com que os holofotes nos iluminassem de imediato, e se apagassem logo em seguida. Alguma coisa estava acontecendo no barco.

Os homens que haviam ficado no convés correram para dentro ao ouvirem um estalo. Nós ficamos em estado de alerta. O que aconteceu em seguida foi muito rápido. Ouvimos o grito do homem que estava no bote diante de nós e depois o som de alguma coisa caindo na água, houve outro estalo, mais alto e mais próximo de nós, o bote do conserto havia sido puxado para baixo por alguma coisa, isso eu vi e não pude negar, não sei muito bem o que o puxou para baixo mas vi o momento em que ele se partiu em dois e afundou de bico para cima numa velocidade absurda. E em seguida foi o barco.

Ao som dos nossos gritos, dos quais o que mais se destacava era o agudo de Fábia, o barco foi tragado por algo enorme que saiu da água serpenteando, lançando-se sobre o convés e fazendo força para baixo. Essa agitação na água quase virou o nosso bote, lutamos para manter o equilíbrio. “REMEM! REMEM PARA LONGE!” um dos marujos gritou. Apanhamos o remo e à toda força iniciamos a fuga rumo à costa da ilha logo às nossas costas. Mais duas daquelas coisas compridas saíram da água e se enroscaram no navio ao som dos gritos dos marujos que lá ficaram, eu vi a silhueta de Rose Nilde pouco antes do maior de todos os estalos, o que partiu o barco mercante em três pedaços e o afundou com a mesma velocidade absurda.

Quanto mais próximos da ilha ficávamos, mais eu podia ver aquelas estranhas ondulações na água, corcovas como as dos camelos, serpenteando acima da superfície e afundando como serpentes malignas, eu remava à toda força, a área do naufrágio estava cada vez mais distante, eu vi uma daquelas coisas, as maiores como as que afundaram o barco, serpenteando em nossa direção vinda do rochedo, eu urrei em desespero quando o bote chocou-se contra a praia de pedra e areia.

“PULEM! PULEM PARA FORA DO BOTE! CORRAM PARA LONGE DA ÁGUA!” eu urrava.

Houve tempo apenas para que eu, o último a descer do bote, colocasse meu pé direito no chão. Eu mal havia saído quando milhares daquelas coisas, mais finas e mais ligeiras, ágeis como chicotes, se entrelaçaram na madeira e puxaram o bote para a água. Após isto, a superfície do canal tornou-se calma outra vez, calma e serena como antes, refletindo as constelações do céu da Antártida. A última das coisas a afundar de vez ainda procurava por nós. Um arrepio me subiu do dedão do pé até a nuca. Virei-me para os meus companheiros. Ray Ann estava ajoelhada guinchando “não! De novo não!” enquanto Fábia orava em alto e bom som. Os outros apenas pareciam perdidos e desnorteados.

Atrás de nós, uma montanha, à nossa esquerda um paredão de gelo e á nossa direita uma muralha iceberg. Diante de nós, um largo canal contendo milhares de monstruosas minhocas marinhas, prontas para nos devorar. O pesadelo estava se repetindo, mais uma vez.





Fim da Parte Três!

Sobre o Futuro





Algumas postagens antigas serão revisadas e se necessário, apagadas, para evitar certos tipos de situações, isto implica com a extinção da tag Love Angel Music Baby, e com ela, todos os relatos do meu dia a dia desde 2009, minhas desventuras, meus desamores e minhas alegrias irão junto também. Fico triste em ter de fazer isso, mas é necessário, estou ficando cada vez mais visado pela mídia do estado em geral e prefiro prevenir incômodos futuros. Será um trabalho realizado aos poucos, vou ler e reler cada um dos mais de 70 posts, e os que forem necessários, serão apagados. Obrigado pela compreensão =)

Esta semana e a seguinte serão as últimas do primeiro semestre na faculdade, me desejem sorte, pessoal. Vou precisar!




quinta-feira, 9 de junho de 2011

Draconius Nefastus 2 - Octopus (Parte 2)


(...) Levantamos âncora antes mesmo de o dia amanhecer, sem ter a plena certeza de que chegaríamos vivos ao porto de Nova Iorque. A rota que tomamos realmente era muito promissora, estávamos sendo levados a uma velocidade incrível e a todo vapor de volta para o hemisfério norte. O mar realmente era muito agitado ali, como os marujos haviam dito anteriormente, o barco nunca balançou tanto! Éramos jogados de um lado para o outro o tempo inteiro, chacoalhados como ervilhas dentro de uma lata. Passamos o dia inteiro assim, minha cabeça já estava girando quando a maresia parou de repente e a correria começou.
Não entendi muito bem o que estava acontecendo antes de ir ao convés e olhar para o céu. Nuvens negras se aproximavam a uma velocidade incrível, rugindo como animais selvagens, seus relâmpagos iluminavam todo o horizonte e sua proximidade trazia ventanias de uma velocidade assustadora. O barco voltou a balançar e agora com mais violência, o mar estava agitado como nunca! Não fui forte o bastante para me manter de pé, caí e rolei o convés inteiro até dar de costas com uma pilha de barris. A dor foi como um choque para mim. Antes de apagar, eu vi o céu tornar-se negro e iluminar-se totalmente como se estivesse pegando fogo. Um trovão poderoso arrebentou contra os meus tímpanos, e então tudo foi sombras e mais nada.
Quando despertei, ainda estava ali no mesmo lugar onde eu havia caído: enroscado nas linhas de pesca e coberto pelos barris que haviam caído sobre mim no momento em que fui de encontro à pilha. Tudo era silêncio e escuridão. Aparentemente era noite. Não me mexi durante o que me pareceu meia hora inteira, por medo de ter quebrado algum osso, chequei cada pedacinho do meu corpo para certificar de que estava tudo em ordem, e quando achei segurança em minhas fundações, chutei os barris para longe de mim. Não era escuridão lá fora. Era névoa. Névoa branca e espessa, um nevoeiro infernal que não me permitia sequer distinguir a silhueta das coisas que estavam ao meu redor, o movimento do meu corpo causava ondulações naquela massa de ar branca e pesada, eu podia sentir o peso daquilo tentando me sufocar.
Tateei pelas paredes da cabine, senti o contorno das janelas redondas e o vidro que as mantinha fechadas, estava em busca de uma porta quando uma mão gelada pegou-me pelo pulso. Dei um grito que ecoou como um rosnado pelo mar afora, agora meus ouvidos estavam desentupidos e eu podia ouvir o barulho das ondas contra o casco e o leve ondular da embarcação sendo levada solta pela corrente, sem vontade própria, como uma folha ao vento.
“Acalme-se! Sou eu! Ray Ann!” disse a voz “pensávamos que você tinha morrido, caído no mar! Venha, vamos descer ao porão!”.
Fui arrastado por minha companheira de viagem por caminhos desconhecidos e escuros da embarcação, mas que eu reconheceria muito bem com as luzes ligadas. “os sobreviventes estão todos lá embaixo junto com os animais, perdemos muitos marujos, a tripulação está com menos da metade...”. Ela explicou-me o que havia acontecido nos mínimos detalhes, e eu recebi cada notícia com espanto, agonia e dor. Os nomes dos que morreram, como morreram e o que havia acontecido quando a tempestade nos pegou desprevenidos. “Foi uma tormenta e tanto” disse Ray Ann “mas nós ficamos bem, ficamos todos bem, pensávamos que você havia sido lançado ao mar quando a primeira onda gigante bateu contra o casco, a Fábia disse que havia o visto rolar para longe, mas não foi rápida o suficiente para segurá-lo...” foi o que ela disse.
Descemos às escadarias para o porão e meus olhos foram pegos desprevenidos por inúmeras lamparinas acesas. Um pavão nervoso beliscou meu tornozelo e eu dei um grito espantado, pensando ser algo mais grave. Ali embaixo estavam todos muito descontraídos, apesar das perdas que tivemos, um ar de melancolia pairava sobre os sorrisos e as gargalhadas que lembravam aqueles que haviam partido. Fábia cantava uma bela canção enquanto um dos marujos tocava um velho saxofone enferrujado, Don Hills e Pietro discutiam as chances de sairmos vivos daquela situação enquanto Augusta só estava sentada, olhando para o nada, calada, como se esperando.
Fui recebido com muita festa pelos sobreviventes, praticamente feito em pedaços pelos abraços forçudos de Fábia e dos outros marujos. Notei que Fábia agora tinha uma enorme âncora tatuada no seu braço direito, quase consegui rir, mas meus membros ainda doíam muito por causa da queda. Eles realmente achavam que eu estivesse morto, Augusta quase caiu em prantos quando me viu descer as escadarias, vasculhei os espaços vazios à procura da triste Rose, mas não a encontrei com a sua costumeira expressão de morta-viva. Ali ficamos durante a tarde inteira do segundo dia. Sempre subíamos de um por um para fazer uma verificação rápida e certificar se o nevoeiro havia enfim se dissipado. Infelizmente ele só parecia cada vez mais forte.
E o frio, bem, o frio era infernal, digno do submundo da mitologia escandinava, a deusa Hel estava entre nós. Este só agravava, tanto que tivemos de abrir os armários e trazer para o porão todo tipo de lençol, casacos, calças e botas para nos aquecer. Só estávamos nesta situação porque, infelizmente, o capitão não havia aguentado os ferimentos da luta contra a tormenta e falecido poucas horas antes de eu me acordar. Passamos dois dias dentro desse nevoeiro, ouvindo nada além do silêncio e das ondas lambendo o casco. O frio só aumentava.
Então nós fomos pegos em cheio por algo enorme, que bateu contra a embarcação e nos lançou uns contra os outros. Corremos de imediato para o convés, acendendo os faróis da embarcação para iluminar as águas ao nosso redor. Logo éramos uma estrela navegante lançando brilho em todas as direções, brilho esse que batia de encontro a enormes torres de gelo flutuante e voltava para nossos rostos, nos cegando com as cores decompostas. Icebergs. Estávamos rodeados de Icebergs de todos os tamanhos e de todas as formas, flutuando acima das águas geladas do mar da Antártida. Sim, de algum modo a tempestade havia nos atirado a milhares de quilômetros de distância da nossa rota, e segundo a bússola interna, estávamos indo cada vez mais para o sul. Logo bateríamos contra o continente, mais dia menos dia.
As formas de gelo ao nosso redor eram aterradoras e ao mesmo tempo encantadoras, elas surgiam de dentro do nevoeiro e passavam ameaçadoras rentes ao casco, rente aos nossos narizes gelados e curiosos. Montanhas inteiras de gelo flutuante surgiam das sombras, pontiagudas, curvilíneas, quadradas ou arredondadas. Estávamos navegando num labirinto feito de Icebergs, um mundo gelado que ia se estreitando e se unindo a cada quilômetro que nos aprofundávamos, formado verdadeiras paredes ao nosso redor, e logo mais, um túnel que se fechava acima das nossas cabeças deixando frestas por onde vimos o nevoeiro se dissipar e dar lugar às constelações do céu da Antártida.
Quando o túnel se abriu outra vez, fomos recebidos por uma maravilha da natureza tingindo os céus de rosa, azul, verde e laranja: a aurora austral dançava acima das nossas cabeças, serpenteando, formando redemoinhos, correndo como um rio de luzes banhando as estrelas! Ao nosso redor havia o calmo mar aberto, atrás de nós um paredão de quase 20 metros de puro gelo com uma pequena falha triangular por onde nós navegamos até chegar ali. E diante dos nossos olhos, um horizonte branco, uma muralha resplandecente de puro gelo. Estávamos presos entre duas placas quase continentais de iceberg!
“Vejam! Aos fundos da muralha! Uma montanha!” gritou Pietro.
Realmente havia uma montanha de pedra (e não de gelo). Na verdade estava mais para rochedo do que montanha, olhando melhor. Concluí que havíamos batido contra o continente, mas logo fui corrigido por um dos marujos que afirmou ser uma pequena ilha. Segundo ele, a ilha só parecia tão gigantesca por causa do gelo que havia se acumulado ao redor dela e formado aquelas placas gigantes. De acordo com seus cálculos, aquele espaço de mar aberto entre uma muralha e outra não existia até um tempo atrás, parecia ter sido aberto muito recentemente e de forma violenta. “Um terremoto, talvez” concluí. Eu estava redondamente enganado...
Fomos de encontro à muralha e medimos a profundidade. Realmente, estávamos próximos de terra firme, a âncora não custou a bater no fundo do oceano. Puxamos a âncora de volta e iniciamos um passeio ao longo da parede de gelo, para verificar o ponto em que ela diminuía de tamanho, até chegarmos a um local onde o iceberg ficava exatamente na altura do convés: para o nosso espanto, a superfície da placa de gelo era perfeitamente lisa! Sem nenhuma ondulação sequer, como se raspada pelas mãos dos deuses! O terreno se inclinava e afunilava como a beirada de uma grande tigela. Ficamos horas ali, observando o deserto branco inclinado que formava um vale coberto por neblina, discutindo o que faríamos a partir daquele momento.
Nosso carvão estava na reserva, não seria o suficiente para sair dali. O vento era fraco, não tinha a força necessária para guiar as velas para fora do mundo gelado, sem contar que para sair dali teria de se usar o mesmo túnel por onde viemos, embora houvesse a possibilidade de haver outros, mas não tão seguros como aquele. Em conclusão, estávamos praticamente encalhados no meio do nada, num lugar que talvez fosse sequer mapeado pela marinha! Se não morrêssemos de fome morreríamos de frio, certamente! A temperatura só caía, logo aquelas roupas não seriam o suficiente para nos manter aquecidos.
“E se descermos até a ilha?” sugeriu Don Hills. “encontrar alguns esquimós...”
“Não existem esquimós no pólo sul!” exclamou Fábia. “vamos encontrar um monte de pinguins!” fez, imitando a ave.
“Ou leões marinhos!” disse Ray Ann.
Estávamos completamente perdidos.
“Não temos outra opção senão descer até a ilha, pessoal” pronunciou-se Pietro “provavelmente não é habitada, mas não custa nada tentar! Deve haver algum posto avançado da marinha ou mesmo cientistas e pesquisadores que se isolam nessas regiões à trabalho! O que não podemos é ficar parados aqui enquanto a comida e a água vão sendo consumidas!”
Ele tinha razão.
Assim, reunimos nossas armas, nossos kits de primeiro socorros e nossas ferramentas. Colocamos os casacos mais pesados e botamos o pé no gelo. Os exploradores nova-iorquinos e mais seis marujos, rumo ao desconhecido.


Fim da Parte Dois!